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    — Patrão Ivan, precisamos conversar!


    O alto tom de voz chama a atenção do homem, que se distraia conversando com seu espírito. Confuso pelo tom estranho de sua criada, ele vira-se e espanta-se com a expressão que a mesma faz. Enquanto sua expressão está totalmente séria e focada, pequenas gotas de suor escorrem de seu rosto. 

    ”Algo bem peculiar deve ter acontecido para mudar a expressão do seu rosto gentil e inocente”

    Conclui em seus pensamentos, receoso em perguntar o que aconteceu para ela aparecer assim nesse estado, porém sua insegurança não deve ser posto em primeiro lugar, pois ele mesmo decidiu que não abaixaria sua cabeça para medos imaginários. Ao tomar coragem, o homem levanta a mão de sua criada, e a pergunta.

    — Algum problema, Amice? Por que está tão séria desse jeito?

    A jovem, após ouvir a pergunta, sente novamente um peso em seu peito, algo tão forte que ela não consegue controlar. Pequenas lágrimas já iam jorrar de seu rosto, porém, com grande calma, ela respira fundo e esfrega seus olhos. Em seguida, retruca a pergunta de seu patrão.

    — Patrão Ivan, eu acabei de sair da sala de estar, pois fazia a minha faxina, e na janela observei uma grande multidão do lado de fora. Estão ocupando completamente as ruas daqui e…

    A jovem declara um pouco receosa, e fica em dúvida se ela realmente deveria dizer mesmo o que escutou, afinal, como o prefeito e sua irmã disse, a majin é uma criminosa procurada que atacou uma estalagem. Mesmo que Evangeline não tenha demostrado esse tipo de comportamento perto dela, certamente poderia ser apenas um disfarce, a fim de não descobrirem sua real intenção.

    A pausa que sua criada realiza, enche a cabeça do curandeiro de questionamentos: “Grande multidão nas ruas? Como assim grande multidão, não é comum as ruas estarem cheias? Afinal, estamos próximos do final de semana.”

    Como uma chama que consome um pavio extremamente curto, Áurea, eleva sua voz:

    — Vamos! Desembuche logo! O que tem de tão especial em ter multidões nas ruas? Isso é comum. Então, qual é o problema?

    Como se as falas que Ivan imaginavam dizer saíssem da boca de Áurea, o mesmo encara novamente sua criada, e em seguida, reforça: — Então, Amice, qual é o problema com isso?

    A jovem inspira profundamente e solta todo o ar em seus pulmões. Agora um pouco mais calma, ela tenta termina de dizer: — Patrão Ivan, e mestre Áurea, a multidão não é o problema mas sim o que está acontecendo nas ruas agora mesmo.

    — Agora pouco, o prefeito pronunciou-se para as pessoas, e ele anunciou que está a procura de uma majin criminosa por toda a cidade, e reforçou a ideia para todos que se soubessem de algo, fossem avisar os guardas.

    — Antes eu havia imaginado que tinha outro majin na cidade, que veio e fez essas coisas, mas nada se bate com o que ele disse. O prefeito informou que o majin apareceu no mesmo dia que a senhorita Evangeline veio, e… e eu não sei o que dizer sobre isso… eu… só não sei…

    Após avisar o que observou nas ruas, Amice, começa a perder a suas forças. Pouco a pouco uma imensa escuridão surge em sua vista e de repente, cai totalmente exausta, pois o desgaste mental gerado pelas dúvidas que acumulou, intensificou-se como um enorme peso em seu ser. Ivan, precocemente, adianta-se e segura o corpo desacordado de sua criada, e questiona-se sobre o fato dela cair tão repentinamente ao chão.

    Áurea, atrás do homem, cruza seus braços, e com o intuito de relaxá-lo, declara calmamente:

    — Não se preocupe com Amice, ela deve estar exausta. Além de que, parece que essa informação a colapsou internamente. Apenas a deixe descansar um pouco.

    O curandeiro, aceita as palavras de seus espírito e com bastante calma e cuidado, segura o corpo desacordado, e a posiciona para o seu assento, que antes conversara sem preocupações.

    De modo a retirar seu casaco, o homem o pega e o despeja em cima da jovem, com o intuito de protegê-la do frio. Voltando seu olhar, agora preocupado para Áurea, o homem pergunta exitadamente: — E agora… o que vamos fazer?

    O homem não consegue esconder sua preocupação e medo, aparentemente está totalmente exposto em sua face. O fato que o assombrara está circulando em toda a cidade nesse exato momento. Tudo o que o homem pensa é o medo de acharem e estragarem o plano de sua aluna, afinal terá tudo sido em vão. As aulas, os treinos e os esforços, todos dedicados para a cura de Karenn, tudo pode ser arruinado.

    — Droga, droga, droga! Isso não pode estar acontecendo. Bem como Moira me disse. Seu irmão prefeito bolou uma história fajuta, só para se vingar da Evangeline. Não temos mais tempo, precisamos…

    Áurea impressiona-se com a desordem no psicológico do homem, ela estranha o fato dele agir desta forma, afinal, antes ele era um homem calmo e sereno, e geralmente abaixava a cabeça para os outros. Porém tudo isso parecia ter mudado, parecia que aquela pessoa não existia mais.

    — Droga, Ivan! Acalme-se! Você não é assim, você é calmo e pensa cuidadosamente. Por que está agindo igual um adolescente? Você está parecendo com a… Evangeline…

    O homem vira-se abruptamente para seu espírito, e pondera soltar um grito de fúria, porém, cessa seu show, pois percebe que ela está certa:

    — Realmente, eu não sou assim, eu não sei o que houve comigo…

    — Ela, houve com você.

    Áurea aponta seu dedo indicador para a meio-elfa está meditando, sentada ao local adjacente dos dois. Frustrada com o evento também como o curandeiro, reforça ainda mais sua fala:

     — Se não fosse por ela e aquela outra garota no seu quarto, não precisaríamos nos preocupar com esse assunto.

    Ivan, após ouvir o que seu espírito diz, afasta-se. O homem aparenta está confuso com a fala de Áurea, pois o tom de sua voz parece está apontando toda a culpa para sua aluna, algo que não é verdade.

    — Áurea… você está dizendo que…

    A pequena fada corta a fala do homem, com o intuito de não ser contrariada no que diz, afinal, ela não terminou de falar: 

    — “Se não fosse por ela e aquela outra garota no seu quarto, não precisaríamos nos preocupar com isso”, era o que eu diria alguns dias atrás, mas como você, o jeito e a peculiaridade dessa majin, também me cativou.

    — Eu havia esquecido como vocês humanos podem ser mesquinhos, abusados e birrentos. Não imaginava que aquele homem faria algo como colocar toda a cidade contra ela. Ela não fez nada além de se defender, e mesmo assim, é julgada só por ser quem é.

    Após finalizar sua angústia, Áurea pousa na cabeça de Evangeline, e contínua a fala, enquanto penteia os fios desconexos do coro cabeludo da mesma:

    — Por que você tem que passar por isso? Logo uma jovem com todo o potencial do mundo? Por que você teve que nascer como uma majin, e ser caçada só por ser quem é?

    Essas perguntas ecoam profundamente o espaço espiritual. Tais palavras tocam o coração de Ivan, que o faz entrar em pesar e culpa. Mesmo que não houvesse julgado a aparência de sua aluna quando a viu pela primeira vez, ele já foi alguém ignorante o suficiente em seguir a vontade da massa. Isso quando era apenas um soldado em meio a guerra.

    O homem, por sua vez, perde o senso de estabilidade e cai sentado ao chão, o barulho chama a atenção do olhar de Áurea. Ele, agora sentado, dobra suas pernas ao colocar os seus joelhos frente ao rosto. Sua expressão muda, há em sua face um olhar frio e calmo, como se algo pairasse diversas vezes em sua mente.

     “O que eu posso fazer?”, “Será que existe uma escapatória?”, “Como posso resolver isso?”. Diversas questões começam a ecoar em sua cabeça, porém, com tantas perguntas que vinham incansavelmente para cima dele, uma ideia surge.

    Abruptamente, o homem eleva seu rosto e declara com uma voz firme e direta, guiada exclusivamente para seu espírito:

    — Já sei o que posso fazer. Eu posso transportar toda a casa para outro lugar. Isso pode demorar um pouco e chamar a atenção de todos na rua, mas…

    Áurea surge na frente do homem e o acerta com um poderoso tapa, a ação o deixa surpreso e confuso, pois isso era uma ação inusitada, ainda mais vindo de seu espírito. Na maioria das vezes ela ameaça que fará algo, apenas para alertá-lo, porém dessa vez ela guiou uma ação sem aviso prévio.

    — Droga, Ivan! Você ta ficando maluco por acaso? Você ainda não é compatível o suficiente com a magia espacial. Você só tem essa capacidade por eu tê-la, e mesmo a usando acaba consumindo toda a sua mana. Abrir um portal difere totalmente de transportar uma casa. Se fazer tal coisa, você pode morrer!

    Algo está diferente na face de Áurea, ela esboça um olhar aterrorizantemente sério, suas palavras firmes foram diretas e precisas, tudo para que o homem tirasse a ideia de fazer algo totalmente ilógico e perigoso.

    — Morrer? Eu já sou bem velho… Eu já fiz muita besteira nessa vida. Matei, roubei, humilhei e julguei. Eu não sou um homem de salvação, Áurea. Algo como a morte não me assombra a tempos. Na verdade, ela seria como alguém confortante que me tiraria de um grande oceano de culpa.

    — Morrer em prol de ajudar alguém querido é a coisa que eu mais anseio. Então, não vem com essa de “Você pode morrer”, eu não ligo para essas coisas.

    Áurea, mostra-se embasbacada com a declaração de seu contratante, e a fim de fazê-lo mudar de ideia, tenta falar algo, porém e interrompida pela fala do mesmo que ainda não se cessa.

    — Áurea, você foi a melhor amiga que eu tive em anos, você foi a única que se importou o suficiente comigo para me guiar e me ajudar, por isso eu te agradeço no fundo do meu ser. 

    — Se eu realmente morrer, rompa seu pacto comigo, assim você não terá o mesmo fim, afinal, você mesmo disse que se não me conhecesse realizaria o contrato com Evangeline.

    Suas palavras ecoam no coração de Áurea, e suas lágrimas finalmente começam a mostrar-se. Ela, um espírito pequeno e orgulhoso, que brinca sempre o insultando, e empinando seu nariz, agora mostra-se totalmente exposta com seus sentimentos, ao demonstrar tristeza com tal declaração.

    Ivan, impressiona-se com o esse lado que até então não conhecia, visto que, ele sempre a via toda viva e alegre, e às vezes irritada, porém triste, foi a primeira vez. Um sorriso de agrado surgi discretamente no rosto do homem, e uma grande felicidade começa o cercar.

    Por fim, o homem levanta-se, cerra seus punhos com determinação, e com uma ação apressada começa a dirigir-se até a passagem espiritual, delicadamente aberta. Áurea, estende sua mão direita, a fim de tentar chamar a atenção do homem, porém suas palavras não conseguem sair.

    ”Droga… ele vai se matar e eu não vou conseguir dizer nada? Vamos boca, fale algo! Algo que o faça mudar de ideia… algo que não me faça perder outro amigo… ”

    Sua visão começa a escurecer. O fato do seu contratante, não, o seu amigo, se sacrificar apenas para ajudar alguém a deixa sem ação. Afinal, o que ela pode dizer para fazê-lo mudar de ideia? Ele já está determinado com seu plano, já deixou claro que a morte não o teme.

    Enquanto Ivan, atravessa o portal, uma voz familiar ecoa por toda a sala.

    — Que papo é esse de se sacrificar, senhor Ivan?

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