Capítulo 78.4 ❃ Negócios e Mistérios no caminho a Cidade das Trocas.

Ainda demonstrando um rubor nas pontas das orelhas e um certo desconforto por não perceber que estava revelando parte do seu corpo devido ao seu pijama, Kamila sente um peso incrível se dissipar de seu coração ao ouvir que Lukas não está tentando se fazer forte. No entanto, ela ainda sente um aperto em seu peito toda vez que olha para a mulher de armadura atrás dele.
É uma emoção que ela nunca experimentou antes, uma sensação que a faz desejar que Lukas permaneça somente perto dela.
Observando atentamente a aparência da cavalheira, Kamila nota a sua notável beleza e suas características distintas.
Seus olhos puxados, pele pálida, cabelos negros profundos e olhos vermelhos intensos sugerem uma origem diferente das pessoas que Kamila conheceu até o exato ponto.
”Olhando bem para ela… ela não se parece muito com as pessoas que moram nesse país, não é…? Bom, não é como se eu já tenha visitado todos os cantos de Axerth, mas, sua aparência é muito marcante… Talvez… ela tenha vindo da parte Sul do continente…” Ela relembra as histórias que seu avô disse sobre as pessoas do Sul do continente, onde as culturas e características físicas diferiam das de outras regiões.
”Será que realmente ela veio do Sul…? Isso explicaria o jeito de seus olhos e acor de sua pele serem tão diferentes… mas, como será que é realmente lá? Meu avô Bezel sempre me disse sobre como poderia ser… porém eu queria ver como é tal lugar.” Kamila começa a se perguntar se essa mulher de armadura veio realmente do Sul e como é aquele lugar. Contudo, logo ela coloca de lado essas reflexões quando percebe que ainda não ouviu o nome da mulher.
Virando-se para Lukas, Kamila, ainda envergonhada pelo que aconteceu há poucos segundos, tenta perguntar ao rapaz sobre à identidade da mulher.
— L-Lukas… é… então… como é o nome dessa mulher vestindo armadura mesmo…? Você ainda não me apresentou a ela…
— Eh… bem… o nome dela é… Meio que também não sei…
Lukas percebe que até o momento não havia perguntado o nome dela, ele sente um desconforto e uma sensação de vergonha por não fazer essa pergunta básica antes. Ele entende que usou a força da mulher para sobreviver e a trouxe para o acampamento sem sequer se preocupar em saber quem ela é.
— Bom… senhorita cavalheira… Fui meio rude anteriormente quando nos conhecemos e não pensei nisso até o exato ponto… Então… me perdoe, mas… poderia nos dizer seu nome… heheh…
A mulher de armadura, que até então estava apenas observando os diálogos entre Kamila e Lukas, percebe que ambos a encaram com uma expressão sem graça.
”Isso é sério? Eles realmente não sabem quem eu sou? Esse tempo todo, desde que ele me convidou até aqui, eu pensei que ele já havia notado. Não sabia que estava me envolvendo com um bando de caipiras…. Argh… certo…”
— Muito bem…
Ela se aproxima, — seus passos ressoando como metal sobre o solo arenoso, e se prontifica a se apresentar formalmente, revelando sua identidade.
— Não se preocupem com formalidades perto de mim, não gosto dessas coisas, ainda mais vindo de estranhos. Vocês podem se dirigir a mim apenas como Ivetya Monteblade.
Após Ivetya se apresentar aos dois, Kamila fica momentaneamente estática.
Sua pele empalidece como um papel quando ela percebe que o nome da mulher armadurada é incrivelmente semelhante ao nome amplamente conhecido em todo o país. Contudo, ela sabe que a pessoa frequentemente mencionada não poderia estar bem na sua frente. Ou poderia?
”Ivetya… Monteblade…!? Não… não poderia ser ela, ou poderia…? A imperatriz da espada? Não… isso seria impossível, mas… suas características também batem com os rumores… porém isso não faz o menor sentido, e-e-e-e… se-seu nome… é muito curto para ser ela… não é…?” O choque estampa-se em seu semblante, uma pequena gota de suor escorrendo após a comparação entre os nomes.
”Ive… o quê…? Eu… não… consegui escutar…” Lukas, por outro lado, ao ouvir o nome Ivetya, sente algo errado. Seus sentidos vacilam e sua visão se torna turva. Sua mente gira e ele não consegue entender o que está acontecendo.
”O que está… acontecendo comigo…? A poção! Isso é o efeito colateral da poção de cura…? Que ótimo momento para isso acontecer… Estou com meu Mana esgotado, não conseguirei resistir… a esse efeito…” Em um lampejo, ele se lembra do efeito colateral comum das poções de cura, que causam sonolência e entorpecimento.
Com sua mana completamente exaurida pela batalha anterior, ele não consegue resistir às consequências do efeito colateral, perdendo pouco a pouco os sentidos.
— Senhorita… Kamila… eu…! — Lukas tenta falar, mas subitamente desaba em direção ao solo.
— Lukas! — Kamila, percebendo sua queda iminente e estando próxima o suficiente, tenta segurá-lo, mas ambos acabam caindo no chão, com Lukas desabando diretamente sobre os seios de Kamila.
— Hmmpf! — O rosto de Kamila fica ruborizado, seu coração palpitando, mas ela não consegue emitir uma única palavra, apenas soltando um grito agudo interior.
— PfftHahahah! Você… você… você… e ele…. Hahahahah! Eu não consegui segurar… me desculpe…
Observando a cena incomum e quase cômica, Ivetya solta um sorriso zombeteiro e uma pequena gargalhada. Kamila, apesar do desconforto que está passando devido sua situação cômica, percebe que Ivetya não é uma pessoa ruim e fecha os olhos, respirando fundo para acalmar a vergonha que percorre todo o seu corpo.
— Phew…
Depois de alguns segundos tentando superar a intensa vergonha de toda a situação com Lukas, Kamila levanta o rosto dele de seus seios e o coloca sentado em suas pernas. Ela observa o rapaz desacordado, —- acariciando seus cabelos com os dedos.
Aproveitando a oportunidade, Ivetya pergunta a Kamila onde pode colocar Isabel.
— Então… garota do vilarejo… Aonde posso colocar essa outra garota do vilarejo de cabelo branco…? Meio que eu não sou uma cama no final de tudo…
— Heheh… Me desculpe por te dar tanto trabalho, senhorita Monteblade, eu agradeço por cuidar de Lukas e Isabel nesse período. Mas em relação à Isabel, pode deixá-la em minha barraca mesmo. — Kamila aponta para a barraca e guia Ivetya para colocar a garota de cabelos brancos lá dentro
— Relaxa, não precisa dessa formalidade toda. — Com cuidado, Ivetya deita Isabel e fecha a barraca com segurança antes de voltar a Kamila.
— Muito bem… agora… em relação ao que eu discutir com o garoto do vilarejo de óculos. Tenho um favor a pedir.
— Um favor…? Que favor?
— Fiz um trato com ele, que eu pediria um favor se os ajudasse a matar aquele cãozinho. Agora que as coisas estão calmas, eu pedirei. Minha ideia era discutir com ele, mas, ele está meio que… desacordado em cima de você. — Ela informa Kamila sobre o acordo que havia feito com Lukas pouco antes.
— Não se preocupe… não posso parecer, mas sou a chefe interina do meu vilarejo, então meio que sou a líder desse acampamento. Tudo que Lukas prometeu a senhorita Monteblade, farei o melhor para recompensá-la. Então, por favor, diga-me, o que quer receber? Ser for dinheiro, ainda não temos, então temo que precisará esperar até que vendemos nossas mercadorias em Nakkie…
— Não, não… Não é dinheiro. Eu e meus soldados estávamos passando por aqui, mas alguns Lobos da Noite acabaram matando meus cavalos e destruindo a carruagem que carregava algumas provisões de alimentos. Antes de ajudar seu amigo aí, eu percebi que vocês estão levando cinco carroças lotadas de alimentos, agora percebo que vocês planejam vendê-los em Nakkie.
— Então a senhorita Monteblade quer…
— Preciso reabastecer nosso suprimento perdido na luta anterior. Não precisamos de muito, nem pegarei uma carroça inteira. Umas três caixas que possuem algum vegetal e fruta é o suficiente.
— Senhorita Monteblade, você entende que iremos vendê-los na cidade, porém, como a senhorita ajudou meus amigos, irei oferecer não só três caixas, como quatro, porém, como compensação, eu peço que a senhorita e seus soldados nos guiem em segurança até Nakkie. Não quero que nenhum outro monstro surja e acabe estragando nossa viagem…
Entendendo a situação, Kamila, a única acordada no acampamento, concorda em compartilhar os suprimentos que trouxeram para vender em Nakkie, contanto que Ivetya e seus soldados os guiem com segurança até a cidade. Ela não quer ver mais ninguém em um estado tão exausto quanto Lukas e Isabel.
— Ohh… que ousada… gostei… — Ivetya levanta as sobrancelhas, ligeiramente surpresa, mas logo sorri e concorda, revelando seu verdadeiro objetivo de ir para Nakkie.
— Minha rota também é Nakkie, então, não será um problema guiá-los até lá em segurança.
”E, também, poderei olhar um pouco mais de perto essa garota de cabelo branco…”
Os passos marcados pelo solo arenoso destacam-se no cenário agora tranquilo. A fogueira crepitante, com sua luminosidade alaranjada, enche o ar de um calor agradável, tornando a noite de inverno mais suportável.
Kamila caminha pelo acampamento, passando pela barraca onde está Lukas e Balmor, que agora dormem profundamente. Ela considera a ideia de deixar Lukas descansar em sua própria barraca para poder monitorar seus ferimentos, mas compreende que não possui a experiência necessária em tratamentos.
Talvez, em seu íntimo, ela queira simplesmente estar perto de Lukas o máximo possível.
Kamila rapidamente afasta esses pensamentos irracionais e fecha a barraca dos homens.
É uma ideia insensata, afinal de contas.
Sua mente, então, a leva de volta à fogueira, com suas chamas dançantes e hipnotizantes. Seus pensamentos vagueiam pela vasta Floresta de Arrow, curiosa sobre o que se esconde em suas profundezas, mas ela logo deixa essas reflexões de lado ao se aproximar de sua própria barraca.
Dentro, Isabel repousa, adormecida após a intensa batalha contra a besta mágica na periferia da floresta. Kamila observa a garota de cabelos brancos com atenção, mas uma pontada de culpa começa a atravessar seu peito.
Enquanto ela dormia tranquilamente, Isabel e Lukas estavam lutando para protegê-la das ameaças externas, o Lobo da Noite.
”Que delirante… e pensar que eu dependeria de Isabel para me proteger dos monstros, logo ela, uma garota de dez anos… Nunca cheguei a imaginar um dia como esse. Sinto vergonha de mim mesmo por depender dela… talvez, eu nunca devia ter abandonado os ensinamentos das artes mágicas… ” Kamila reconhece que não é uma maga forte e que não se dedicou o suficiente às artes mágicas, o que a faz sentir-se culpada por contar com a ajuda de uma garota de apenas dez anos para proteger sua vida.
A raiva cresce em seu interior.
Raiva de sua própria fraqueza, de sua impotência.
Ela fecha a barraca com força, seus lábios apertados e seus olhos faiscando em fúria. A imagem de Evangeline surge em sua mente, lembrando-a de como a amiga se tornou tão forte em tão pouco tempo.
”Evangeline… ela sim é uma mulher forte… não só protegeu o vilarejo sozinha dos monstros, como está atualmente desbravando uma masmorra, em busca de uma cura para sua irmã… Se Evangeline estivesse aqui, possivelmente ela conseguiria detectar a aproximação do Lobo da Noite e ter ajudado Lukas e Isabel… Sou queria saber… como ela conseguiu ficar tão forte…? Como ela se tornou alguém assim…? Como uma simples fazendeira se tornou a heroína do vilarejo…!?”
— Argh…! Talvez eu só queira ser como ela… — Kamila se pergunta o que motivou Evangeline se dedicar às artes mágicas e espirituais. Ela queria possuir a mesma força que a meio-elfa, para ter detectado a aproximação das bestas mágicas e lutado ao lado de Lukas e Isabel.
Com um suspiro pesaroso, Kamila se dirige até a fogueira, onde uma pedra serve de assento.
Ela se senta e contempla as chamas, perdida em pensamentos sobre sua própria fraqueza e determinação para mudar. Ela sabe que ser fraca é comum, mas não quer mais ser um fardo para os outros. Como Chefe Interina de seu vilarejo, deseja proteger seu povo, não depender dos outros para essa tarefa.
Enquanto reflete, ela observa seu traje, que revela um pouco de seu corpo.
Kamila não pode deixar de pensar em como ela reagiu quando Lukas caiu sobre seus seios.
— Realmente ele são bem grandes… será que Lukas gosta de garotas… como eu…? — Em um momento de curiosidade, ela agarra seus seios e sussurra para si mesma, questionando se Lukas gosta de garotas com seios grandes como os dela. Mas sua surpresa é imensa quando uma voz feminina ao seu lado concorda com sua dúvida.
— Claro, por que não gostaria?
Kamila vira rapidamente o rosto na direção da voz, atônita.
— Senhorita Monteblade!? — Como Ivetya apareceu ali tão silenciosamente?
”Co-co-como ela chegou aqui tão rápido sem eu perceber…!?” Cada passo dela normalmente ecoa no solo arenoso. Mas a mulher de armadura está ao seu lado, como se tivesse se teleportado.
Ivetya observa a surpresa no rosto de Kamila com um sorriso descontraído e comenta sobre os comportamentos típicos dos homens, algo que ela já observou em muitas de suas interações.
— Ah… vai… Você não acredita em mim? Com certeza ele deve gostar também… Homens, mesmo tendo personalidades diferentes, eles sempre gostam de algo em comum… Vai por mim, eu já conheci vários desse mesmo tipo… heheh…
— Se-senhorita Monteblade… é realmente você, não é…? Não estou alucinando devido ao sono, ou estou?
— Alucinando? Essa é nova, agora estão me comparando com alucinações… É claro que sou eu! Por que não seria?
— Bem… bem…
Palavras escapam dos lábios de Kamila, e ela se vê diante de uma situação inesperada, deixando-a momentaneamente sem resposta. Todavia, a figura de Ivetya está ao seu lado agora, sentada junto à fogueira, — estendendo as mãos para absorver o calor reconfortante.
Kamila logo se lembra de que Ivetya havia ido buscar seus soldados e, com essa recordação, uma pergunta surge em sua mente. Sem delongas, Kamila direciona a pergunta à cavaleira:
— Eh… senhorita Monteblade, a senhorita havia ido buscar seu pessoal. Onde exatamente eles estão, já que a senhorita está aqui ao meu lado…?
Ivetya responde apontando para o sul. Kamila vira o olhar na direção indicada e nota quinze silhuetas se aproximando, todas vestindo armaduras completas de aço.
Cada passo dos soldados reverbera no solo, enviando vibrações pelo acampamento. A jovem observa atentamente cada um deles, homens, mulheres e até mesmo jovens, mas o que a surpreende é que esses soldados parecem diferentes dos que ela já viu antes.
Um sentimento estranho a envolve enquanto encara os soldados. Intrigada, ela não consegue evitar a expressão surpresa que toma conta de seu rosto.
Cutucando o foco da fogueira com um graveto, fazendo-o revelar uma sutil aura, Ivetya explica que todos esses homens e mulheres em seu esquadrão eram como Kamila, camponeses que antes não tinham um futuro promissor.
— Sei que você também reconhece esse sentimento. Eles eram como você, garotas e garotos do vilarejo, nenhum deles, nos locais que nasceram, tinha um futuro promissor dado a eles de bandeja, igual os nobres possuem. Nenhum deles nasceu com mana alta, nem teve a sorte de se encontrar com um espírito elemental, ou nasceu com uma habilidade que combine com seus padrões.
— Então… é isso… — Kamila arqueia as sobrancelhas, a surpresa refletida em seus olhos.
O sentimento diferente que ela havia experimentado, agora ela compreende, era uma aura semelhante à dos moradores de seu vilarejo, uma aura semelhante ao dela.
Enquanto ela assimila essa revelação, os soldados começam a levantar suas barracas com uma destreza impressionante. Alguns se acomodam para descansar antes do amanhecer, enquanto outros se entregam aos treinamentos, aprimorando suas habilidades em esgrima e artes marciais.
A dinâmica do acampamento ganha vida, e Kamila não pode deixar de admirar a determinação e a resiliência daqueles que um dia foram simples camponeses, assim como ela própria.
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