Capítulo 706: Conscrição (1/4)
A primeira impressão que tive ao atravessar o portal para a fortaleza subterrânea de Noark foi o silêncio.
Exceto pela respiração pesada dos membros que acabaram de escapar de uma situação tensa, nosso entorno estava assustadoramente silencioso.
Os soldados do palácio, que deveriam estar patrulhando a praça da fortaleza, não estavam em lugar algum, assim como qualquer outro ser vivo.
Para ser honesto, eu não esperava por isso. Sven Parav, praticamente nossa ‘bússola do destino’ humano, fez todo aquele escândalo antes de ser jogado no portal, então imaginei que algo terrível estaria nos esperando do outro lado.
— Ahh… Uh… Argh…
Mas esse cara ainda estava reclamando.
— Sven Parav, controle-se.
Ele continuava apenas tremendo, sem mostrar sinais de melhora. Caminhei até ele, observando-o enquanto tentava decidir o que fazer.
— Você está bem? Sr. Parav, por favor, acorde. Por favor?
Lilith Marrone, a maga militar que se juntou ao nosso clã graças à nossa conexão na Expedição à Rocha de Gelo, aproximou-se dele e segurou sua mão.
— Não sei do que você tem medo, mas tudo ficará bem. Por favor, não se preocupe. Eu vou protegê-lo.
Foi um esforço desperdiçado.
“Quero dizer, mesmo fazendo isso, não acho que ele esteja em estado mental para responder…”
— Ah, ah… S-Srta. Marrone?
Hã?
— E-Eu… S-Srta. Marrone? Pode s-soltar minha m-mão por um instante…?
Aquilo… aquilo funcionou?
Qual era a diferença entre eu e ela?
— Ah! Me desculpe… Você parecia com frio, Sr. Parav…
— N-Não! N-Não peça desculpas. E-Eu que deveria me desculpar!
Um silêncio estranho tomou conta da área enquanto Marrone rapidamente retirava a mão dele.
O que estava acontecendo? Será que esses dois tinham algo como Rotmiller e Shavin Emoor?
“Hmm… Olhando para Marrone, não parece ser o caso…”
Eu não podia saber com certeza. Relacionamentos já eram complicados por natureza e, sendo honesto, o relacionamento entre eles não importava.
Não, o importante era que Sven Parav recuperara seus sentidos. Isso era tudo.
— Parav, se está acordado, levante-se — ordenei, agarrando-o pelo ombro e forçando-o a se levantar. — Pare de fazer essa cara feia aí no chão.
— Perdão? Ah, ah! Sim…!
Ele parecia ter recuperado o foco, conseguindo se manter de pé.
Certo, agora eu provavelmente poderia falar com ele.
— Suas intuições ainda dizem a mesma coisa?
— Sim…
Suspirei. Isso significava que um ‘incidente’ estava prestes a acontecer em breve.
— Entendido. Avise-me imediatamente se algo mudar. As coisas vão ficar caóticas, então fique na retaguarda e cuide de si mesmo.
— Desculpe.
Terminei a conversa com Parav e chamei por Amelia e Versyl.
— Sabemos por que ninguém está ao nosso redor? Achei que vocês disseram que os soldados do palácio estavam investigando a área quando vocês saíram.
— Estavam. Foi um inferno tentar ativar e sair pelo círculo mágico sem sermos pegos.
— Também não sei por que o palácio se retirou. Nada me vem à mente.
“Hmm, entendi…”
Eu até tinha preparado um discurso para dar aos soldados do palácio se eles estivessem lá quando retornássemos. O fato de não precisar fazer isso era um alívio, mas também me deixava inquieto não saber por que os soldados do palácio não estavam presentes.
— Yandel, o que você planeja fazer agora?
Pensei por um momento sobre a pergunta de Amelia.
Mais uma vez, havia duas opções: podíamos permanecer escondidos na fortaleza subterrânea abandonada e esperar, ou retornar à cidade para verificar o que estava acontecendo por lá.
Pode parecer óbvio, mas a decisão já estava tomada.
— Vamos voltar para a cidade por enquanto.
Fechar os olhos e ignorar a realidade não mudaria nada. Não importa o quanto eu estivesse com medo, precisava forçar os olhos a se abrirem e encarar o que estava diante de mim.
Isso ao menos me diria do que eu tinha medo.
Claro, permanecer no subterrâneo, bloqueando nossa visão e audição, era uma alternativa, mas essa decisão só poderia ser tomada depois de entender tudo que estivesse acontecendo. Não era algo para fazer apenas por medo ou para se esconder.
— Para qual distrito iremos?
— Vamos ao Distrito Sete primeiro, verificar a situação, e decidir nosso próximo destino a partir daí.
Com isso, deixamos a silenciosa cidade subterrânea e subimos para os esgotos, que podiam ser considerados a fronteira entre Noark e Rafdonia.
Nossa formação não priorizava velocidade de movimento, mas sim proteção, algo que usávamos ao entrar em áreas novas no labirinto ou em locais sabidamente perigosos.
Embora ninguém dissesse nada, a maioria dos membros tinha expressões semelhantes.
“Por que estamos nos dando ao trabalho de fazer isso?”
Sinceramente, era uma pergunta natural.
Do ponto de vista deles, tudo o que fizeram foi dar um passo fora dos muros da cidade antes de retornar imediatamente. Enquanto eu tomava as decisões, certo de que algo perigoso estava acontecendo, para eles eu parecia apenas esquisito.
Bem, graças à confiança que conquistei, todos acreditavam que havia um motivo por trás disso.
Boom!
E assim, enquanto caminhávamos pelos esgotos com Amelia à frente, o teto e o chão tremeram por um momento, como se atingidos por um terremoto. Embora fosse um tremor relativamente pequeno, foi suficiente para deixar os membros, já tensos, ainda mais ansiosos.
— Foi um tremor vindo de muito longe.
— Será que algo realmente está acontecendo na cidade acima?
Se antes estavam céticos, agora todos tinham expressões sérias, percebendo a estranheza da situação.
Não demorou para a sensação de inquietação se intensificar.
— Sangue?
Acima da lama do esgoto havia sangue vermelho.
— É um corpo.
Seguir o rastro nos levou a um cadáver jogado no chão. Ficava evidente que a pessoa havia morrido recentemente, e não foi difícil identificar quem era. Parecia que quem o matou fugiu rapidamente, levando apenas os itens mais valiosos e deixando para trás muito equipamento.
— Essa pessoa… é um soldado do palácio.
Um soldado do palácio estava morto.
Mesmo que os esgotos não fossem frequentados por muitas pessoas, um soldado havia morrido dentro do território de Rafdonia.
— A possibilidade de ele simplesmente ter sido roubado por vagabundos daqui… é bem baixa, certo?
Não havia chance disso. A probabilidade de um vagabundo vivendo nos esgotos atacar um soldado do palácio era quase zero.
— Emily, continue nos guiando. Precisamos chegar à superfície o mais rápido possível.
Passamos pelo cadáver do soldado e aceleramos o passo, apenas para encontrar mais corpos de soldados do palácio antes de finalmente chegar à saída que levava para fora. No entanto, não experimentamos outro tremor como o que sacudiu todo o sistema de esgotos antes.
Hmm, o que exatamente estava acontecendo?
— Está inesperadamente quieto.
Depois de chegar à saída dos esgotos, não saímos imediatamente. Optamos por observar o que estava acontecendo do lado de fora primeiro. Devido ao ângulo, nossa visão era limitada, mas a estrada que conseguíamos ver diretamente à frente estava muito silenciosa.
Isso não significava que eu poderia baixar a guarda, é claro. Mesmo considerando que a entrada do esgoto ficava nos arredores, não era normal não haver absolutamente ninguém do lado de fora. Ainda mais no meio do dia.
— O que você vai fazer?
— Vamos esperar aqui por enquanto. Se tantas pessoas se moverem de uma vez, chamaremos atenção. Emily, você poderia levar algumas pessoas para verificar a situação lá fora?
— Não preciso de algumas pessoas. É mais fácil me mover sozinha para algo assim.
— Mesmo assim, pode ser perigoso…
— Estar sozinha será mais seguro. Se a situação se tornar perigosa porque fomos vistos, não vai importar quantas pessoas eu leve comigo.
Hmm, isso não mudava o fato de que eu ainda estava preocupado. Mas, como ela era a especialista aqui, achei melhor confiar nela.
— Certo. Tome cuidado. Não quero muita informação, então não se force. Volte para nós.
— Eu… vou indo, então.
Amelia organizou-se por um momento antes de sair pela entrada do esgoto. Seus movimentos eram tão furtivos e silenciosos que a perdi de vista imediatamente.
Embora me incomodasse o fato de ela não ter respondido ao meu pedido para não se forçar, decidi confiar nela e me concentrei no que precisava fazer enquanto aguardava.
Não tínhamos tempo a perder.
— Enviei uma transmissão de mana para as coordenadas da pedra de mensagens na casa do clã, mas não obtive resposta.
— Isso era esperado. Quando verifiquei, parecia haver uma barreira cobrindo toda a cidade, bloqueando a propagação de sinais de mana. Não consigo nem contatar o cristal de gravação remota no meu laboratório de pesquisa.
— Eu imaginei! Minha mana parecia se dispersar no meio do caminho…
— Ah! Ouvi dizer que o exército tem ferramentas mágicas que realizam essas funções. Porém, achei que só as usavam em tempos de guerra… Hmm. Algo realmente deve ter acontecido na cidade.
— O que aconteceu nesses dois meses em que estivemos fora?
Enquanto Amelia estava fora fazendo reconhecimento, tentávamos reunir o máximo de informações que podíamos.
O tempo passou.
Creak.
Amelia abriu a porta de ferro do esgoto e voltou para nós. Ela parecia um pouco cansada, mas não havia sinais em suas roupas ou corpo de que ela tivesse enfrentado uma luta.
— Você está ferida? — perguntei, só para garantir.
Ela sorriu com a minha pergunta.
— Não se preocupe. Não estou.
Então, começou a relatar as informações que obteve lá fora.
— Os soldados estão todos próximos aos muros da cidade, e não consegui me aproximar porque estavam usando todos os tipos de ferramentas e habilidades mágicas de detecção. No entanto, tenho certeza de que ocorreu um incidente em Bifron, que foi tomado pelos Noarkianos.
— Em Bifron…?
— Vocês verão quando sairmos, mas a barreira que cercava Bifron desapareceu.
— Então… Parece mesmo que uma guerra está acontecendo.
— Provavelmente, considerando que encontrei isso na caixa de correspondências da nossa casa do clã.
Amelia tirou uma carta que encontrou na casa do clã que estávamos usando como base. Pelo selo, pude ver que vinha do palácio, e já havia sido aberta por Amelia.
— Isso é…
Quando chequei o conteúdo, era uma carta bastante longa, como era de se esperar de um documento oficial do palácio. Resumindo…
— É uma notificação de conscrição.
— Sim. E, pelo que parece, não somos apenas nós, mas todos os clãs dentro da cidade foram convocados.
— Há uma lei que estipula que, em tempos de guerra, aventureiros e outros indivíduos capazes de combate podem ser convocados à força para o exército.
Bem, fazia sentido. Que tipo de país se limitaria apenas aos soldados oficiais quando uma guerra estoura?
Kaislan, que já havia sido parte do exército, suspirou com uma expressão pesada.
— No entanto, parece que a situação é realmente grave. Mesmo quando os Noarkianos nos invadiram há cerca de um ano, a lei de conscrição não foi aplicada…
— Por quê?
— Porque convocar os cidadãos enfraqueceria a autoridade do palácio. O poder do palácio deve ser absoluto, mas emitir essas notificações de conscrição sugeriria que precisam de ajuda.
Ah, entendi. — Simplificando, se o palácio pudesse lidar com isso sozinho, nunca teria recorrido a essa lei?
— Isso é o que acredito… supondo que eu esteja certo.
A confirmação de Kaislan fez minha cabeça girar. Isso não significava que eu poderia simplesmente ficar parado, refletindo.
— Mas, realmente, a situação se tornou muito complicada… Hmm… Srta. Raines? Você encontrou algum documento na caixa de correspondências que não fosse direcionado ao clã, mas ao capitão?
— Não encontrei… Mas o que quer dizer com complicado?
— É que nosso capitão é um nobre titulado. Quando a ordem de conscrição é dada, a afiliação de todos os nobres titulados é transferida para o comando militar.
— Comando militar…?
— Hmm, isso é um conceito meio complicado, então não sei como explicar direito…
Kaislan pareceu juntar lentamente seus pensamentos antes de nos dar a explicação mais básica que pôde.
— Significa que, assim que retornarmos à cidade, nosso capitão se tornará parte do corpo militar e ficará de prontidão na capital imperial.
— E o que acontece com o Clã Anabada?
— Realizaremos as missões que forem atribuídas a nós pelos superiores. Há uma grande probabilidade de que sejam na linha de frente, o lugar mais perigoso. E tudo isso sem o capitão.
Simplificando, precisamos eleger alguém para a posição atualmente vaga de vice-capitão se quisermos retornar à cidade,e precisamos fazer isso imediatamente.
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