Capítulo 747: Batedor (4/7)
Parav olhava para a cidade em chamas através da janela do segundo andar.
As chamas rugiam como um turbilhão crepitante, parecendo prestes a consumir tudo ao redor. No entanto, a tempestade de fogo era interrompida por algo que parecia uma parede de vidro transparente, impedindo que as chamas tocassem o prédio.
Era como se fossem detidas por proteção divina.
Claro, esse nível de incerteza era compreensível quando visto sob a perspectiva de um homem moderno. Afinal, este era um mundo onde seres fantásticos e místicos realmente existiam, um mundo onde seus habitantes olhariam para tal visão e pensariam em círculos de magia de proteção, artefatos ou feitiços sagrados.
“Bem, sendo um feitiço sagrado… suponho que seja mesmo proteção divina?”
Parav afastou o pensamento. Como ex-paladino, familiarizado com o poder divino, ele sabia melhor do que ninguém a verdade por trás disso. O poder divino era apenas um recurso, não diferente de qualquer outro.
Claro, a igreja declarava que o poder divino era uma bênção da deusa e que, se alguém perdesse as qualificações para usá-lo, ele também seria retirado.
“Besteira.”
Mas Parav já havia visto o contrário inúmeras vezes.
Crentes que não agiam como crentes, arcebispos que não agiam como arcebispos, cardeais que não agiam como cardeais e…
…paladinos que não agiam como paladinos.
Pessoas que falavam de retidão, misericórdia e caridade, mas cujos corações estavam longe de serem puros.
Pessoas como ele.
Sven Parav frequentemente pensava assim.
Se o poder divino não fosse permitido aos que não eram qualificados, ele o teria perdido há muito tempo. Ele era a prova viva do contrário. Afinal, era um espírito maligno que tomara injustamente o corpo de uma pessoa inocente, e, além disso, nunca viveu uma vida condizente com a de um paladino.
“Eu nem sou mais um paladino.”
No entanto, mesmo depois de deixar a igreja, ele não perdeu esse poder que outros chamavam de divino.
Era a prova de que o poder divino não era, de fato, concedido apenas aos dignos, mas, ironicamente, também era prova de que o divino existia.
— Você recebeu uma profecia…?
Surpreendentemente, ele já experimentara ouvir a voz da deusa uma vez. Foi em um sonho, onde a deusa lhe mostrou uma cena de um futuro sombrio que ele conseguiu evitar. Mas isso apenas trouxe mais perguntas.
“O que ela quer de mim…?”
O que esses deuses desejam?
Eles realmente existiam e pareciam possuir autoridade suprema, como diziam os textos sagrados, então por que este mundo estava em tal desordem?
Esses pensamentos o incomodavam enquanto observava a cidade em chamas pela janela.
Algum tempo depois, porém, embora não conseguisse dizer exatamente por quê, ele percebeu que as chamas estavam queimando de forma diferente. Ele se concentrou enquanto olhava para a cidade em chamas.
— Droga.
As chamas estavam se apagando. E ele teria dificuldade em argumentar que isso era um bom presságio.
Na situação em que estavam, os evacuados não temiam o fogo, mas sim as pessoas de quem as chamas os protegiam. Além disso, as chamas não estavam se apagando naturalmente, mas sendo extintas intencionalmente por alguém, o que apenas aumentava sua inquietação.
Ba-dum!
Era como se algo tivesse dado um salto em sua direção. Parav forçou-se a ignorar o pressentimento e rapidamente começou a fazer o que era necessário.
— Todos, venham para os fundos.
Primeiro, reuniu os evacuados em um só lugar.
— Srta. Marrone!
Em seguida, pediu a Marrone que ativasse o círculo mágico que ela havia preparado antes de voltar para o segundo andar para ficar de vigia.
As chamas estavam se apagando rápido o suficiente para ele perceber a olho nu.
Enquanto as chamas diminuíam, ele viu um exército surgindo em meio ao fogo. Um pelotão de soldados, todos usando armaduras completas, marchava em ritmo enquanto apagava as chamas.
Parav esperava desesperadamente que fossem soldados do palácio, mas essa esperança foi rapidamente esmagada. Eram mais de cem soldados marchando rapidamente em sua direção.
Ele encostou-se à parede para não ser visto do lado de fora e observou com cuidado. Finalmente, os soldados chegaram à frente do prédio.
Parav se abaixou, recostando-se contra a parede abaixo da janela, e concentrou-se apenas nos sons.
“Por favor, por favor, por favor… Apenas passem direto.”
Apesar de sua esperança desesperada, não havia como ela se concretizar.
E por que deveria? Se ele fosse um soldado noarkiano, acharia estranho que aquele prédio específico não estivesse queimando enquanto o resto da cidade estava em chamas. Pelo menos daria uma olhada.
Assim como eles fizeram.
Ouviu o som de alguém tentando abrir a porta do primeiro andar.
— Comandante, parece estar trancada — veio a voz rouca de um homem.
Esse foi o último som que ouviu.
Parav rastejou pelo chão, espiando pela escada. Lá, viu os evacuados reunidos no salão de culto, cobrindo a boca para que nenhum som escapasse.
De repente, um estrondo ecoou da porta.
Muito discretamente, um dos evacuados soltou um grito abafado.
Por mais silenciosos que fossem, parecia que os soldados do lado de fora prestavam muita atenção nos ruídos vindos do outro lado da porta.
— Ah, parece que tem alguém lá dentro?
— Não baixe a guarda. Pode ser um dos aliados de Yandel.
O coração de Parav apertou.
“Aliados de Yandel… Eles estão aqui por nossa causa? Se for o caso, então…”
— Arrombem a porta!
Boom! Boom! Boom!
Os noarkianos começaram a martelar a porta com mais energia. O medo começou a tomar conta dos olhos dos evacuados.
— Comandante! Não está quebrando!
— Não acho que seja por causa do material… Provavelmente há algo mágico nisso.
— Bem… O templo não queimou, mesmo com tudo ao redor em chamas.
— O segundo andar! Usem as janelas do segundo andar para entrar!
Estavam decididos a entrar no prédio. Não fazia mais sentido manter a voz baixa e permanecer em silêncio.
— O que faremos?
— Srta. Marrone, deixo o primeiro andar com você. Cuidarei do segundo!
Parav se levantou de onde estava abaixado…
— Oh! Tem alguém aqui…!
…e enfiou sua espada diretamente no rosto do homem que espiava pela janela.
— Sven Parav! Sven Parav está no segundo andar!
— Pegue-o!
Ao revelar sua presença, os noarkianos foram tomados pela ganância.
— A cabeça dele é minha!
Se fosse uma batalha comum na Idade Média, eles precisariam de escadas para chegar ao segundo andar. Mas este era o mundo de Rafdônia, onde poderes místicos existiam.
Como ninjas, os noarkianos quebraram as janelas e invadiram o segundo andar. Eles olharam para Parav e balançaram suas armas com clara intenção de matar.
— Morra!
Uma batalha de um contra dezenas de pessoas explodiu no segundo andar.
Não havia estratégia.
Ele balançava sua longa espada branca para cortar ou perfurar os inimigos. Sempre que era atacado, bloqueava com o escudo em sua outra mão ou movia-se para que seus pontos vitais não fossem atingidos, caso não pudesse esquivar.
Usava feitiços sagrados rapidamente para curar seus ferimentos, mas não conseguia ganhar vantagem enquanto combatia.
“Por que as escadas tinham que estar no meio?”
Parav lutava enquanto protegia as escadas que levavam ao primeiro andar. No entanto, à medida que o número de inimigos aumentava, ele não conseguia mais resistir.
Ele não era Bjorn Yandel.
Um porrete atingiu sua cabeça com força, usando uma habilidade. O mundo começou a girar ao seu redor.
Parav estava no meio de se curar com um feitiço sagrado quando deu um passo para trás e perdeu o equilíbrio.
Ao recuar mais um degrau na escada, a batalha tornou-se ainda mais difícil. Havia uma grande diferença entre lutar em um terreno estável e instável.
Stab!
Uma adaga arremessada cravou-se entre sua clavícula e rasgou o músculo.
Tap.
Ele deu mais um passo para trás.
Boom!
Dessa vez foi um feitiço mágico?
Levantou o escudo para evitar um golpe direto, mas o impacto o fez recuar mais um degrau.
Avançar era incrivelmente difícil, mas recuar parecia fácil demais.
“Como posso bloquear tantos sozinho?”
Sua determinação começou a fraquejar, e, como prova disso, deu mais um passo para trás.
Quando percebeu, já estava no meio da escada, e ao virar a cabeça de lado pôde ver os evacuados. Eles haviam fechado os olhos e estavam orando para que ele pudesse derrotar os invasores.
Mas a realidade era bem diferente da ficção.
Em vez de despertar um poder novo ao ver o desespero deles, ele deu outro passo para trás, desta vez para desviar de um ataque.
“Mais um passo.”
Enquanto continuava a ser empurrado pela onda de inimigos, Marrone, que estava encarregada do primeiro andar, veio em seu auxílio.
【Lilith Marrone conjurou a magia defensiva de quinto nível: Muralha de Ferro.】
Uma enorme parede surgiu entre Parav e seus inimigos, bloqueando temporariamente as escadas. Graças a isso, ele conseguiu recuperar o fôlego.
Boom!
— Não vai durar muito! — avisou Marrone.
Mesmo sem ela dizer, Parav podia ouvir pelas explosões que a barreira não resistiria por muito tempo.
— Há mais deles do que esperávamos! O que fazemos?
Parav não respondeu.
“O que fazer?” Ele também não sabia.
Como poderiam sobreviver àquela situação?
Ba-dum!
Seu coração continuava batendo forte, gritando que não havia saída.
Porém, mesmo quando o céu desaba, sempre há um fio de esperança.
Depois de olhar ao redor rapidamente, Parav notou a estátua da deusa novamente.
“O que é isso?”
Parav não conseguia desviar os olhos da estátua. Por algum motivo, começou a sentir que ela guardava uma forma de sobreviver. Era difícil descrever em termos concretos, mas… parecia que a estátua tinha algo a oferecer.
“Corra.”
Enquanto a barreira mágica era mantida, Parav correu até a estátua.
“Huh?”
Depois de examinar toda a área ao redor da estátua, viu uma pequena abertura em um lugar pouco visível. Pressionou o local, e a estátua deslizou suavemente para trás.
“É… um caminho secreto?”
Claro, não havia garantia de que fosse um caminho seguro. No entanto, era a única opção para sobreviver.
Ele virou-se para avisar os evacuados.
Ba-dum!
De repente, seu coração deu uma batida forte, silenciando as palavras antes que pudessem sair.
Aquela maldita intuição estava sussurrando para ele.
“Não conte a eles.”
Para não contar aos outros.
“Se você quiser viver.”
Porque esta seria a única maneira dele sobreviver.
Não havia provas nem lógica que sustentassem aquilo.
Ele não conseguiu mais se segurar.
“Porra! Então o que diabos você quer que eu faça?”
A intuição parecia brincar com ele. Era divertido para ela mexer com seu coração?
Em vez de sentir alívio por ter encontrado uma saída, as emoções que ele mais detestava surgiram primeiro.
Então, algo tocou sua mão direita, que estava caída ao lado do corpo. Ao olhar para baixo, viu uma criança pequena olhando para ele, prestes a chorar.
— Senhor Paladino… Você está ferido?
Parav não respondeu. Também não se perguntou mais nada.
Ele apenas abriu o caminho atrás da estátua da deusa.
Depois de revelar totalmente a passagem para que todos pudessem ver, gritou — Todos, desçam por aqui!
Enquanto gritava, pensou consigo mesmo: “Ah, agora já era…”
Por mais que analisasse a situação, não achava que seria lembrado como uma grande pessoa. Se fosse para fazer algo certo, gostaria que tivesse sido de forma mais impressionante.
“Bem… Acho que isso combina mais comigo.”
Os evacuados desceram as escadas sob a estátua. Ninguém o agradeceu ou demonstrou qualquer gratidão, exceto a criança que perguntou se ele estava ferido. Era como se todos esperassem que ele fizesse isso por eles o tempo todo.
Ele não sentiu decepção ou traição.
“Sim… Todos são iguais. Colocam a si mesmos em primeiro lugar em tudo.”
Mas, claro, nem ‘todos’ eram assim. Se fossem, por que ele mesmo não teria agido de maneira egoísta?
Por que ele agiu por essas pessoas que conheceu naquele mesmo dia? Não era como se fosse um paladino verdadeiramente nobre.
— Sr. Parav…?
Por que ele fez isso?
“Não era como se alguém fosse me recompensar por isso.”
— Por que você está parado aí? Vamos! A parede vai cair logo!
Parav olhou para a estátua da deusa.
A deusa das estrelas, aquela que supostamente governava a aventura e os relacionamentos, e sempre mostrava o caminho do destino. Mas, como sempre, ela não lhe dizia nada.
Diferente de sua intuição, que sempre lhe mostrava o caminho sem pedir permissão.
Ba-dum!
Agora que pensava nisso, o que era essa intuição, afinal?
Ele nunca havia questionado isso antes, assumindo que normalmente tinha bastante sorte e que sua intuição estava certa na maior parte do tempo. E, no entanto, honestamente, isso nem fazia sentido. Não deveria estar nesse nível.
Ba-dum!
Embora ele não soubesse o porquê ou como, sua intuição era uma bênção. Graças a essa intuição, ele foi capaz de evitar muitos perigos.
No entanto, por alguma razão, um pensamento repentino o prendeu nas garras da dúvida.
Ba-dum!
Será que essa intuição sempre estava certa?
Ba-dum!
Será que já havia perdido algo importante por segui-la?
Ba-dum!
E se não tivesse essa intuição…
Ba-dum!
Se ele não tivesse essa intuição, ele não teria se tornado o homem que se encolhe e treme de medo dentro do guarda-roupa? Ele teria se tornado uma pessoa muito mais nobre?
Ba-dum!
Talvez essa habilidade fosse uma prisão. Algo que o impedia de seguir o caminho certo.
Boom!
Naquele momento, a barreira na escada finalmente foi quebrada, e Marrone gritou da passagem abaixo da estátua:
— Sr. Parav…!
Ao mesmo tempo, sua intuição lhe disse.
Ba-dum!
Que ainda há tempo.
Que deveria descer agora mesmo.
Ba-dum!
Ele deveria abandonar aquelas pessoas e salvar a si mesmo.
Era um sentimento poderoso, mais seguro do que qualquer outro que já tivesse sentido.
No entanto, foi por isso que ele conseguiu tomar sua decisão com mais confiança do que nunca.
— Me desculpe.
Parav empurrou Marrone pelo caminho e devolveu a estátua da deusa à sua forma original.
↬Vá!↫
O pulsar do coração havia se transformado em um sentimento, e aquele sentimento havia ganhado forma e se tornado um som. Sua intuição se transformou em alucinações auditivas e começou a falar com ele.
↬Siga-os rápido! Salve a si mesmo!↫
Essa foi a razão pela qual ele não seguiu Marrone por aquele caminho. Se o fizesse, sabia que cederia àquela tentação novamente.
↬Desça logo…!↫
Ele bateu no próprio peito, silenciando o coração acelerado, e falou:
— Cale a boca.
Ba-dum…?
— Eu decido para onde vou.
Ele ergueu sua espada e escudo, então correu em direção aos inimigos que inundavam as escadas.
Ba-dum!
Seu coração batia.
Ba-dum!
Mais empolgado do que nunca.
↬Tsk.↫
【O Antigo Deus do Mal lambe os lábios, desapontado.】
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