Capítulo 767: Colocando as Coisas em Ordem (2/8)
A pessoa que atravessou o portal cintilante era alguém que eu jamais poderia ter previsto. Diferente da minha expectativa de que fosse o marquês ou um de seus principais assessores, o recém-chegado não tinha relação alguma com a marcha.
Ou talvez… não fosse ‘tão’ irrelevante assim?
O homem olhou rapidamente ao redor da sala e, como se tivesse visto um fantasma, balbuciou:
— Bjorn Yandel…?
Meu choque espelhava o dele.
— Óculos?
Era a mesma pessoa que, poucos dias atrás, havia me feito uma certa proposta antes do meu duelo contra Olho Demoníaco. O homem mais próximo do castelão e um confidente discreto que não assumia um papel específico, mais um faz-tudo para emergências do que qualquer outra coisa.
Mas isso não era o mais importante agora.
Ergui meu martelo, parando-o a poucos centímetros de seu rosto, e exigi:
— Como o castelão de Noark sabia sobre este lugar?
— Enquanto o marquês estava inconsciente, toda a autoridade foi transferida para o castelão — respondeu nervoso, e então, ansioso demais para se justificar, continuou falando além do que perguntei. — Como as coisas estão agora, o marquês foi libertado de todos os seus desejos terrenos e está sob a proteção do castelão.
— Então, basicamente, vocês esfaquearam o marquês pelas costas enquanto ele estava desmaiado e agora o mantêm sob controle?
Fiel à reputação pragmática dos Noarkianos, ele calmamente concordou com minha acusação direta.
— Exato. O marquês estava emocionalmente comprometido demais para agir em prol do verdadeiro objetivo.
— O que quer dizer?
— Lorde Barão, ele não disparou múltiplos ataques de Trovão contra você? Aqueles ataques poderiam ter sido direcionados a alvos estratégicos para garantir a vitória, mas, em vez disso, ele se deixou cegar por seus desejos egoístas. E mesmo depois de tudo isso, ainda falhou em capturá-lo.
Quanta esperteza… enfatizar a posse do marquês sobre o Trovão. Considerando que um único ataque de Trovão exigia um número obsceno de sacrifícios e que as forças noarkianas do castelão tiveram uma participação significativa na obtenção desses sacrifícios, era conveniente ignorar essa cumplicidade.
Ainda assim, não era como se eu não entendesse seu ponto. Mas isso não era o que importava agora.
— Essa não foi minha pergunta. Como exatamente o castelão soube que deveria enviar você para cá?
Uma fagulha de compreensão cruzou o rosto do homem diante da minha insistência, e ele rapidamente me deu sua resposta.
— O-Oh! O castelão não sabia que você estava escondido aqui, Lorde Barão. Se eu soubesse disso, não teria ficado tão surpreso ao vê-lo, certo?
Ótimo, isso não respondeu minha pergunta de novo. Sério, como alguém podia enrolar tanto?
— Vá direto ao ponto — falei friamente.
— O castelão é extremamente inteligente e…
— Eu mandei ir direto ao ponto.
Por fim, ele cedeu.
— O marquês fez um… ‘pedido’ enquanto estava sendo mantido prisioneiro. Ele nos pediu para confirmar se a Condessa Ragna Peprok estava aqui.
— O marquês pediu pessoalmente para vocês verificarem?
— Mais precisamente, ele nos pediu para checar se ela estava aqui, segura e intacta, e para deixá-la em paz se estivesse. E, caso ela não estivesse, deveríamos encontrá-la por qualquer meio necessário.
— E qual foi a recompensa para cumprir esse ‘pedido’?
O homem hesitou, um conflito evidente em seu rosto. No final, sua resposta foi curta.
— A posse do Trovão.
As peças estavam se encaixando. O marquês despertou do coma apenas para se ver destituído de sua autoridade militar. Percebendo que havia sido rapidamente reduzido a um mero peão, sabia que não poderia mais proteger Ragna com seu próprio poder.
“Então ofereceu o Trovão como moeda de negociação, pensei, pasmo com a absurdidade daquilo. Ele queria proteger Ragna a qualquer custo.”
Tudo o que Auyen fez foi nocautear o marquês por dois dias, e ainda assim, isso foi suficiente para tudo desmoronar desse jeito?
Aquele único incidente levou ao completo colapso dos planos do marquês, desfazendo tudo além do ponto de reparo antes mesmo que pudesse realmente executá-los.
“Bem, se o marquês e o castelão tivessem uma relação melhor, ficar inconsciente por dois dias não teria levado a uma situação como essa…”
Neste mundo brutal, qualquer demonstração de fraqueza era um convite para ser despedaçado até os ossos. Infelizmente para o marquês, ele expôs sua vulnerabilidade e agora não tinha escolha senão abrir mão de tudo. Uma avalanche de consequências desencadeada por um único navegador capturado.
— P-Por que você…? É que… v-você de repente… — o navegador gaguejou ao ver minha expressão.
— Só estou orgulhoso de você.
O pequeno ato de Auyen gerou uma estrela-guia que brilharia para sempre nesta era.
“Deixando isso de lado…”
Independentemente da situação do marquês, ainda havia uma questão que me incomodava. Eu sequer havia começado a interrogar o cara de verdade, então por que Óculos, o solucionador de problemas do castelão, estava me contando tudo isso tão livremente?
Não demorou muito para que eu ouvisse a resposta diretamente dele.
— Não é óbvio? Concluí que não posso alcançar meus objetivos sem persuadir você primeiro.
— Você acha que pode me convencer a ajudá-lo a conseguir a posse do Trovão do marquês? — perguntei, quase rindo.
— Por que não?
A audácia dele me deixou momentaneamente sem palavras.
— Hã?
— Sabemos tão bem quanto você que Noark não é seu inimigo jurado.
Era uma ofensa impensável, algo que jamais deveria ter sido dito a um nobre titulado de Rafdonia, muito menos ao homem que estava sendo aclamado como o herói da cidade.
No entanto, não havia nada que eu pudesse dizer para contestar. Meu objetivo nesta guerra era sobreviver e garantir a segurança de tantos aliados quanto possível. E matar o marquês garantiria isso.
— Diga-me o que você quer — Óculos insistiu. — Certamente podemos chegar a algum tipo de acordo.
Suspirei. Como deveria navegar por essa encruzilhada?
Antes de tomar qualquer decisão, perguntei a ele sobre a situação lá fora, começando pelo andamento da guerra e depois passando para coisas que despertavam minha curiosidade.
— Baekho Lee? Ele segurou a linha de frente por um tempo depois que você saiu, mas eventualmente desapareceu. Mesmo com todas aquelas pessoas fugindo com ele, não conseguimos pegá-los, eles simplesmente sumiram.
Então Baekho havia desaparecido. O que aquele desgraçado esperava ganhar com essa guerra? Seus motivos continuavam a me escapar.
Ainda assim, parecia que algum tipo de cessar-fogo havia sido alcançado. As muralhas ao redor de cada distrito estavam sendo usadas como linhas de batalha, e todos estavam apenas mantendo suas posições, sem ousar fazer um movimento.
— Precisamos da Condessa Peprok — Óculos apostou — e se nos entregar ela, o castelão concederá qualquer coisa que desejar.
— Oh, até mesmo se eu pedir a cabeça dele?
Quando ele se calou, acrescentei:
— Estou brincando. Nem eu sou tão imprudente.
Achei que era hora de deixar as brincadeiras de lado e confirmar uma última coisa.
— E se eu pedir pelo marquês? Isso seria possível?
— Claro — respondeu. — Não nos importamos com o que você faz com o marquês, desde que a transferência da posse do Trovão ocorra sem problemas.
— É mesmo? Vou me lembrar disso.
Óculos notou meu ceticismo e acrescentou — Isso não é apenas minha opinião. O castelão chegará à mesma conclusão quando falar com ele. Sirvo a ele há muito tempo. Pode confiar em mim nisso.
— Decidirei isso quando chegarmos lá.
Encerrando a conversa, cobri seus olhos com uma venda e coloquei nele um conjunto de abafadores de som. Claro, não eram fones de ouvido de verdade, apenas uma ferramenta mágica com o mesmo efeito.
Eu precisava de um tempo para pensar.
— Emily — chamei. — O que acha?
Amelia, que ouviu toda a conversa, deixou sua posição clara. — Acho viável. Claro, sob a condição de que tudo o que ele nos disse seja verdade.
— Que tipo de pessoa é o castelão de Noark? Ele é confiável?
— Nem um pouco. Ele é respeitável, claro, mas não porque seja digno de confiança. Ainda assim… Nunca foi do tipo que faz inimigos desnecessários.
— Me lembro que ele tentou ficar do meu lado antes — murmurei. — De qualquer forma, suponho que você concorda com o plano?
— Na minha opinião… Temos mais chances de concretizar essa troca com segurança do que com qualquer outro plano que pudéssemos formular para nos posicionar melhor.
A avaliação de Amelia foi a peça final que eu precisava.
— Hmm? E eu? Não vai me perguntar?
Ignorei os resmungos aleatórios de Ainar e tirei os abafadores do Óculos.
— Quero falar com o castelão primeiro. Imagino que tenha uma maneira de contatá-lo?
— Claro — respondeu. — Se quiser falar com ele agora… Ah, mas não funciona direito aqui. Devemos ir para fora primeiro.
— Certo.
Era um risco, mas algo me impedia de pensar muito nisso. Mesmo que o acordo desse errado, pelo menos descobriria onde o marquês estava sendo mantido.
— Vamos.
Com isso, deixamos os escombros do edifício e entramos em contato com o castelão usando uma ferramenta mágica. Ele pareceu surpreso ao me ver de repente em sua linha de comunicação, mas não demorou para entender a situação e selar o acordo.
— Você nos ajuda a convencer o marquês a transferir a posse do Trovão, e, em troca, lhe entregamos o marquês. Essas são todas as suas condições?
— Sim.
— Então não há razão para recusar. Entregue a Condessa Peprok a ele. Quando a transferência da posse for concluída, levarei o marquês para um local de sua escolha.
— Não, não posso confiar nisso. Quero encontrá-lo pessoalmente.
O castelão demorou um momento para responder. — Você está se aproveitando da situação.
— Não deveria ser eu a dizer isso sobre você? — retruquei, tentando esconder minha surpresa genuína. — O que, acha que pode me capturar se eu pegá-la e fugir?
Houve silêncio do outro lado da linha antes de o castelão finalmente ceder. — Permitirei que o acompanhe até a localização do marquês. Mas entenda que precisaremos preparar algumas coisas antes.
— Preparar?
— Você pode ter outras intenções. Certamente entende que precisamos de um meio de impedi-lo. Mas não se preocupe, se a troca for bem-sucedida, você não estará em perigo.
— Certo. Mas vou vê-lo pessoalmente?
O castelão riu. — Bem… Não sou tolo o suficiente para me encontrar com alguém que nem mesmo o Olho Demoníaco conseguiu parar. Ah, e traga todos os seus aliados com você.
— Hã…? — Normalmente, seria o oposto. Mas não precisei me perguntar por muito tempo.
— Essa é nossa última linha de defesa — explicou. — Nem mesmo você conseguiria escapar enquanto garante a segurança de todos os seus aliados.
Suspirei. Até um simples bandido de beco já sabia qual era minha fraqueza.
— Espero boas notícias quando falarmos novamente.
Após essa despedida do castelão, recebemos a confirmação de que os ‘preparativos’ estavam concluídos, e seguimos com Óculos nos guiando. O marquês estava sendo mantido em um edifício nos arredores do Distrito 4, perto da muralha que fazia fronteira com Bifron.
Assim que entramos no prédio e começamos a subir as escadas, Amelia sussurrou para mim. — Yandel, este prédio… Não, toda esta área está repleta de inimigos.
— Quantos?
— Se fosse só você, eu e Ainar, talvez ficássemos bem… Mas se quisermos manter o resto seguro, há gente demais para escaparmos.
Então era assim. O castelão soube usar bem o tempo que teve.
— Aqui está a sala — anunciou Óculos. Ele lançou um olhar para trás antes de abrir a porta lentamente.
Lá dentro, um homem de meia-idade deitado na cama sentou-se rapidamente, seus olhos se arregalando ao me ver.
Ele era o primeiro-ministro de Rafdonia, Ageni Lawton Tercerion.
Mas ao analisá-lo mais de perto, franzi a testa. Algo nele… Parecia estranho, quase como se fosse uma pessoa completamente diferente.
“O marquês sempre foi tão pequeno…?”
Ele não parecia ter perdido peso, mas, de alguma forma, eu o via como um homem frágil e envelhecido. Seria por causa de suas roupas simples?
Entendi a razão para essa dissonância assim que nossos olhares se encontraram.
“Seus olhos…”
O olhar predador que eu sempre via nele havia desaparecido.
Suponho que isso era esperado. Sua autoridade militar foi retirada, e agora ele estava apenas preso nesta sala.
Enquanto o avaliava à distância, o marquês assentiu, parecendo entender a situação.
— Então você finalmente veio — disse, seu tom sugerindo que já esperava por isso.
Minha resposta foi confiante. — Eu disse que o encontraria.
Para ser sincero, eu mesmo estava um pouco surpreso. Como poderia ter previsto que nos encontraríamos dessa forma?
Ainda assim, reconheci uma abertura quando a vi.
— Bom te ver.
Então, bati na parte de trás de sua cabeça.
Thwack!
Fiquei um pouco surpreso. Então era assim que a cabeça do marquês soava.
Eu imaginava esse som todos os dias desde a Expedição ao Rochedo Gélido, e ainda assim…
“Não é tão satisfatório.”
Por alguma razão, não parecia tão gratificante assim.
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