Índice de Capítulo

    O mundo dos homens era estruturado em hierarquias.

    Aqueles que falhavam em crescer e se tornar fortes eram exilados da matilha, enquanto aqueles que escalavam a hierarquia aumentavam suas chances de encontrar um par ideal.

    Essa era a lei da natureza, e por mais que alguém tentasse negar, não era diferente para os humanos. Afinal, os humanos também faziam parte da natureza. Gravado em seu DNA estava o desejo inato de subir ao menos um degrau a mais na ordem social.

    Talvez fosse por isso que os garotos se sentiam tão atraídos por jogos. Esse instinto provavelmente estava cravado em sua própria essência.

    Bem, não que importasse se eu estivesse errado.

    — O rei…

    Eu sabia melhor do que ninguém que grandes responsabilidades acompanhavam posições elevadas, mas ainda assim, a ideia de me tornar rei era tentadora.

    Como eu disse, todos os homens nasciam com ao menos uma pitada do desejo de empunhar poder absoluto e autoridade inquestionável, nem que fosse só uma vez.

    Porém…

    — O que você está tramando?

    Queria deixar esse ponto bem claro.

    O marquês era o mesmo homem que me amaldiçoara implacavelmente há pouco tempo. Por que ele estava mudando de lado agora? Não parecia o tipo de homem que se desesperaria simplesmente para sobreviver.

    — Tramando? Você acha que tenho tempo para planejar algo assim?

    — Bem, ninguém pode saber ao certo.

    — Do que você tem tanto medo? Isso é algo que você terá que fazer, independentemente de mim e dos meus.

    Fiquei surpreso e perguntei:

    — O quê?

    — Você não entende? — o marquês questionou, impassível. — Pense por um momento. Se o rei decidisse mirar naquela criança com más intenções, você realmente ficaria parado e assistiria?

    Hesitei, imaginando esse cenário antes de responder:

    — Isso dependeria da situação.

    O marquês assentiu, como se essa resposta fosse tudo o que precisava ouvir.

    — Posso perceber por essa resposta vaga. Você fará o que for necessário para protegê-la.

    Eu tinha que admitir, ele estava certo. Mas ainda assim…

    — Acho que você está entendendo errado. É verdade que sou amigável com Ragna, mas não colocaria tudo o que tenho em risco por ela — declarei, deixando bem clara a minha posição.

    Contrariando minhas expectativas, no entanto, o marquês apenas concordou.

    — Eu sei. Objetivamente falando, sua relação com ela não chegou a esse ponto. É exatamente por isso que estou tentando fazer um acordo com você… Certamente, você já sabe disso no fundo. Enquanto o rei estiver vivo, os dias de paz e segurança que você deseja nunca virão.

    Estremeci, franzindo a testa diante da verdade de suas palavras.

    “Esse velho… Ele realmente tem a mente de uma serpente.”

    Suspirei. — Certo, então. Me diga. Se eu quiser me tornar rei, está dizendo que posso?

    — Parece que você está minimamente interessado?

    — Apenas curioso por enquanto. Sei que você pretende usar Ragna para isso, mas ainda não sei exatamente como.

    Lancei-lhe um olhar, desafiando-o a falar. O marquês demorou um momento para se recompor antes de responder.

    — É possível.

    — E você sabe disso como?

    — Por muitos motivos. No entanto, o mais importante… sou eu.

    — Você?

    — Eu ainda estou vivo. Mesmo depois de ter me oposto abertamente à casa real. Isso é uma prova de que o poder da família real não é mais absoluto como antes.

    — Bem… Isso tudo não poderia ser apenas um jogo doentio da realeza?

    — O simples fato de que eles precisam recorrer a tais medidas já é uma prova de que enfraqueceram. O rei de antigamente não teria precisado se rebaixar a nada disso.

    No fim, era apenas uma suposição, mas parecia plausível o suficiente para não ser um completo disparate.

    Ainda assim, isso não significava muito no momento.

    — Se essa é toda a sua evidência, então não tenho motivo para continuar ouvindo — avisei.

    — Suponho que deveria ser grato pelo fato de a conversa estar se estendendo, então.

    — Apenas vá direto ao ponto. Odeio perder tempo.

    Como o marquês já havia declarado, não estávamos cooperando, e sim fechando um acordo. Nosso relacionamento nessa situação precisava ser claramente definido. A responsabilidade de convencer a outra parte recaía sobre ele.

    — Primeiro, se aquela criança morrer, você nunca se tornará rei.

    — Hmm?

    — Mesmo que pareça lealdade vazia, as pessoas desta cidade jamais aceitarão um rei sem sangue real. Especialmente se essa pessoa for um bárbaro.

    — Está dizendo que posso usar Ragna para atenuar a resistência dos nobres?

    — Exatamente. Mesmo que seja apenas um pretexto frágil, há uma grande diferença entre ter o sangue do rei e não tê-lo. Sem isso, as pessoas se oporão a qualquer um que ousar sentar no trono. O sangue será derramado todos os dias.

    — Tenho muito a dizer sobre isso, mas entendi seu ponto. Continue.

    — A própria existência dessa criança será de grande ajuda para você enquanto se prepara para realizar esse feito.

    — Quer dizer que posso usar Ragna para expandir minhas forças antecipadamente.

    — Como sabe, isso não é algo que você pode realizar sozinho.

    Sorri de lado.

    Eu disse para ele ir direto ao ponto, e ainda assim, continuava falando em círculos?

    — Espero sinceramente que você não estivesse tentando me convencer só com isso — provoquei. — Para começo de conversa, eu não tenho interesse em me tornar rei.

    — Eu entendo. Você não é do tipo que realmente se interessaria por essa posição. No entanto, ouviu tudo até agora porque sabe. Existem coisas neste mundo que devem ser feitas, mesmo quando alguém não quer se envolver nelas.

    Seria isso um vislumbre de iluminação antes da morte?

    Por algum motivo, as palavras do marquês pareciam mais pesadas hoje, como se ele estivesse olhando diretamente para minha alma.

    Claro, ‘tomar o trono’ não era algo ‘que devia ser feito’, como ele colocou. Ainda assim, achei melhor manter isso em mente.

    Quanto mais opções eu tivesse, melhor.

    — Pense desta forma. Não estou pedindo que proteja essa criança a qualquer custo… Mas, por favor, me prometa isso. Prometa que fará o seu melhor, ao menos dentro do razoável.

    Só então percebi.

    O marquês havia dito antes que estava fazendo um acordo comigo, mas…

    — Isso não é um acordo.

    Acordos envolvem troca, ambas as partes dão e ambas recebem.

    Mas isso? Isso não poderia ser chamado de acordo.

    Era mais um tributo. Uma última prece feita com o fio de esperança que lhe restava.

    — Certo… — cedi, ainda desconfiado. — Eu prometo. Farei o meu melhor, desde que isso não prejudique o que já tenho.

    — Isso será o suficiente.

    Com isso, o marquês finalmente relaxou, sua expressão rígida suavizando-se à medida que soltava um suspiro.

    E então, ele me ofereceu um ‘tributo’ próprio, algo sobre o qual não havia dito uma única palavra antes.

    O marquês passou um longo tempo me explicando os meandros da casa real, as coisas que eu precisaria fazer se quisesse me tornar rei e até mesmo quais nobres eu poderia contatar caso decidisse seguir esse caminho…

    — A autoridade sobre o Trovão agora é sua.

    Para minha surpresa, ele me deu o Trovão.

    Eu não conseguia acreditar.

    — Então, o que você está dizendo é… que tudo o que preciso para usar o Trovão é isso?

    Ao contrário da forma monstruosa que eu havia imaginado, o Trovão não possuía forma física.

    — Isso é diferente do que eu ouvi.

    — Não sei o que lhe contaram, mas Trovão se refere ao antigo círculo mágico enterrado sob esta cidade — explicou. — Com a devida autoridade e munição, qualquer um pode usá-lo. O que você ouviu provavelmente diz respeito ao extrator. Inúmeras almas são necessárias para disparar o Trovão sequer uma única vez.

    — Quantas vezes posso dispará-lo agora?

    — Cinco.

    Nada absurdo, mas certamente também não é nada a se desprezar. Afinal, um único disparo era suficiente para destruir um palácio inteiro.

    — No entanto, Trovão não pode ser usado dentro do labirinto. Como já lhe disse, é um círculo mágico antigo inscrito nos alicerces da cidade.

    — Entendi…

    — Ah, e mais uma coisa.

    O marquês ergueu lentamente o braço, fitando a própria mão como se recordasse de algo há muito esquecido.

    Então…

    Uma luz cintilou. Quando fechou os olhos e se concentrou, um anel negro apareceu em seu dedo anelar antes nu.

    Ele o observou por um longo momento antes de tirá-lo e me entregar.

    — Pegue isto também. É um dos tesouros da casa real.

    As palavras acenderam uma lembrança de uma conversa que tive com Baekho Lee.

    — Mesmo que eu mate aquele desgraçado, ele só vai se reviver no palácio.

    — Ah, certo. Imagino que você não soubesse, já que isso não estava no jogo. Enfim, existe um tesouro real que pode revivê-lo, e o marquês é quem está com ele agora.

    Então era isso.

    — Isso é bem valioso — murmurei. O marquês pareceu surpreso ao ouvir isso.

    — Você também sabe o que é isso?

    — Mais ou menos. Isso não te revive no palácio quando morre? Mas só se for usado dentro da cidade.

    — Então… você não sabe a história completa.

    — Hã?

    — É verdade que este anel permite que seu portador reviva no palácio. No entanto, a morte não é um gatilho estritamente necessário. Seja por força ou intenção, quando ativado, você é transportado para um local específico dentro do palácio. Eu fui até lá apenas uma vez… Mas era um lugar que parecia guardar um grande segredo.

    Uma área secreta…

    Seguindo minha intuição, contei a ele sobre o que havíamos descoberto sob o palácio, mas o marquês balançou a cabeça.

    — Não, não é nada parecido. De qualquer forma, tenho a sensação de que um dia você descobrirá seu verdadeiro propósito.

    — Talvez. Ninguém sabe o que pode acontecer.

    — Não use isso à vista de todos. Haverá pessoas que o reconhecerão.

    — Claro.

    Concordei com ele nesse ponto, então guardei o anel no meu subespaço em vez de colocá-lo no dedo.

    Com isso, nosso acordo estava encerrado.

    — Bem, então, sugiro que acabe com isso. Você verá que esta minha cabeça será importante para muitos de seus objetivos futuros.

    O marquês fechou os olhos, indicando que seus assuntos haviam sido resolvidos.

    Seu comportamento estranhamente sereno despertou um sentimento estranho dentro de mim. Eu poderia ter balançado meu martelo ali mesmo para acabar com ele, mas, em vez disso, perguntei — Por que está me dando tudo isso? Há poucos dias, você lutava com todas as forças para viver.

    — Há uma ordem para tudo. E no momento, eu não tenho escolha.

    “Bem, sim, mas…”

    Soltei um leve suspiro, murmurando: — Eu não vou pedir desculpas.

    Este homem me enviou para o Rochedo Gélido, onde incontáveis vidas foram perdidas sem necessidade. E isso não foi o suficiente para ele, tentou me matar inúmeras vezes depois, chegando a causar a morte de Rotmiller em uma de suas tentativas recentes.

    — Nem eu.

    Era natural. Para ele, espíritos malignos eram criaturas desprezíveis, mais repugnantes do que qualquer outra coisa.

    — Você já viu a mãe do seu filho chorar, implorando para entender por que tinha que dar à luz? Já amarrou as mãos de alguém para impedir que ela socasse a própria barriga inchada com os punhos cerrados? Já assistiu ao seu filho se transformar da noite para o dia em alguém que apenas finge ser o garoto que você ama?

    Eu não tinha…

    E porque não tinha, não pude respondê-lo.

    Nenhuma quantidade de leitura de um único diário dele jamais me permitiria entender as profundezas da dor do marquês.

    — Um espírito maligno como você — ele sussurrou, sua voz carregada de raiva — não tem o direito de me culpar.

    Não consegui conter a risada amarga antes que ela escapasse.

    — Não pretendo.

    Nós apenas estávamos de lados opostos.

    Houve um estalo seco e horrendo.

    O marquês, deitado sobre a cama recém-ensanguentada, soltou seu último suspiro.

    Fiquei parado por um momento, encarando em silêncio a cena grotesca, cerrando e relaxando repetidamente a mão que segurava o martelo.

    Por muito tempo, pensei que quando esse dia finalmente chegasse, eu me sentiria extasiado. Mas agora que o momento que eu tanto esperava havia chegado e passado, parecia menos emocionante, repulsivo, até.

    Mesmo assim…

    Bati levemente as palmas no meu rosto para afastar os pensamentos inúteis nublando minha mente. Não havia sentido em perder tempo com coisas improdutivas.

    Eu só precisava fazer o que precisava ser feito.

    “Ele é mais leve do que eu esperava…”

    Levantei o corpo sem vida do marquês e o guardei no meu subespaço.

    Eu precisava de uma prova para mostrar ao rei.

    “Acho que missão concluída…”

    Com a prova em mãos, abri a porta para sair do quarto, apenas para encontrar Óculos andando de um lado para o outro no corredor. No momento em que me viu, ele correu até mim.

    — Como foi? Você o convenceu a…

    Ele parou abruptamente, recuando ao ver a cama ensanguentada por entre a fresta da porta.

    — O q-que é isso? Você… Você m-matou o marquês? — gaguejou em choque.

    Apenas bati no ombro dele.

    — Não se preocupe. Recebi Trovão.

    — Bem… Isso é um alívio — ele disse, soltando um suspiro. Só depois de um instante pareceu perceber o que eu realmente disse, girando nos calcanhares para me encarar com olhos arregalados. — Hmm? Recebeu?

    Era uma resposta frustrante para um bárbaro como eu. Como ele podia não entender algo tão simples?

    — Ele me deu o Trovão. O que tem de difícil nisso?

    Expliquei gentilmente, mas sua reação permaneceu tão lenta quanto antes.

    — Me entregue…

    Seu tom se tornou cortante, e um olhar cauteloso cobriu sua expressão.

    Eu não conseguia entendê-lo.

    — Entregar para você? Por quê eu deveria?

    Trovão agora era meu.

    Um pequeno gesto, um grande impacto.

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