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    Inesperadamente, não demorou muito para Óculos aceitar a realidade.

    Ele deu um único passo para trás, assustado, mas logo encontrou meu olhar de frente.

    — Barão Yandel… — disse ele, sua voz carregada de advertência. — Você está cometendo um grave erro.

    Apesar de sua preocupação genuína, aquelas palavras me fizeram lembrar do passado.

    “Hmm, quantas pessoas já me disseram isso até agora?”

    — Você tem ideia de quantos soldados estão posicionados nos arredores? Você nunca sairá vivo daqui. Se estivesse sozinho, talvez fosse uma história diferente, mas com seus aliados aqui? Nunca.

    — Ah, entendi — concordei com um aceno. Então, minha mão disparou para agarrar seu pescoço. Puxei-o para perto e me inclinei, encarando-o de perto. — E quantas vidas você tem de sobra, para achar que pode se safar me ameaçando assim?

    Para ser sincero, eu já estava curioso há algum tempo.

    Esse cara não tinha medo de morrer? Se ele realmente achava que meus aliados eram minha fraqueza, não deveria ter pensado duas vezes antes de cutucar um possível gatilho como esse?

    — Hmm? — murmurei de forma zombeteira.

    E por que ele não estava respondendo minha pergunta?

    — Grgh… Grak!

    Ah, certo. Eu estava estrangulando ele.

    Afrouxei um pouco o aperto, apenas o suficiente para que pudesse falar. Ele tossiu, engasgando enquanto tentava recuperar o fôlego, antes de soltar apressado:

    — P-Por que está fazendo isso…?!

    — Hã?

    — Tínhamos um acordo! Faremos uma troca para que ambos consigam o que querem!

    Ah, aquilo. Verdade.

    — Mas a situação mudou — apontei o óbvio.

    — O quê?

    — Ah, sim. Desculpe por não poder cumprir minha promessa! Peço desculpas, de verdade.

    Já que fui eu quem quebrou o acordo, achei justo oferecer um pedido de desculpas como compensação.

    Por algum motivo, porém, ele não pareceu aceitar minhas palavras sinceras.

    — Você… Você se desculpa? Acha que um pedido de desculpas basta?! — ele esbravejou.

    Inclinei minha grande cabeça de bárbaro, confuso.

    — Hmm? O que quer dizer? Se desculpas não bastam, qual é o sentido delas?

    — Hã?

    — Eu fiz algo errado e me desculpei por isso. Isso não basta?

    — Q-Que tipo de sofisma1 é esse?! — Óculos gritou, frustrado.

    — Sofisma… — Como um bárbaro de coração grande, decidi deixar passar sua explosão e lhe oferecer um pequeno conselho. — Não use palavras difíceis. Isso faz você parecer fraco.

    Nenhuma resposta.

    — De qualquer forma, já me desculpei.

    Embora, para mim, a situação já estivesse completamente resolvida, Óculos aparentemente teve um lampejo de inspiração. Ele puxou um argumento diferente.

    — Se desculpas bastassem, por que existiriam leis e prisões?!

    Oh, ele era esperto. Mas escolheu o adversário errado para esse debate.

    — É por isso que bárbaros não gostam de leis e prisões. — O choque silenciou Óculos, então aproveitei para retomar as rédeas da conversa. — Nossa conversa acaba aqui, então.

    Sério, agora. Conversas cheias de rancor e acusações eram muito menos produtivas do que focar em discussões sobre uma futura cooperação mais alegre.

    Então, com isso…

    — Chame todos os soldados próximos — ordenei.

    — Você perdeu completamente a cabeça? Você quebrou nosso acordo, e agora está tentando nos fazer…

    — Se não chamar, vou fazer Trovão chover sobre seu escritório no Distrito.

    No momento em que expressei minha pacífica, porém inabalável, determinação bárbara, Óculos ficou pálido como um cadáver. O castelão de Noark estava no prédio do Distrito 4, é claro.

    “Eu estava um pouco preocupado, mas parece que ele ainda está lá.”

    Fazia alguns dias desde que recebi essa informação do filho do primeiro-ministro, então havia a possibilidade de que ele tivesse se mudado para outro lugar. No entanto, pelo olhar de puro terror no rosto de Óculos, não havia necessidade de recorrer ao Plano B.

    — Bem, a decisão é sua — disse eu.

    — M-Me dê um momento para falar com…

    — Não.

    Óculos rangeu os dentes com minha firme interrupção.

    — Como pode me forçar a tomar uma decisão tão grande sozinho?!

    — Você disse que trabalha com o castelão há muito tempo. Não consegue prever que decisão ele tomaria numa situação como essa? Faça isso.

    Ele estava em um dilema. Por um lado, precisava retaliar contra mim por ter quebrado o acordo, mas, se o fizesse, o castelão poderia morrer no processo.

    Mas eu não estava muito preocupado. Esse cara era tão leal ao castelão que chegou a invocar a ameaça contra meus aliados.

    Se ele recebesse uma saída conveniente, uma chance de evitar a responsabilidade dizendo que foi tudo para salvar a vida do castelão… e sobreviver no processo?

    “Seria mais estranho se ele não aproveitasse essa oportunidade.”

    Independentemente de seus verdadeiros desejos, desde que o caminho estivesse à sua frente, ele seria um tolo se não o considerasse pelo menos uma vez.

    — Decida rápido. Já me desculpei por quebrar nosso acordo. Agora escolha: quer derramar sangue por isso ou quer que nos separemos sem problemas? — Quando ele ainda hesitou, acrescentei: — Acredite ou não, mas juro que não dispararei Trovão contra você ou Noark.

    — Não disparar contra nós…? Lorde Barão, você está, por acaso…?

    — Shh. Chega de palavras. Então, qual é a sua resposta?

    Apesar da minha insistência, Óculos ainda hesitou.

    No entanto, levou apenas mais um momento antes de finalmente me dar sua resposta.

    — Eu recuso.

    Ele… o quê?

    — Não me tome por um idiota, Barão Yandel.

    Antes que eu pudesse responder, os alarmes espalhados pelo prédio começaram a soar.

    Riiing! Riiing! Riiing!

    Pelo que pude perceber, parecia que ele pressionou algum tipo de botão oculto.

    — Esse é o nosso jeito. Preferimos destruir tudo a ver isso ser tirado de nós.

    Claramente, eu havia subestimado a mentalidade dos Noarkianos.

    Suspirei. Com o quanto sua aparência gritava modelo de personagem focado em intelecto, pensei que ele chegaria a uma conclusão lógica no fim das contas.

    — Eu não esperava que você mordesse a bala assim… — murmurei sob minha respiração. Ainda assim, mesmo que eu estivesse um pouco impressionado, minhas mãos continuaram seu trabalho.

    — Vou dizer isso mais uma vez. Não tome os outros por tolos sem…

    — Cala a boca. Morra.

    Crunch!

    Depois de esmagar rapidamente sua cabeça com meu martelo, fui em direção à sala onde meus aliados estavam esperando.

    Ou pelo menos, tentei.

    “Onde eles estão, afinal?”

    Parado ali no meio do corredor com alarmes tocando, só precisei de um momento para me perguntar para onde ir.

    — Yandel!

    A porta no final do corredor se escancarou, e Amelia saiu com o resto do grupo. Eles devem ter corrido para fora depois de ouvir os alarmes dispararem.

    — O que está acontecendo? — Amelia perguntou.

    Soltei um suspiro. Realmente, a sorte nunca esteve do meu lado.

    — As coisas ficaram um pouco complicadas.

    Era hora do Plano B.


    O Plano A era simples: ameaçar o castelão dizendo que atiraria Trovão nele e escapar com o grupo.

    Era simples, pacífico e não exigia violência.

    “Tsk, é por isso que não dá para fazer negócios com bandidos.”

    Eu havia subestimado a mentalidade Noarkiana, e esse plano desmoronou.

    Com isso, era hora do Plano B.

    Surpreendentemente, o Plano B era ainda mais simples que o Plano A: usar Trovão.

    Apenas essas duas palavras.

    “Mas como eu uso isso? Ah, é tipo… Uou, que diabos?”

    No momento em que decidi usar Trovão, senti como se minha alma tivesse sido arrancada do meu corpo e minha visão disparasse para cima, passando pelo teto e todos os objetos no caminho.

    Vwoong!

    Quando recuperei os sentidos, eu estava no céu olhando para toda a cidade. Era um espetáculo de tirar o fôlego, além de qualquer coisa que eu poderia experimentar olhando das altas muralhas da cidade.

    Ainda assim, eu não tinha tempo para apenas olhar em admiração.

    Virei minha cabeça e olhei de volta para o prédio onde eu estava.

    Eu podia ver um mar de soldados Noarkianos mobilizados por Óculos cercando o prédio. Mesmo estando tão alto, eu podia ver a enorme quantidade deles.

    “Atirar diretamente no prédio provavelmente também me colocaria em perigo…”

    Ajustei minha mira para um ponto um pouco distante dali.

    “Eu só preciso pensar nisso? Mentalmente dizer ‘atirar’?”

    No momento em que pensei nisso, senti alguma massa desconhecida de energia que eu não conseguia identificar se afastar de mim e mirar.

    Shwoong!

    Como se um foguete tivesse sido disparado do prédio onde eu estava, algo enorme disparou para o céu.

    Essa foi a última coisa que vi naquele meu estado fantasmagórico.

    — Uou, o quê? O que você acabou de fazer?

    Eu retornei à minha visão normal, atordoado como se tivesse acabado de acordar de um sonho.

    — Uh…

    Minha mente ficou dormente por um segundo, mas rapidamente recuperei o foco e tentei avaliar a situação.

    — Ohhh! Algo enorme acabou de explodir acima da cabeça do Bjorn!

    Ah, então eu atirei mesmo. Não parecia real para mim depois de ver aquela visão panorâmica.

    No entanto, independentemente de como eu me sentia, não tínhamos tempo. Trovão logo cairia sobre este lugar.

    — Ali…!

    Soldados noarkianos apareceram do vão da escada. Parecia que todos correram para cá assim que o alarme foi ativado.

    Olha esse equipamento excelente.

    Havia um motivo para Óculos estar tão confiante de que poderia pelo menos levar meus aliados com ele.

    Não que ele estivesse certo, claro.

    Olhei para os soldados que se aproximavam e ergui meu martelo.

    — Agarrem meu corpo! Emily, leve Ragna. Ainar, leve Harin!

    Assim que estavam pairando próximos ao meu corpo ampliado pela Gigantificação, detonei o chão com meu martelo aumentado.

    Boom!

    Alguém gritou, e o piso feito de pedra e vergalhão desmoronou sem resistência, nos deixando cair para o andar abaixo.

    “Esse é o terceiro andar?”

    Claro, eu não tinha intenção de parar por aí.

    Lembrei-me dos jogos 2D de mineração que joguei no passado e continuei golpeando o chão, de cima para baixo, como se estivesse usando uma picareta.

    — O que! Você! Está! Fazendo!

    Boom!

    Segundo andar.

    — O que é… Eiyaaah!

    Boom!

    Primeiro andar.

    Chegamos ao primeiro andar, que tinha um teto alto, mas continuei cavando o chão.

    Com a quantidade de andares que esse prédio tinha acima, ele deveria ter um porão, certo?

    — Uau! Um porão! Estamos no porão!

    Boom!

    — Espere! Por favor, pelo menos me diga o que você está…!

    Boom!

    E assim cavamos através do primeiro andar subterrâneo para o segundo.

    Bati com meu martelo mais uma vez, mas ele apenas deixou uma marca pesada no chão, que não cedeu. Ainda assim, continuei golpeando para abrir um buraco.

    “Certo, isso deve ser espaço suficiente para todos.”

    No momento em que decidi que havia espaço suficiente, agarrei meus aliados e os empurrei para dentro do buraco.

    Então, com um estrondo pesado, finalizei o bunker subterrâneo colocando o grande bárbaro como tampa sobre ele.

    — Parece que consegui bem a tempo.

    — O que diabos está acontecendo?! Você não pode pelo menos nos contar agora? — Hyeonbyeol gritou lá de baixo, onde eu estava deitado.

    Havia apenas uma coisa que eu poderia dizer em resposta.

    — Por favor, sobrevivam.

    A qualquer segundo agora, aquilo iria cair.

    Um rugido ensurdecedor irrompeu, acompanhado pela terra outrora inabalável tremendo em ondas oscilantes como gelatina.

    Se até o leito rochoso estava se movendo assim, não havia chance de que o mundo acima estivesse seguro.

    Kaboom! Crash! Bang!

    Pedaços de destroços do prédio em colapso choveram, atingindo minhas costas.

    Isso, eu podia aguentar.

    O problema veio depois.

    Uma luz ofuscante brilhou, tão intensa que atravessou todos os escombros sobre minhas costas e enviou uma dor abrasadora por todo o meu corpo. Estava tão quente que me perguntei se aqueles que eu estava protegendo estavam seguros.

    Felizmente, não durou muito.

    “Está intenso assim mesmo estando dois andares abaixo do solo…”

    Se eu não tivesse disparado um pouco afastado de nós, isso poderia ter sido um grande problema.

    “Certo. Eu devia checá-los primeiro.”

    O ar estava sufocantemente quente, como se eu tivesse acabado de entrar em uma sauna, mas não o suficiente para ser um perigo para suas vidas. Forcei-me a focar e verifiquei meus aliados.

    — Está todo mundo bem?

    — Nós é que devíamos estar perguntando isso — veio a resposta imediata de Amelia. — Você está… Você está bem?

    — Parece que quebrei uma ou duas vértebras, mas estou bem. Isso deve se curar logo. Agora respondam minha pergunta.

    — Estamos bem… Harin Savy tinha um pergaminho de defesa bem decente.

    — Certo, mas sério, o que diabos acabou de acontecer?!

    Suspirei. Ela era persistente, isso sim. Por que isso era importante agora?

    — Nada demais. Apenas fiquem quietos para que eu possa pensar um pouco.

    Hyeonbyeol resmungou algo sob a respiração, mas eu apenas a ignorei e comecei a pensar.

    “Podemos usar pergaminhos de mergulho ou uma rotação de ferramentas mágicas para lidar com o problema de oxigênio…”

    Pode levar algum tempo, mas poderíamos escapar removendo os escombros pedaço por pedaço. Depois disso, só precisaria correr pela cidade até Karnon e então mostrar o corpo do marquês para Astarota. Isso completaria a missão.

    “Estou quase lá…”

    Minha mente me dizia que esse evento estava prestes a acabar, mas um misterioso senso de inquietação se enrolava ao redor do meu coração.

    Ba-dum!

    Por favor, que nada de ruim aconteça.

    1. Sofisma: Argumentação que aparenta verossimilhança ou veridicidade, mas que comete involuntariamente incorreções lógicas; paralogismo.[]
    Um pequeno gesto, um grande impacto.

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