Capítulo 775: O Décimo Terceiro Mês (2/9)
Mais uma vez, me vi caminhando pelas ruínas do Distrito 7, desta vez vestindo a roupa ‘especial’ que Amelia havia me presenteado.
Enquanto percorria as ruas irregulares, embora chamá-las de ruas neste estado fosse generoso, soldados corriam para cumprir seus deveres, indiferentes ao transeunte aleatório que caminhava entre eles.
Bem, não totalmente indiferentes. Lançavam olhares furtivos na minha direção, mas logo voltavam aos seus afazeres, dando de ombros como se tivessem se enganado.
Tudo graças às roupas que eu estava usando.
O Traje Escarlate de Gala.
Assim como a Máscara Dourada que um dia obtive na Cidadela Sangrenta, minha roupa era um equipamento que só poderia ser adquirido dentro de uma fenda. Não oferecia bônus de atributos nem efeitos de combate, apenas a capacidade de alterar a aparência física do usuário conforme desejado. Mesmo assim, era um item bastante raro, pois só podia ser encontrado nas fendas do nono andar.
“Além disso, as condições para ativar o segredo oculto são bem esquisitas, então não dá pra conseguir só por chegar lá.”
Achei que seria útil ter um por perto, então fiz questão de verificar a casa de leilões e perguntar a todos que conhecia, mas, desde que despertei neste corpo, nunca vi um desses ser posto à venda.
E, de alguma forma, Amelia simplesmente conseguiu um. Não era de se admirar que eu tenha ficado surpreso quando ela me deu.
— Não, mas falando sério, onde você conseguiu isso? — a pressionei novamente, incapaz de conter minha curiosidade.
Seu rosto tremeu levemente, e ela soltou um pequeno som. No começo, achei que estivesse ficando irritada com minhas perguntas incessantes, mas então percebi que era o exato oposto.
Ela estava enrolando para saborear o momento, se divertindo demais com meu espanto para responder de imediato.
— Não é nada demais — disse, displicente. — Por que tanta curiosidade?
— Eu procurei por isso em todo lugar, e aí você simplesmente aparece com um do nada. Como eu não ficaria curioso?
Satisfeita com minha reação, Amelia finalmente cedeu.
— Perguntei para Astarota Berun. Quis saber se eles tinham um disponível e se eu poderia pegar emprestado.
— Ah…
Bem, era do palácio, afinal. Se alguém tivesse um desses jogado por aí, seriam eles.
A verdade era muito menos intrigante do que eu esperava, mas uma parte de mim ficou tocada. Ela se deu ao trabalho de ir atrás daquele cara, só por minha causa.
— Valeu.
Amelia hesitou por um instante e então disse — Não mencione isso.
— Então… Se eu disser que perdi, quais as chances de eu poder ficar com ele?
Ela me lançou um olhar fulminante. — Você acha que algo assim funcionaria com ele?
Bem, ele era meio maleável às vezes. Mas ainda assim, melhor não arriscar.
Um pouco abatido, resmunguei — Acho que vamos ter que devolver depois.
— Boa escolha. Nada de bom sairá de complicar as coisas. O palácio já tem fama de cobrar o dobro do que dá.
Continuamos conversando, mudando de assunto conforme passeávamos pelo Distrito 7, e só isso foi o suficiente para dissipar a nuvem que pairava sobre mim. A única mudança visível em mim era minha altura, reduzida ao tamanho de um humano comum, mas ninguém me reconheceu.
“Isso é bom…”
E ainda assim, apesar dessa estranha sensação de liberdade, meu coração ficava mais pesado a cada passo.
O Distrito 7, o lugar que passei a chamar de lar, estava destruído mais uma vez, agora em um estado ainda pior do que após a primeira invasão. A região leste estava enegrecida, completamente desprovida de cor por causa dos incêndios, e a parte central do distrito havia sido obliterada por dois golpes de Trovão.
“Bem, acho que ainda está em melhor estado que o Distrito 8. Esse não foi queimado até o chão?”
De qualquer forma, a guerra desta vez havia engolido vários distritos, e com o Distrito 4 completamente perdido para Noark, essa pequena cidade ficou ainda menor. Os distritos restantes estavam tão abarrotados de cidadãos deslocados que o palácio estava até cogitando abrir temporariamente a Árvore Gnomo.
“Mas um festival agora, de todas as épocas…”
Não pude deixar de me perguntar qual era o propósito do evento. Os refugiados que perderam suas casas certamente não estariam com ânimo para comemorar. Seria então para aqueles que não perderam nada?
“Ou, suponho, para os que perderam ‘menos’…?”
Não sabia, mas para ser sincero, pouco me importavam os festejos. Só queria voltar ao trabalho. O problema era que tínhamos alguém no nosso grupo que disse que deixaria o clã se eu não fosse ao festival com ela.
“Não tem jeito…”
Um pensamento ficou comigo enquanto eu olhava para a cidade reduzida a cinzas e escombros.
Tudo pode parecer além da recuperação agora, mas no final, eles sempre reconstruíam.
Como sempre fizeram.
O Distrito 5 já estava em plena euforia festiva quando chegamos.
Isso não me surpreendeu, mas admito que uma parte de mim esperava que o clima estivesse um pouco mais sombrio por conta da guerra. No entanto, as ruas estavam lotadas de pessoas e o ar vibrava com as vozes animadas de mercadores e clientes.
Era uma visão inusitada, para dizer o mínimo. O Distrito 5 era o único, além do Distrito 4, que se tornou um grande campo de batalha. Naturalmente, os esforços de reconstrução ainda estavam em andamento.
— Cuidado onde pisa! Tem um buraco enorme logo à frente!
Nos arredores do distrito, ruas destruídas e prédios desmoronados ainda eram uma visão comum, mas, por algum motivo, as pessoas que enchiam as ruas logo pela manhã estavam todas sorrindo, aproveitando o festival.
Decidi acompanhá-los.
“Essas pessoas merecem aproveitar isso.”
Provavelmente, os participantes vieram para esquecer da realidade, mesmo que apenas por um instante passageiro. E se a chance de escapar das preocupações por um dia não fosse suficiente para atraí-los, o álcool gratuito e as porções generosas de comida, cortesia do palácio, com certeza eram.
— Yandel, o que você está fazendo? Anda logo.
— Ah, certo — sacudi a cabeça para sair do devaneio. — Tô indo.
Mesmo depois de entrarmos no Distrito 5, Amelia insistiu em liderar o caminho, ainda me arrastando atrás dela. Só podia presumir que ela tinha algum plano para o evento de hoje.
“Espera…”
Amelia segurou minha mão quando parei e me puxou para continuar andando.
— Não se tensione, apenas continue andando. Vai ser difícil nos encontrarmos se nos separarmos nesse mar de gente, especialmente com o quão baixo você está agora.
— Ah, uh, c-claro.
Convencido pela ameaça de nos perdermos na multidão, desisti de resistir e deixei que Amelia me guiasse pelas ruas.
Depois de um tempo, perguntei — Emily… Para onde exatamente estamos indo?
— Para onde nossos pés nos levarem.
— Espera, o quê? Você não tem um plano?
Houve uma pausa.
— Todo mundo deveria aproveitar coisas assim de vez em quando.
Sim, mas eu achei que ela tivesse algo específico em mente. Até limpei minha agenda para garantir que pudesse fazer fosse o que fosse com ela.
“Bem, acho que isso não é tão ruim…”
Embora a revelação tenha me pegado um pouco de surpresa, vagar sem rumo não era a pior forma de passar o dia. Observamos as pessoas, beliscamos petiscos sempre que algo chamava nossa atenção e até entramos em algumas lojas para dar uma olhada antes que o aumento dos preços nos fizesse recuar.
— Um brinquedo de transformação em três etapas? De Goblin para Orc e depois de Orc para Ogro?
Isso nos levou à liquidação especial no Centro Comercial Alminus, onde levei uma bronca da Amelia por gastar dinheiro com coisas inúteis.
Mesmo sem um plano, o tempo passou rapidamente enquanto passeávamos juntos. No fim do dia, acabamos entrando em um bar para jantar.
— É claro que é Bjorn Yandel, seu moleque!
Entramos e encontramos um cliente bêbado gritando no meio de um debate acalorado com seu amigo. Por acaso, eles estavam sentados perto da nossa mesa, e como estavam falando sobre mim, não pude evitar de escutar, ficando mais intrigado a cada segundo.
— Existe algum aventureiro agora que tenha conquistado tanto quanto o Barão Yandel? A única razão pela qual podemos rir e beber agora é porque ele foi lá e matou aquele desgraçado traidor!
— Concordo que ele fez grandes feitos. Mas acho difícil acreditar que o Barão Yandel seja o mais forte. O Grande Navegador Pikma não era um herói do mesmo tipo? Ele realizou grandes feitos, mas suas habilidades de combate deixavam a desejar.
— Pikma? Você acabou de comparar o Barão Yandel a um mero navegador?
— Só estou dando um exemplo…
Os dois discutiam sobre quem era o mais forte. Felizmente, não estavam debatendo sobre o melhor da história, apenas sobre quem detinha o título no presente.
— Não, ainda acho que o Barão Yandel fez o suficiente para ser considerado o mais forte — insistiu o bêbado. Outros clientes começaram a se envolver na conversa.
— Sim, todo mundo achava que ele só era bom em lutar, mas dessa vez ele provou que é forte de outras formas também.
— Ouvi dizer que ele derrotou Olho Demoníaco. Isso é verdade?
— E o Coletor de Cadáveres também…
— Ele até sobreviveu a múltiplas explosões de Trovão…
A discussão foi rapidamente resolvida quando quase todos concordaram com a mesma opinião.
— Parece que chamou sua atenção?
— Ah, desculpa — disse, voltando o foco para Amelia. — Só achei interessante.
Então, a imagem que as pessoas tinham de mim havia mudado.
Já haviam me elogiado por minhas habilidades de liderança, mentalidade sacrificial, coragem e conquistas como aventureiro, e agora, meu poder de combate também estava sendo reconhecido.
“Para ser justo, eu nunca tinha derrotado um oponente forte em um duelo público até agora.”
As batalhas na Floresta dos Goblins e na Expedição ao Rochedo Gélido estavam longe de ser duelos. Mas derrotar o infame Olho Demoníaco, diante de todos aqueles espectadores, provou minhas habilidades.
Amelia balançou a cabeça. — Esse assunto também me interessa. Então, o que você acha?
— Hmm?
— Você acha que a avaliação deles está correta?
Argh, por que ela tinha que perguntar algo tão constrangedor?
Dei um sorriso e fui direto ao ponto.
— Bem… Eles não estão errados.
Agora, eu tinha certeza de que não perderia para ninguém.
Meu passeio com Amelia começou de manhã cedo e terminou no início da noite, mas quando voltamos à terra sagrada, já era tarde da noite.
Depois de me enxaguar levemente e trocar de roupa, saí da tenda para caminhar. Não tinha um destino específico em mente. Só queria aproveitar o ar livre e andar, e antes que me desse conta, já havia chegado.
Para minha surpresa, alguém já estava lá.
— Hikurod?
— Oh, Yandel. É você.
— Eu vi você saindo mais cedo hoje, quando estávamos indo para o festival. Quando voltou?
— Não faz muito tempo. Queria clarear a cabeça, mas não saiu como eu esperava. E você?
Hesitei. — Acho que me ajudou um pouco.
— Haha, bom saber.
As costas do anão pareciam menores hoje, por algum motivo.
Suspirei e me sentei ao lado dele. — Você tem mais uma garrafa, certo? Me dá uma.
— Tem um copo?
— Você carrega um copo com você?
— Haha, eu realmente não consigo te vencer…
Ele me entregou a garrafa, e ficamos em silêncio por um tempo, cada um tomando seu gole. Eventualmente, Hikurod quebrou o silêncio.
— Você se lembra? O que vimos na nossa primeira vez no terceiro andar…
— Dwalkie, né? Tá falando de quando ele ficou apavorado?
— Um amigo inocente. Ser atacado por um saqueador foi o que fez ele perceber que a realidade não correspondia à sua imaginação.
— Todo aventureiro aprende isso em algum momento… É por isso que Rotmiller acordou todo mundo no meio da noite para consolá-lo.
— Provavelmente queria que ele soubesse que, mesmo com a tristeza e o sofrimento no labirinto, também há coisas boas… Difícil acreditar que já se passaram anos desde aquele dia.
Olhei para a garrafa.
— Eu sinto o mesmo.
Nossa conversa cessou novamente, e bebemos em silêncio por mais um tempo.
O anão foi o primeiro a falar de novo.
— Tá ficando meio frio agora que tô ficando tonto. Vou voltar primeiro.
Dito isso, ele se afastou cambaleando, deixando-me sozinho por mais um tempo antes de voltar para o quarto preparado para mim na terra sagrada.
Mas, por alguma razão, alguém também estava me esperando lá.
— Missha? O que você tá fazendo a essa hora?
Missha Karlstein, uma das três remanescentes dos membros originais do Time Lesado, e meu primeiro, embora infrutífero, amor.
“Hmm, acho que tecnicamente falando, acho que ela não é meu primeiro amor?”
Talvez fosse a bebida da madrugada, mas por um momento fiquei sentimental com a ideia do amor.
— Tire um tempo livre amanhã para mim — declarou de repente. — Quero ir a um lugar com você…
Pisquei. — Hã?
— Se você não for, e-eu também vou sair do clã!
Que diabos?
Missha sumiu da minha vista antes que eu pudesse me recuperar do choque e responder.
Suspirei. O que estava acontecendo por aqui? Será que todos tinham um quadro de avisos secreto só deles?
— Pelo menos me diz a hora de te encontrar amanhã — murmurei para o nada.
“Bom, é melhor eu só acordar cedo.”
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