Capítulo 776: O Décimo Terceiro Mês (3/9)
Meu passeio com a Missha foi bem diferente do que tive com Amelia. Ela tinha um cronograma planejado e bem apertado.
— Acorda!
E assim começou, às sete da manhã.
Tive apenas vinte minutos para me lavar, vestir e sair da terra sagrada. Mal consegui cumprir o prazo e, ao sair, encontrei Missha me encarando com uma expressão vazia.
— Vamos? — perguntei cautelosamente.
— Sim… — respondeu quase de forma robótica. Então, pareceu se recompor. — Espera! Vem aqui! Uau… Agora que você está mais baixo, consigo ver seu rosto!
— Hã?
— Antes, só conseguia ver seu queixo por causa do ângulo — admitiu com uma risadinha satisfeita. Em seguida, me puxou para perto da muralha. — Vem rápido! A carruagem está esperando por nós!
Pelo visto, Missha já havia reservado um transporte com antecedência, pois uma carruagem estava nos aguardando no topo da muralha. Assim que nos acomodamos, começamos a percorrer sua extensão rapidamente.
Falando nisso, a carruagem da muralha, antes de uso exclusivo militar, agora estava disponível para civis com a devida permissão. Devido à destruição nos Distritos 7 e 8, as carruagens não podiam seguir suas rotas habituais. Assim, mesmo fazendo um leve desvio, viajar pela muralha era muito mais rápido.
Parecia que eu estava de volta a uma rodovia. A distância percorrida era maior, sim, mas a ausência de trânsito e obstáculos ao longo das muralhas da cidade nos permitia avançar muito mais rápido.
— Posso dormir um pouco? — perguntei, grogue.
— Claro. Eu te acordo quando chegarmos.
Felizmente, Missha me deixou dormir durante a viagem, e quando pisquei os olhos embaçados de sono novamente, já estávamos no Distrito 5.
Ela riu.
— Imaginei que você acordaria agora por causa da fome.
— Você é uma vidente ou algo assim?
— Do que você tá falando? Vamos logo! Vamos comer carne primeiro!
Embora fosse o mesmo Distrito 5 de sempre, Missha me levou à área leste, que havia sofrido bem menos com a guerra do que a região oeste, que fazia fronteira com o Distrito 4. As ruas estavam relativamente limpas, e os prédios pareciam estar, em sua maioria, intactos.
“Se formos mais para o leste do que isso, chegaremos à Árvore Gnomo…”
Pensei nisso enquanto seguia Missha, mas não demorou muito para que seus passos confiantes diminuíssem até quase pararem.
— Hm… Deve ser por aqui…
— Você está perdida?
— Não, não! É só que… Tem muita gente…
— Qual é o endereço? — Depois de pegá-lo com Missha, assumi o papel de guia. — Certo, Rua Raymond, número trezentos… Deve ser ali.
Chegamos ao nosso destino em menos de cinco minutos após eu tomar a dianteira, fazendo Missha exclamar surpresa.
— Bjorn, você é bem bom em navegar pela cidade, hein?
— Sou decente nisso. Até recebi algumas lições de reconhecimento do Rotmiller para… Ah…
Quando parei no meio da frase, Missha corou, parecendo ter cometido um erro grave ao tocar no assunto.
“Ah, ficou meio estranho. Provavelmente, ela também me trouxe aqui para me animar.”
— Tanto faz, vamos entrar logo — disse, acelerando o passo. — Estou com fome porque você se perdeu no caminho.
— Ah. Sim, claro! Vamos! Eu pago tudo!
Entramos no primeiro estabelecimento da lista da Missha, apenas para dar de cara com um rosto conhecido na entrada.
— Senhora Urso…?
— Hã? Quem… Oh! — Ela olhou para cima do balcão na entrada e pareceu confusa por um momento antes de arregalar os olhos. — Y-Yan…
— Shh.
— O que aconteceu? Quase não te reconheci de tão pequeno que você ficou.
— É uma ferramenta mágica. Mas por que você está aqui?
— Ah! Esse é o estabelecimento de um conhecido meu. Eles precisavam de ajuda durante o festival, então vim dar uma mãozinha.
— E onde está Abman?
— Veio trabalhar, é claro. O salão também precisa de gente. Ah, ele saiu por um instante para buscar alguns ingredientes, mas logo deve voltar.
— Entendi…
Bem, provavelmente eles precisavam do dinheiro, já que estavam criando três crianças. Pelo que ouvi, a loja deles foi completamente destruída na guerra, e nem podiam contar com os lucros do labirinto, já que ainda estava fechado.
“Ainda assim, ver um aventureiro de terceiro nível fazendo um trabalho desses…”
Pelo menos eu não precisaria me preocupar com problemas enquanto ele estivesse aqui.
— Sentem-se ali no fundo, no canto. Deve ser o lugar mais tranquilo.
— Obrigado pela generosidade.
Depois de nos levar até o nosso lugar, a Senhora Urso se afastou sem nem anotar nosso pedido.
— Hm, sobre o pedido…
— Não se preocupem. Vou trazer o melhor para vocês. E não precisam pagar.
— Hã? Mas…
— Devemos muito a vocês depois de tudo o que aconteceu. Se quiserem agradecer alguém, agradeçam ao Senhor Parav.
— Ah… Entendi.
Missha pareceu um pouco abatida por sua tentativa de me pagar um almoço ter sido frustrada, mas não havia o que fazer. Recusar a generosidade da Senhora Urso só tornaria tudo mais desconfortável.
— M-mas não se preocupe! Eu pago na próxima loja que formos!
— Tá, tá.
Enquanto esperávamos a comida chegar, conversei com a Missha.
— Então esse era o lugar onde você queria vir?
— Sim. É bem legal, né?
Acabei rindo de sua resposta tranquila.
— Por que logo a loja onde o Abman está trabalhando?
— Hmm? Digo, já que saímos para nos divertir, por que não aproveitar para ver nossos amigos também?
Era uma resposta que eu esperaria da sempre extrovertida bárbara Ainar. Mas, pensando bem, Missha sempre foi uma pessoa que gostava de estar rodeada pelos outros.
— Ah, então vocês estão aqui!
A voz retumbante do Senhor Urso nos interrompeu em algum momento, e ele se aproximou da nossa mesa com a comida. O casal, de alguma forma, parecia entender perfeitamente meus gostos, pois oitenta por cento dos pratos eram de carne, sem falar nas porções absurdamente grandes, muito para apenas duas pessoas.
“Pedir mais uma rodada disso seria vergonhoso, né?”
Bem, se estivéssemos pagando, eu não hesitaria em pedir mais.
— Abman — chamei — se não estiver ocupado, sente-se com a gente.
— Hmm… Não me importaria de dar uma pausa no trabalho. Tem certeza? — O Senhor Urso olhou para Missha em busca de permissão, e ela aceitou prontamente.
E assim, a refeição começou. Naturalmente, o assunto do dia foi a guerra, mais especificamente, Sven Parav.
— Não sei o que você pensa dele, mas Parav é um verdadeiro herói. Dizem que ele deixou todos escaparem e ficou para trás no templo para ganhar tempo… Esse tipo de determinação não é algo que a maioria das pessoas tem.
O Sven Parav que o Senhor Urso descrevia me era completamente estranho. Já tinha ouvido essa história várias vezes agora, até mesmo do próprio homem, mas…
“Ele não é do tipo que faria isso… Será que tinha algo de errado com ele?”
Era um enigma sempre que eu ouvia essa história, mas não descartei a possibilidade.
As pessoas mudam. Eu certamente mudei.
— Comer juntos assim me lembra dos velhos tempos. Se vocês iam vir, por que também não trouxeram a Ainar?
— Ainar? Ainar está ocupada esses dias, então não — Missha descartou rapidamente.
— Ocupada? Fazendo o quê?
— Hm… Acho que ela está escrevendo uma autobiografia?
— Ainar está?
Minha expressão incrédula espelhava a do Senhor Urso.
— Missha, do que você tá falando? — perguntei. Nunca tinha ouvido nada sobre isso, e Missha parecia não saber muitos detalhes também.
— Não sei direito. Mas acho que ela percebeu algo durante a guerra… Ficava dizendo que as memórias acabam se apagando com o tempo e que precisava registrá-las enquanto ainda podia lembrar…
— E-Eu entendo…?
Dessa vez, o Senhor Urso e eu trocamos um olhar de descrença. Eu não fazia ideia do que Ainar estava aprontando, mas isso só tornava a coisa toda ainda mais verossímil. Do nosso ponto de vista, Ainar fazendo coisas incompreensíveis era definitivamente normal.
Ele pigarreou.
— Ainda assim, parece que ela consegue escrever bem o suficiente para ser autora da própria biografia?
Esse cara nem ao menos disse que queria ler o que ela estava escrevendo. Bem, eu também estava no mesmo barco.
— Mas, mesmo que Ainar não possa vir, eu convidei mais uma pessoa.
— Hmm?
— A última pessoa…
— Quem mais poderia ser além de mim? — disse uma nova voz. Argh, que susto.
— Raven? — Meus olhos se arregalaram ao notar a pequena maga que havia surgido ao lado da mesa. — O que você está fazendo aqui?
E depois de todo o trabalho que tive tentando entrar em contato com ela depois da guerra…
— A Srta. Karlstein me chamou. Vim relaxar um pouco e aproveitar o festival… Posso me sentar aqui?
— Ah, claro. J-Já faz um tempo, não é…?
Depois de receber permissão, Raven se sentou ao lado do Senhor Urso e lançou um sorriso de canto para ele. — Por que essa estranheza toda?
Ele pigarreou. — Não tem nada de estranho em mim…
Para ser justo, os dois não se viam há um bom tempo. Depois que o grupo se separou, Raven só manteve contato comigo. Parecia que eles não tinham se falado, mas ainda assim tinham uma noção das circunstâncias um do outro.
— Como está a vida nas tropas mágicas? Você até recebeu o título de Maga Dourada.
— Uma droga. Não sei por que esses incidentes começaram logo depois que entrei… O que me impede de entregar minha demissão todo dia é um mero senso de dever, sabia?
— É mesmo…?
— E você, Sr. Urikfried? O Clã da Árvore Dourada não é bem famoso? Tem uma boa reputação.
O Senhor Urso estremeceu levemente antes de soltar uma risada sem jeito.
— Ah… O clã? Certo. É um clã decente…
Todos na mesa, eu incluído, inclinaram a cabeça, confusos. Havia algo estranho na forma como ele falou.
“Hã? Tem algum problema no clã dele?”
Não sabia, mas também não perguntei. Se ele não queria falar sobre isso, eu só esperaria até que se sentisse à vontade para trazer o assunto à tona. Raven e Missha pareciam pensar da mesma forma.
“Ainda bem que Ainar não está aqui…”
Se estivesse, com certeza teria ignorado o clima e perguntado diretamente, sem perceber a mudança no tom, ou, bem, se ela teria sequer notado a mudança no clima já era outra questão por si só.
— A propósito, Raven — disse, tomando uma decisão rápida para salvar o ambiente — o que você andou fazendo esse tempo todo para ser tão difícil de encontrar?
— Ah, eu? Meu mestre faleceu, então estive ocupada resolvendo tudo relacionado a isso.
“Maldição, o que diabos?”
Parecia que eu tinha pisado em uma mina terrestre, mas, depois de um momento, apenas deixei o sentimento passar.
“É, não somos estranhos, afinal.”
Conhecia tanto o Senhor Urso quanto Raven. Ficar tão tenso assim não era do meu feitio, e me entristecia perceber o quanto nos distanciamos enquanto cada um seguia seu próprio caminho.
— Meus pêsames.
Missha e o Senhor Urso expressaram suas condolências logo em seguida, e o assunto terminou ali.
— Você devia ter nos chamado se algo assim aconteceu — argumentei gentilmente.
— Bom, não era exatamente uma ocasião feliz. Além disso, Sr. Yandel, você nem gostava tanto assim do meu mestre.
— Não é que eu não gostasse dele…
Mas também não é que eu gostasse.
“Aquele velho era estranhamente obcecado por espíritos malignos…”
Já que o assunto estava na mesa, Raven deve ter sentido a necessidade de dar mais detalhes sobre o ocorrido.
— Você sabe como a guerra acabou tomando proporções enormes desta vez? O palácio enviou os magos da torre como soldados… Já dá pra imaginar o que aconteceu. Ele morreu em combate.
Uma explicação curta, como se não quisesse se aprofundar no assunto.
— Entendo…
Independentemente de gostar dele ou não, eu ainda tinha uma conexão com aquele homem. Parecia estranho ouvir uma notícia dessas de forma tão repentina e casual. E, gostando ou não, ele era alguém importante para Raven.
— De qualquer forma, depois que meu mestre faleceu e a posição dele ficou vaga, fiquei extremamente ocupada. Então, me desculpe por não ter vindo te ver antes.
— Você não precisa se desculpar. Quem fica para trás sempre acaba mais ocupado.
— Haha, realmente parece que sim…
Raven deu um sorriso amargo, tomou um grande gole de sua bebida e depois se inclinou para frente, apoiando o rosto sobre a mesa.
Então, empurrou o rosto em minha direção.
— Estou perguntando, só por precaução, Sr. Yandel.
— Hmm?
— Você precisa de uma maga?
“Mas o que é isso agora?”
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