Índice de Capítulo

    O mestre da Guilda perdeu o cabelo.

    Ele não havia ficado com entradas. Não tinha surgido nenhuma área calva. Ele simplesmente estava com cabelo… e, no instante seguinte, não estava mais.

    Perdeu o cabelo de maneira tão completa que seu couro cabeludo parecia liso e reluzente.

    “Bom. Deu certo.”

    Me forcei a desviar o olhar e focar no lado positivo. Se isso fosse um copo, alguns diriam que estava meio cheio, enquanto outros diriam que estava meio vazio. Com o tempo e a experiência, percebi que a primeira perspectiva era muito mais produtiva. E, na verdade, ‘bom’ era mesmo a palavra certa para descrever o que tinha acabado de acontecer.

    “Não é o melhor visual pra ele… Mas ainda assim, teve sorte de só ter perdido o cabelo.”

    A Autoridade poderia ter levado seu equipamento, ou até mesmo as habilidades e atributos de sua essência, então perder o cabelo era uma penalidade bem menor. Era só deixar crescer de novo.

    No entanto, como eu não fazia a menor questão de ficar careca como ele, soltei um rugido e avancei correndo.

    — Behelaaah!

    Mesmo que nem eu nem meus aliados pudéssemos ouvir meu grito, aquela fera com certeza ouviu. Ela até rugiu de volta, como se respondesse ao meu brado de batalha.

    Não que eu pudesse ouvir.

    “Argh, tá cuspindo em mim…”

    Ser cuspido sempre parecia pior do que se sujar de sangue, de verdade. Ainda assim, eu não tinha tempo pra limpar o rosto, então continuei avançando enquanto a gosma escorria da minha pele. Bloqueei mais uma vez o ataque gigantesco da criatura.

    Bang!

    【Você usou o Peitoral Dracônico de Égide.】

    Então usei o efeito da armadura que obtive não no labirinto, mas no mundo exterior.

    Os olhos da Fera se arregalaram. Claro que ela ficou surpresa. Um guerreiro viking, bem maior do que parecia antes, surgiu do nada, e ainda desceu sua espada larga direto em sua cabeça.

    “Espero que goste.”

    O dano causado pelo guerreiro espiritual refletia o dano que eu vinha acumulando nos últimos dezoito minutos.

    【Refletindo todo o dano acumulado.】

    Eu só estava devolvendo o que recebi.


    Não demorou para o raid contra a Fera chegar ao fim. Assim que o dano do Peitoral Dracônico causou um ferimento crítico, despejamos tudo o que podíamos por mais três minutos, e isso bastou para fazê-la desabar. Se fosse destacar alguns acontecimentos notáveis…

    [Fera Ancestral usou Autoridade da Mudança.]

    No exato instante antes de a matarmos, a Fera conseguiu usar uma última autoridade. Diferente da primeira, o alvo desta era completamente aleatório e, surpreendentemente, foi novamente o mestre da Guilda.

    “Mas que diabos?”

    Se ‘surpreendente’ descrevia vê-lo ser alvo duas vezes, o efeito da autoridade era simplesmente… ‘inacreditável’.

    “Ele virou uma mulher…”

    Seu corpo careca e robusto afinou, adquirindo traços femininos. Em resumo, ele se tornou a senhorita Ilya Adnus.

    Observei seus gestos, ficando cada vez mais curioso com o que ele dizia. Quando sinalizei com a mão, Raven entendeu a intenção e desfez o feitiço que estava sobre o grupo.

    — O-O q-que é isso?! — gritou ele. — P-P-Primeiro meu cabelo e a-a-agora… Por que meu peito…?!

    — Isso não foi a única coisa que mudou. — Ele puxou um espelho e entrou em pânico, mas eu não tinha tempo para consolar ninguém. — Calma. Seu cabelo vai crescer de novo.

    — Esse não é o problema!

    — Então está discriminando mulheres?

    — Não, isso não é discriminação…!

    — Fica tranquilo. Vai voltar ao normal depois de um tempo.

    Ele finalmente parou. — Sério?

    — Juro pela minha honra de guerreiro.

    Pensei em me fazer de desentendido e deixá-lo desesperado um pouco, mas provavelmente ele reclamaria o resto da expedição inteira, então resolvi dizer a verdade logo. Ainda tínhamos trabalho a fazer.

    — Ah, finalmente posso ouvir de novo!

    — Mas será que acabou mesmo?

    — Não parece estar se mexendo…

    — Mais importante, o mestre da Guilda…

    — Não fala disso. Ele vai ouvir…

    Os membros começaram a murmurar perguntas enquanto observavam a Fera caída. Alguns, com razão, estavam apreensivos.

    — Podem relaxar — tranquilizei. — Está tudo terminado.

    — Mas então… Por que o corpo não desapareceu…?

    Ah, isso? Eu também não sabia ao certo, mas a Fera era um monstro sem classificação. Mesmo no jogo, ela não concedia pontos de experiência, e o corpo não sumia com ou sem magia de distorção, a não ser, claro, que deixasse cair uma essência.

    Missha mordeu o lábio, desapontada, quando expliquei.

    — Ah… Então ela não vai deixar essência dessa vez…

    Eu entendia sua decepção. A essência da Fera seria uma das essências de graduação de Missha.

    “Eu poderia simplesmente ter dado essa essência pra ela se tivesse dropado agora…”

    Isso não queria dizer que voltaríamos várias vezes a esta ilha para repetir o raid e conseguir a essência. Levaria tempo demais, e como a Espadachim Gélida de Duas Lâminas era parte fundamental da minha estratégia de fim de jogo, eu tinha muitas builds em mente. Usar a essência da Fera seria o plano A, e havia também o plano B, baseado em outra essência.

    “Tem o plano C também, mas o teto desse é meio baixo, então quero evitar…”

    Dadas as baixas taxas de drop de essência neste jogo, era necessário criar múltiplas builds e cultivar os personagens de maneira flexível para conseguir chegar ao Portão do Abismo.

    “É decepcionante, mas não estamos em completa desvantagem por causa disso.”

    Embora não fosse tão valioso quanto a essência, o cadáver da Fera ainda podia render uma boa grana.

    — O que vocês estão esperando? Comecem a arrancar o couro da pele dela!

    O couro dela, por exemplo, era tão resistente quanto couro de Drake, um material de grau 4.

    — C-Couro de Drake? Você quer dizer aquele famosamente caro…?

    — Ouvi dizer que só dá pra usar o couro das costas de um Drake. Você está dizendo que o corpo inteiro dessa criatura está coberto desse couro…?

    — Então quanto tudo isso vale?

    Bem, se vendêssemos tudo, provavelmente conseguiríamos dinheiro suficiente para comprar uma ou duas essências de grau 3. Ainda assim, era cedo demais pra descansar sobre os louros.

    — Cuidado com o couro da cabeça dela. Aquele é parecido em qualidade com couro de ogro.

    — O quê?! Quer dizer que é um material de grau 5?

    — E manuseiem os ossos com cuidado, como o crânio. Se fizerem espadas com eles, serão tão resistentes quanto adamantium.

    — Esse bicho era mais um baú de tesouro do que eu pensava.

    Era uma criatura muito grande, que não podia ser manipulada por apenas algumas pessoas, mas como todos nós éramos aventureiros experientes, não demoramos para saquear o corpo inteiro. Crânio, couro, órgãos como o coração para a pesquisa da Raven, e muito mais.

    Depois de pegar tudo o que podíamos, percebi que Arta estava parado ali, piscando.

    “Ah, é mesmo. Ele.”

    Ele tinha uma expressão estranha no rosto, então me aproximei e puxei conversa.

    — Tem algum problema?

    Depois de um momento, ele começou: — É estranho.

    — O quê?

    — Se essa criatura fosse realmente a causa do fim… todos vocês já deveriam estar mortos. Não, mesmo que não estivessem mortos, deveriam ter falhado. Foi por isso que vim atrás de vocês, para tentar observar o processo do fim do mundo e encontrar uma pista de como detê-lo.

    Mas que…? Então ele estava nos observando esperando que morrêssemos?

    — Então o que está tentando dizer? — perguntei, irritado.

    — É só que… Está estranho demais! Minha pesquisa mapeou o tempo para coordenadas específicas ao longo do percurso. Concluí os experimentos e cheguei até hoje, o dia final.

    — Já entendi, vai direto ao ponto.

    — Se vocês venceram essa batalha… como hoje ainda é o dia final do mundo? — Então Arta respondeu à própria pergunta, não com mais dúvidas, mas com convicção. — Peço desculpas, mas aquela Fera que vocês derrotaram agora… não é a causa do Fim.

    Hmm, isso era interessante. Na base secreta sobre o oceano, o Arta-máquina nos disse que a Fera era a causa. Mas agora, outro Arta dizia que não era.

    — Então qual é a causa? — perguntei.

    — Precisamos descobrir a partir de agora.

    — Como?

    — Aquelas ondas de mana poderosas que mencionei antes… Achei que vinham da Fera de que vocês falaram, mas não é o caso. Mesmo depois de derrotá-la, ainda consigo sentir as ondas.

    — Então quer ir até onde sente que elas estão vindo?

    — Sim, exatamente. Não me resta muito tempo…

    — Entendido. Vamos logo.

    Não precisei pensar. Já esperava que algo acontecesse depois de derrotarmos a Fera, e pelo que vi, ele já tinha um destino em mente.

    — Quanto tempo você ainda tem? — Verifiquei primeiro, e parecia que tínhamos menos tempo do que o esperado.

    — Bem… Por algum motivo, o tempo que me restava diminuiu bastante depois que aquela ‘Fera’ apareceu…

    “Ah, por causa da Canção do Fim. Então devo mandá-lo mais longe da próxima vez que tivermos essa raid?”

    Embora esse pensamento tenha me ocorrido, duvidei se realmente precisaria usar esse segredo escondido uma segunda vez. Além disso, ainda não entendia direito quais eram as condições para invocá-lo, ou mesmo como o Dia Final havia sido conjurado.

    — Sei que todos estão cansados, mas aguentem só mais um pouco. Vamos voltar a avançar em velocidade total.

    Depois de pegar todo o saque possível, seguimos rapidamente atrás de Arta.

    — Aqui…?

    — Sim, posso sentir ondas de mana poderosas vindo de dentro. Vamos entrar!

    Surpreendentemente, o lugar onde chegamos era a caverna com o portal.

    “Não acho que tenha nada escondido aqui…”

    Fiquei realmente curioso. Já tinha vasculhado essa caverna de ponta a ponta jogando o jogo, e estava confiante de que…

    — Está aqui! Estamos nos aproximando rapidamente — gritou Arta logo em seguida.

    Inclinei a cabeça, confuso. — Estamos? — repeti, me perguntando se havia algum espaço escondido que eu ainda não conhecia. Porém, como suspeitava, chegamos exatamente onde o portal estava localizado.

    — Vamos, entrem logo!

    Já que estávamos ali mesmo, seguimos até o portal com Arta.

    Vwoong!

    Logo o portal vermelho-escuro e ameaçador surgiu à vista. No momento em que o viu, Arta deixou escapar uma exclamação confusa.

    — Hã? U-Um portal? Por que tem um portal aqui? Como? O q-que deu errado? Não é possível…

    Ele parecia mergulhar cada vez mais fundo na confusão. Não, ‘confusão’ nem era a palavra. Era como se começasse a entrar em pânico, murmurando para si mesmo.

    — E-Espera…

    Recuou, como alguém tomado de medo, e achei que era uma boa hora para intervir.

    — Qual o problema? Não é só um portal?

    Sua expressão se contorceu ainda mais com a minha dúvida antes de seus olhos se arregalarem em realização.

    — Vou te fazer uma pergunta — disse Arta, com a voz mais grave que nunca. — Por acaso… estou dentro do labirinto?

    Fiquei sem palavras ao ouvir sua pergunta.

    O que era isso agora?

    Um pequeno gesto, um grande impacto!

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