Índice de Capítulo

    Não houve necessidade de explicações longas nem enrolação. Num teste de sobrevivência, só os mais rápidos de raciocínio continuam vivos. Felizmente, os seis sobreviventes do Clã Illuma que encontramos dentro da área de Corpo de Terra pareciam entender bem essa regra. Em vez de apelarem para a emoção, começaram logo a se apresentar com entusiasmo.

    — Sou um Guardião da linha de regeneração. Terceiro nível. Sempre atuei como guardião principal em expedições de grande porte. Tenho a Essência de Malayce.

    — Como dá pra ver, sou um guerreiro de arma pesada. Segundo nível. Me especializo em enfrentar monstros grandes, não os pequenos. Já enfrentei criaturas de segundo nível durante a exploração da Fenda do sétimo andar, e cumpri meu papel com folga.

    Um tanque principal com uma essência valiosa e um guerreiro urso-negro terian de segundo nível com competência comprovada.

    — Sou um usuário de habilidades especiais voltado para invocação. Trabalho com uma combinação de essências ligadas a plantas, então quando apresento a outros, costumo dizer que sou um ‘invocador de plantas’. Me saio especialmente bem em combates em grupo.

    — Sou um batedor com talento de guia. Sei me virar bem sozinho e me especializo em furtividade e detecção, atuando sempre como batedor nas expedições. Graças à habilidade especial Detecção de Sorte, já encontrei vários Arranjos de Gabrielius.1

    Não entendo muito bem sobre esse invocador de plantas, mas esse guia parece extremamente profissional. Diria até que é uma versão superior do Rotmiller.

    — Eu sirvo à Senhora Reatlas…

    — Não sou como a Espírito de Sangue, mas na arte do arco, sou bem confiante.

    Temos, então, uma sacerdotisa e uma arqueira élfica. Faltou um mago, infelizmente, mas o grupo era sólido, com boas composições e sem ninguém que fosse peso morto. Não precisei pensar muito para decidir.

    — Alguém entre vocês atende ou já atendeu pelo nome Hans?

    — …Não, senhor!

    Perfeito. Todos aprovados.


    Assim que confirmei a aprovação deles, o mago especial encerrou a conjuração da magia de teletransporte múltiplo.

    — …Quem são essas pessoas?

    — Aconteceu. Quanto tempo a mais vai precisar?

    — …Espere mais cinco minutos.

    — Se conseguir, tente apressar. Acho que agora vai começar a apertar.

    — Haa… se formos arrastados mais longe que isso, nem eu vou dar conta.

    — Sei disso. E se acontecer, vai ser azar deles.

    Talvez por ter sido puxado ao limite na criação da magia, ele suspirou fundo antes de começar a configurar os seis nomes extras.

    Um minuto… dois… três…

    O tempo passava, a correnteza de terra ficava mais forte e a profundidade aumentava. Ou será que nesse caso se chama corrente de solo? Não sei. Mas tirando eu, todos já estavam praticamente soterrados até a cintura. A única coisa que dava pra considerar como ‘boa notícia’ era que os sobreviventes recém-chegados, em vez de se afastarem, estavam sendo puxados ainda mais pra perto.

    — E-Estamos salvos…!

    Duvido. Ainda é cedo demais pra comemorar. Se a magia não for completada a tempo, não vai ter como dizer que escapamos dessa. A verdade é que já devemos estar bem perto do centro.

    Quatro minutos.

    Faltam só sessenta segundos pro tempo prometido pelo mago. Mas ele ainda não dava sinais de abrir os olhos.

    “Haa…”

    Ainda assim, era melhor pensar pelo lado positivo. Mesmo depois de me separar do grupo, as coisas até que não saíram tão mal. Se eu não tivesse recolhido esse mago pelo caminho, nem esperança teria restado. Sem falar que… nem encontrei o Hans ainda.

    Trinta segundos.

    Apenas trinta segundos se passaram, e já dava pra sentir com o corpo inteiro que o momento crítico se aproximava. Ainda não dava pra ver nada, encoberto pela escuridão do labirinto. Nenhum som diferente. Nenhum sinal explícito. Mas…

    — …

    — …

    A presença do Espírito Primordial encolhido nas sombras começou a se fazer sentir. Um calafrio instintivo percorreu minha pele. E parecia que não era só comigo.

    — …

    — …

    Quando dei por mim, todos estavam em silêncio. Como se temessem que até mesmo o menor ruído pudesse atrair a criatura escondida na escuridão. Prendiam a respiração, encarando um único ponto fixamente. E então…

    Quinze segundos.

    Quando faltavam apenas quinze segundos para o tempo prometido, o silêncio foi quebrado por um homem.

    — …Merda. Erramos.

    Era o guia de terceiro nível do grupo do Clã Illuma. Provavelmente o mais sensível à presença do monstro entre nós. Em seguida, foi a arqueira élfica.

    — Aah…! Ó Pai do Mundo! Como pode uma criatura tão absurda realmente existir…?!

    Talvez ela estivesse sentindo a presença por meio de sua afinidade natural com a natureza. Ou talvez, com sua acuidade visual como arqueira, tivesse realmente visto a criatura através das sombras. Não importa qual seja o caso. O fato é…

    — E a magia?! A magia ainda não está pronta?!

    Já estamos logo abaixo das mandíbulas daquela coisa.

    E a prova disso veio logo em seguida:

    【O personagem entrou no alcance de Corpo de Terra.】

    【A resistência à terra foi fixada em 0】

    Minhas pernas, que estavam completamente presas, começaram a se mover. O efeito de movimento bloqueado havia sido encerrado. Claro, isso não significa liberdade total.

    【A velocidade de movimento é reduzida proporcionalmente ao valor de Força.】

    A redução da velocidade varia conforme o atributo de Força…

    【O personagem possui Força superior a 700】

    【A velocidade de movimento foi reduzida em 50%】

    A partir daqui, não importa quanta Força se tenha, o limite é esse. Então, nesse caso…

    — Arqueira! Acenda uma luz!

    Dou a ordem com firmeza.

    — Hã? O quê?

    — Precisamos de visibilidade!

    — M-Mas…!

    Mas o quê? Acha que no escuro o monstro não vai nos ver? Ou será que é só ela que não quer enxergar? Se for isso… que pena.

    — Faça o que mandei!!

    Eu não sou do tipo que fecha os olhos com medo. A realidade não muda só porque você se recusa a encará-la.

    — Behelaaah!!

    Logo após meu grito, a arqueira élfica imediatamente invocou um espírito de fogo, iluminando o ambiente.

    Fwoooooooosh…!

    O centro da corrente de lama, girando em espiral como um redemoinho. Bem abaixo dele, uma boca colossal parecia se abrir, como a de uma baleia engolindo plâncton.

    — …

    No fundo do redemoinho, um par de olhos aterrorizantes brilhava sob a luz vermelha do espírito. E o problema aqui é…

    “Zero segundos.”

    O tempo para completar a magia já havia terminado. Mas o mago especial ainda não abria os olhos. Pelo visto, ele calculou o tempo errado…

    — Aah…

    Aquele ladino, que há pouco me pedia informações sobre o Espírito Primordial para poder fugir se fosse preciso… agora estava congelado, paralisado pela presença avassaladora.

    “Os outros também estão assim.”

    Um pensamento fraco me atravessa. Se eu não tivesse adicionado os seis novos, teria embarcado no primeiro turno e… evitado isso tudo…

    “Chega.”

    THUD!

    Bati com a testa no escudo, despertando meu foco. Afinal, foi minha escolha. E mesmo se eu me arrepender agora, nada do que tenho que fazer muda.

    “Tem que ser feito.”

    No fim das contas, só eu podia fazer isso.

    Slosh.

    Avancei uma perna pela lama que já cobria minhas coxas.

    — O-O que está fazendo…?

    — Ganhando tempo até a magia ficar pronta. Quem conseguir se mover, cuide dos outros!

    Dei a ordem, mas ninguém respondeu. Dizem que em situações assim, você tem que apontar diretamente para pessoa…

    — Escudo! Martelo! Estou falando com vocês dois!

    — A-Ah, entendido!

    Pronto. Resolvido. Agora só falta uma coisa: ganhar tempo…

    Splurch.

    Dou mais um passo, rasgando a lama espessa. E finalmente, aqueles olhos brilhantes se voltam diretamente pra mim. O olhar de quem vê uma presa se aproximando por conta própria.

    KUUNG…

    No exato momento em que nossos olhares se cruzam, sinto como se uma rocha gigante esmagasse meu peito. Meu corpo trava.

    【O personagem testemunhou parte de um mito.】

    Não é um bloqueio físico. É algo mental. Como se meu cérebro tivesse sido acorrentado. Afinal, eu sei melhor do que ninguém. Enfrentar um monstro de primeiro nível sozinho, no mano a mano… é praticamente suicídio. Mesmo assim…

    【Conquista alcançada】

    Condição: Descoberta mítica (2/5)

    Recompensa: Poder da Alma aumenta permanentemente em +20.

    Uma satisfação intensa inunda meu peito, como se algo estivesse se derramando dentro do coração.

    “É… tinha essa conquista também.”

    Esse é o nível do Espírito Primordial. Só de encarar a criatura, o sistema já te recompensa com uma conquista.

    Basta entrar no raio de um quilometro, e se não tiver um mago, é impossível escapar. Uma calamidade natural, disfarçada de monstro. Mesmo que eu tivesse o resto da vida pra me preparar, nunca conseguiria derrotá-lo no estado atual.

    Ba-dum!

    Mas então… e daí? Essa ainda é a opção com maior chance de sobrevivência.

    — Um minuto.

    — Hã?

    — Mesmo que a magia fique pronta, espere um minuto. Eu vou sair até lá. Entendido?

    — E-Esper… o que quer dizer com isso…?

    Não tive tempo pra ouvir a resposta. Até porque, nesse exato momento, uma mão gigante estava emergindo do redemoinho. Se nada fosse feito, um combate direto iria começar. Portanto…

    TADAT…!

    Chutando a lama espessa até os joelhos avancei direto para o vórtice em fúria.

    — Behel–LAAAH!

    Eu vou voltar vivo. E já que é pra passar por isso… vou tirar proveito de tudo que puder.

    【Você aceitou a natureza por vontade própria.】

    【O Espírito Primordial demonstra grande interesse.】

    【O personagem entrou na Terra do Espírito Primordial.】


    【Conquista alcançada】

    Condição: Entrar na Terra do Espírito Primordial.

    Recompensa: Sua Resistência à Terra aumenta permanentemente em +10.


    【DICA: Os Espíritos Primordiais, que existem desde os primórdios, são extremamente volúveis. Tome cuidado para que o interesse deles não desapareça!】

    Um terreno mergulhado em escuridão absoluta. Nem mesmo o artefato mágico acoplado ao elmo iluminava mais que três metros ao redor.

    — Haa…

    Assim que abri os olhos, apenas controlei a respiração e me levantei de imediato. Não foi por ter dito que voltaria em um minuto. É que, neste lugar, o tempo corre de forma extremamente lenta. Embora isso não signifique que eu possa desperdiçá-lo.

    【O personagem entrou em uma área especial.】

    【Efeito de campo – Terra do Espírito Primordial ativado.】

    Terra do Espírito Primordial.

    Um tipo de campo oculto que se acessa ao controlar diretamente o personagem e pisar em uma área no alcance do chefe que causa morte instantânea.

    【Anormalidade de Estado: Drenagem de Nutrientes aplicado.】

    【Vitalidade será drenada a cada segundo, aumentando com o passar do tempo.】

    Desde que abri os olhos, sinto meu corpo sendo lentamente drenado de energia vital. Ainda não é algo perceptível ao extremo, mas…

    “Preciso terminar isso em até uma hora.”

    O tempo máximo é de uma hora. Depois disso, a perda de vitalidade por segundo aumenta para níveis percentuais. Mesmo com uma regeneração natural elevada, não há como resistir…

    Thomp… Thomp…

    Com o corpo em Gigantificação, dei grandes passadas, correndo a toda velocidade. Mas cada vez que meus pés tocavam o solo, sentia um leve incômodo, como se algo picasse.

    “Acho que entendo por que o povo daqui odeia a terra.”

    Diferente da percepção moderna, para as pessoas deste mundo a terra não é algo positivo.

    A terra é, antes de tudo, gananciosa. Tem a natureza de absorver tudo e converter em nutrientes. Essa é a essência da terra.

    Consta até mesmo no Gênesis da Tríade Celestial: que o deus do sol, Tovera, castigou a terra egoísta, e só depois disso ela começou a compartilhar o que possuía, permitindo o crescimento das colheitas e o florescimento da vida.

    “Ainda assim… isso é só história antiga.”

    Desde o surgimento da cidade-labirinto de Rafdonia, a terra nunca foi misericordiosa com a humanidade. Tirando a Árvore Gnomo, não há nenhum recurso enterrado sob ela. Nenhum grão cresce ali. Foi a responsável por forçar os humanos a se amontoarem em casas minúsculas dentro de muralhas erguidas sobre um pedaço de terra estreito.

    Talvez por isso…

    Até na hora de enterrar os mortos, esse povo não os coloca diretamente na terra. Eles cremam os corpos, colocam as cinzas em urnas, e só então os enterram. É uma tentativa de evitar o contato direto com a terra, nem que seja um pouco…

    KUUUNG…!

    Enquanto corria pela planície infinita coberta de trevas com um alcance de visão de apenas três metros, fui forçado a frear bruscamente.

    SCRREEEEECH.

    Encontrei o primeiro quebra-cabeça antes do esperado.

    — Tive sorte.

    Uma rocha azul apareceu de repente no meio do deserto escuro. O que fazer diante de uma rocha suspeita como essa? Ora, é óbvio, não é?

    Primeira lei de Dungeon & Stone: Se algo parecer suspeito…

    Kwaaaang…!

    …quebre primeiro e pergunte depois. Isso já te garante metade do caminho. Como agora:

    【O personagem destruiu um Fragmento Lunar.】

    【A energia da terra aumenta levemente.】

    【O Espírito Primordial demonstra um interesse extremamente intenso.】

    1. MrRody: Relembrando, um Batedor é alguém treinado em se encontrar e guiar pessoas pelo labirinto. Já um Guia é alguém com a habilidade natural de sentir a posição de onde está o portal mais próximo.[]
    Um pequeno gesto, um grande impacto!

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