Capítulo 835: Ressentimento (2/5)
Por que ela estava ali? Sozinha ainda por cima? E os outros companheiros, onde estavam? Será que na confusão do colapso acabou separada?
Surgia uma enxurrada de perguntas, mas, em momentos assim, era melhor definir prioridades. As histórias, eu ouviria depois de resgatá-la.
Antes de mais nada, analisei Ainar.
Seu estado não parecia nada bom. O equipamento estava rasgado por lâminas afiadas, e pelo meio das fendas escorria sangue. Não via ferimentos imediatamente fatais, mas não podia ter certeza, em Dungeon & Stone, havia inúmeros tipos de ferimentos invisíveis a olho nu. Além disso, pela aparência, sua vida já estava próxima do limite.
Ba-dum!
O coração pulsou forte, impelindo-me como acontecera ao ver Baekho Lee.
Ba-dum!
A raiva era insuportável. Se fosse um monstro a deixá-la naquele estado, seria compreensível. Mas eram pessoas? Pessoas, em meio a um desastre como o colapso dimensional, em que já mal dava para sobreviver sozinho?
“Quem diabos são esses desgraçados?”
No meio da fúria, percebi algo. Observei com atenção o grupo que o cercava, e todos exibiam o mesmo brasão.
“…Sawtooth.”
Um clã com o qual já acumulei inúmeras inimizades. James Calla, que fora do nosso clã Anabada, tinha sido vice-líder deles. E quando derrotamos Riakis, o Lorde do Caos, houve briga por causa do roubo de loot.
“Então é por causa disso…?”
No começo parecia absurdo, mas pensando bem, fazia sentido. Ainda que James tivesse sido mandado à expedição ao Rochedo Gélido como mero peão descartável, ele acabou indo parar em outro clã. E esse clã, justamente, roubou a glória de uma raid no qual investiram tanto esforço. Nesse mundo cruel dos exploradores, isso bastava para querer matar alguém.
Clench…
Apertei a bandeira com força. Na prática, já estava decidido onde fincá-la. Mas ainda contive a vontade imediata. Não adiantava cravar agora ou mais tarde: isso não mudaria nada no resgate de Ainar. Porém, se esperasse um pouco…
“Eu ainda poderia vasculhar os andares restantes e reunir mais informações.”
Assim como encontrei Baekho Lee no sexto andar. Talvez localizasse outros suspeitos. Ou, com sorte, descobrisse a situação dos demais companheiros. Claro, se encontrasse mais de um em perigo ao mesmo tempo, teria de escolher a quem salvar… mas mesmo assim.
“Preciso confirmar.”
Era meu princípio: melhor saber que ignorar. Ao menos assim teria escolha.
Fuuuuum…!
Deixei o Labirinto de Larcaz, onde Ainar estava, e desci ao terceiro andar. O Caminho do Peregrino. Campo cheio de memórias e eventos, quase sem névoa encobrindo nada.
Mas…
“Nada.”
Não havia outros companheiros. O único evento digno de nota foi ver dois grupos brigando a sério, espadas desembainhadas.
“Mesmo em meio a isso, ainda se matam entre si.”
Seria por saque? Por mal-entendido? Ou simples implicância? Eu não tinha como adivinhar qual era a história deles, mas isso não era da minha conta. Eu já estava ocupado o suficiente cuidando de mim mesmo.
Fuuuuum…!
O segundo andar era parecido.
O Deserto Rochoso, a Cova das Feras, a Floresta dos Goblins, a Terra dos Mortos.
Quatro regiões. E como eu havia perambulado bastante quando ainda era novato, não havia névoa encobrindo nada.
“Outro fracasso.”
Nenhum sinal dos meus. O mesmo no primeiro andar, nas Cavernas de Cristal.
Então…
Fuuuuum…!
Desci ainda mais. Surpreendentemente, a Porta dos Espíritos também levava ao subsolo, o andar -1.
“Primeiro Subsolo…”
Eu não esperava poder ir até aqui também. Bem, como a restrição era até o nono andar, acho que não era impossível, certo?
“A razão pela qual o Primeiro Subsolo não apareceu no jogo deve ser porque eu nunca tinha estado lá antes…”
Assim que cheguei acima dele, uma vastidão prateada encheu minha visão. A ilha inicial de pedra, a ilha dos humanos com o chefe da vila, a ilha da biblioteca onde conheci o Presuntinho, a Ilha das Fendas com a Fenda solo exclusiva…
“É maior do que eu lembrava.”
Vendo de cima, percebi como aquele andar era imenso. E pensar que, quando buscava uma forma de escapar, achei que tivesse explorado tudo. Havia tantas áreas ainda cobertas pela névoa.
“O que será que escondem…”
Se não fosse pela impossibilidade de escapar, aquele andar seria o melhor de todos.
Fuuuum…
Deixei as dúvidas para depois e examinei rapidamente. Não havia ninguém. O chefe da vila dissera que, em colapsos, às vezes alguns eram lançados para cá, mas aparentemente não desta vez.
“A probabilidade deve ser muito baixa, ou há alguma condição. Ou talvez só porque o colapso ainda está ativo…”
Por hora eu não sabia, e também não importava.
“…Mas pelo menos vi um rosto familiar.”
Na ilha da biblioteca, encontrei Presuntinho dormindo. Foi a única colheita. Os demais companheiros, nada.
“…Talvez seja até melhor que não estejam aqui.”
Embora fosse decepcionante não poder confirmar diretamente a segurança deles, decidi pensar positivamente. Todos eles devem estar bem, só não consigo encontrá-los porque estavam passando o período de estabilização em áreas escondidas pela neblina.
“…Mas e se fincasse a bandeira aqui? Será que funcionaria?”
A dúvida surgiu. Quando saí do subsolo, fiz um ‘pacto’ com aquele supervisor, e ele disse que eu nunca mais poderia entrar nesse lugar, então nunca tentei testar isso. Eu tinha certeza de que o método normal não funcionaria de qualquer maneira. Bem, eu tinha pensado em verificar isso mais tarde… Mas logo após voltar para a cidade, incidentes graves começaram a acontecer um após o outro, deixando-me sem tempo para isso.
“Se for possível entrar por essa rota, seria um verdadeiro prêmio.”
Como eu disse anteriormente, o Primeiro Subsolo é um andar cheio de recompensas. Parece que em algum momento eu precisarei criar um plano de exploração para este lugar e executá-lo adequadamente, se surgir uma oportunidade. Se pudéssemos explorá-lo adequadamente, meus companheiros e eu poderíamos melhorar nossos atributos em vários níveis em pouco tempo.
“De qualquer forma, agora que a busca está completa…”
Mudei meu corpo espiritual para o quarto andar.
E…
“Esses malditos bastardos ousam ameaçar um bárbaro?”
O Labirinto de Larcaz. O mesmo lugar onde experimentei pela primeira vez a perda de um companheiro.
“Vocês estão todos mortos.”
Sem hesitar, plantei a bandeira.
【O ponto final foi designado.】
【O personagem foi expulso do ‘Atalho’.】
No instante em que cravei a bandeira no chão, um poder irresistível tomou conta do meu corpo, como se as leis da física tivessem deixado de valer.
Shoooohhh…!
A sensação era a de poeira sendo sugada por um aspirador.
Quando recobrei a consciência, vi ao longe uma escadaria dividida em dez níveis. E então…
Um clarão, como se fosse o instante da criação do universo. Essa foi a última memória dentro do Atalho.
Fuuuum…!
Aquela estranha sensação sempre presente ao atravessar portais. Como se o cosmos cuspisse algo imenso, meu corpo foi arremessado para a frente…
Kwaaang…!
Droga, caí de cara. Pareço até novato que nunca entrou num portal.
“Meu corpo… sempre foi tão pesado assim?”
Se eu tivesse que apontar a causa, seria meus sentidos. Depois de tanto tempo no estado espiritual, ultrapassando leis físicas, a sensação de andar com os pés soava estranha.
“Bom, na real, também deve estar mais pesado que o normal.”
Afinal, o efeito de campo aqui era cruel.
【Você entrou no Labirinto de Larcaz.】
【Efeito de Campo – Guardião do Equilíbrio ativado.】
【Os atributos dos ocupantes foram redistribuídas igualmente.】
Nesse lugar, como se abençoado por Karl Marx, todos têm os atributos redistribuídos de forma igual. Foi graças a isso que, nos dias de novato, conseguimos enfrentar de igual para igual até mesmo o criminoso da Orcules. Agora, ironicamente, era por isso que Ainar quase fora derrotada por esses desgraçados.
“…”
“…”
Um silêncio estranho. Levantei-me devagar, ainda meio desajeitado da queda.
— Q-Quem é você…?!
— O que…? Por que apareceu um portal no meio do nada…?!
Ainda não tinham me reconhecido. Apenas se assustaram com o portal que surgiu do nada. Diferente de Ainar, que me encarava fixamente.
— Bj… Bjorn…?
Os olhos de Ainar arregalaram-se, como se ela não acreditasse na minha súbita aparição nesta situação desesperada. Mas logo uma luz de resignação se instalou naqueles olhos.
“Entendo… é uma alucinação…”
…Hã?
“Porque eu pensei que queria ver você uma última vez antes do fim…”
Hah, do que ela está falando? Parecia que a condição de Ainar era mais grave do que parecia.
“Não sei o que aconteceu, mas você se saiu bem. Deixe o resto comigo.”
Afaguei a cabeça dela de leve e me levantei. Mas aqueles canalhas, claro, ouviram.
— Bj… Bjorn, ela disse Bjorn, não foi?!
— Não pode ser! Deve ter ouvido errado! Como esse desgraçado viria parar aqui?!
— Mas… pelas costas, é idêntico…
As vozes crescendo confirmaram que já me reconheceram. Respirei fundo e virei-me.
— Merda! É o Yandel de verdade!
— Yandel…! Como esse lunático veio parar aqui…?!
Ao me verem, recuaram como se tivessem visto um fantasma. Mas não todos.
— Hahaha…
Um homem de meia-idade, cabelos vermelhos, soltou uma gargalhada. O mesmo que vira durante a luta contra Riakis, com o vice-líder servindo como seu braço direito. Sem dúvida, esse era o líder.
— Não tenham medo! Isso é até melhor!
Sua voz grave ecoou, impondo-se sobre os membros do clã.
— Lembrem-se de onde estamos!
Com apenas essa ordem, a agitação entre eles diminuiu.
— É verdade, aqui…!
— Verifiquem seus corpos! Estamos mais fortes do que antes!
— E aquela bárbara maldita mal consegue se mover, então ele está sozinho!
Eles já tinham entendido o campo. E tinham razão: no Labirinto de Larcaz, números faziam diferença. Até nós, nos dias de iniciantes, conseguimos enfrentar o Matador de Dragões por causa desse efeito.
Assenti, sem negar.
— De fato, sozinho seria difícil.
Nesse estado, não podia garantir vitória contra tantos. Mas…
— Vejam, até o bastardo do Yandel está com medo…
— Engraçado, mas eu não disse… — Interrompi, dando um passo à frente. Sem querer, mas o momento não podia ser melhor. — …que estou sozinho.
E nesse exato instante…
Fuuuuum…!
Os portais se abriram, e meus companheiros (temporários) começaram a saltar para fora.
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