Índice de Capítulo

    Lágrimas de uma Deusa. O mesmo item que teve um papel decisivo na derrota de Cambormere, o Duque Vampiro, um monstro de Quinto Nível, durante a época em que eu ainda era um Bárbaro de Mãos Vazias. Na verdade, esse item não deveria ser usado contra algo de nível tão alto, só o usei porque não havia como levá-lo para fora.

    — Não vai verificar o que é? Só de olhar já dá para sentir uma energia sagrada…

    À pergunta curiosa da sacerdotisa, respondi com um sorriso sem jeito, dizendo que veria isso depois. Claro, eu sabia muito bem o que era.

    Quando usado, causa dano em área a mortos-vivos, e se for bebido, pode curar ferimentos tão graves quanto membros decepados. Por isso, no início do jogo, quando o braço do personagem principal era arrancado e ele ganhava uma desvantagem, eu sempre vinha até aqui para usar a lágrima e reconectá-lo. Mas…

    “No fim das contas, isso não é o mais importante.”

    O dano? Para ser sincero, não é lá grande coisa. Mesmo sendo um artefato que aparece como relíquia sagrada, ele não foi capaz de derrotar de uma só vez um mero monstro de Quinto Nível, mesmo que fosse o Guardião. Bom, o poder de cura é considerável, mas ainda assim pode ser facilmente substituído por uma poção de nível supremo. O verdadeiro valor desse item está em outra coisa.

    【As Lágrimas de uma Deusa foram destruídas.】

    【Graça desceu sobre as ruínas.】

    【Todas as resistências do Duque Vampiro Cambormere foram temporariamente suprimidas pela Graça e ele sofre um golpe crítico.】

    Selamento de todas as resistências, essa única linha é o que faz desse item algo realmente precioso. Mesmo que temporário, é capaz de anular completamente a defesa de um monstro.

    “Mesmo com magia de distorção, acho que não dá para levá-la para fora na cidade…”

    Ainda assim, só de tê-la comigo já me sentia seguro. Isso seria uma grande ajuda para sobreviver à calamidade do colapso dimensional. Quando enfrentasse um inimigo poderoso demais, seria minha carta na manga. Claro, o ideal é nunca precisar usá-la. Mas as coisas nunca seguem do jeito que a gente quer.

    “Bom, já garanti o que era mais importante…”

    Pensei em voltar e me reunir com o grupo, mas continuei explorando. Sair assim, de repente, seria meio estranho.

    “Agora fiquei curioso.”

    Quem estaria na sala do chefe? Era pura curiosidade de jogador. Se fosse Cambormere novamente, queria amarrá-lo e bater um papo.

    “Vai que encontro o original, como aquele ‘Ormi Noark’ da cabana.”

    Com esse pensamento, continuei explorando. Atravessamos a cidade, o calabouço subterrâneo da muralha interna e chegamos até o último capítulo: o Santuário dos Cultistas Demoníacos. Para minha surpresa, não havia sequer um monstro de fora, nenhum que tivesse sido arrastado pelo colapso dimensional.

    “Se soubesse que seria assim, talvez eu devesse ter vindo sozinho.”

    Trouxe a sacerdotisa e o mago só para garantir alguma resposta em caso de emergência. O radar… bem, só veio junto por conveniência.

    — Aqui deve ser o último ponto. Segundo o livro, além dessa porta aparece um Cavaleiro da Morte como guardião…

    — Cavaleiro da Morte, hein…

    Dessa vez parecia provável. A maçaneta da porta tinha uma cor normal. Quando Cambormere aparece, até a cor da maçaneta é diferente. Logo…

    Criiic…

    Empurrei a velha porta e entrei sem hesitar na sala do chefe…

    “Hã?”

    Assim que entrei, congelei no lugar.

    Gruu…?

    O quê…? Que diabos é isso? No centro da sala do chefe não havia um Cavaleiro da Morte, mas sim um porco alado, sentado calmamente.


    【O personagem entrou no alcance de Pecado Original, Gula.】

    【Distorção é aplicada a todas as formas de vida dentro do raio de alcance.】

    A sala do chefe, onde deveria haver um Cavaleiro da Morte ou um Vampiro, abrigava apenas uma única criatura.

    — Não parece um Cavaleiro da Morte.

    — Hmm, mas estava descrito num livro confiável… que coisa estranha!

    — O que faremos? Nunca vi um monstro como esse…

    O trio que me acompanhava manteve a calma, analisando a situação e preparando-se para lutar a qualquer momento. E eu…

    — Parem!!

    Gritei com todas as forças para impedi-los de sequer tocarem em suas armas.

    — …?

    Eles me olharam confusos, mas não havia escolha. Eu conhecia aquela criatura.

    — Guiltygoss…

    Um monstro de Primeiro Nível que aparece no décimo andar. Obviamente, nós quatro juntos não teríamos a menor chance contra ele.

    Crunch, crunch…

    Parecia estar comendo; em suas garras, ou melhor, nas garras da pata dianteira, estava espetado o corpo de um monstro de terceiro nível.

    “Então Guiltygoss usa as garras como se fossem um garfo.”

    Anotei mentalmente esse detalhe e compartilhei com o grupo as informações mais importantes que eu conhecia, de forma direta e rápida.

    — Guiltygoss é um demônio de Primeiro Nível.

    — …Hhk!

    — Mas, desde que não o ataquemos nem cheguemos muito perto, ele nunca toma a iniciativa. Entenderam?

    — …S-sim, entendido.

    Não mencionei as informações secundárias, como o fato de que, apesar de não atacar aventureiros, ele devora todos os outros monstros. Ou como ele fica mais forte quanto mais monstros devora, então a força de cada um varia entre os indivíduos. Porque isso não era o importante naquele momento.

    — Se entenderam, então vamos recuar bem devagar até sair daqui. Sem provocar aquela coisa, nem por engano. Certo?

    Ninguém respondeu, mas às vezes o silêncio é resposta suficiente.

    Tap, tap;

    O som cuidadoso dos passos ecoava. Todos estavam em perfeita sintonia.

    Ba-dum!

    Em meio à tensão sufocante, conseguimos sair da sala do chefe sem incidentes. Embora tivéssemos dado apenas alguns passos, já que o monstro estava próximo da entrada, senti meu corpo inteiro exaurido. Fechei a porta com cuidado, como se o deixasse terminar a refeição em paz. Mesmo assim, a sensação de alívio só veio quando já havíamos atravessado o santuário dos cultistas demoníacos e o calabouço subterrâneo, chegando de volta à cidade. Foi então que todos soltaram o fôlego contido.

    A primeira a falar foi a sacerdotisa.

    – Q-Que forma horrenda de demônio… ainda estou tremendo.

    Fiquei sem palavras. Ora, até eu mencionar que era de Primeiro Nível, ela parecia mais curiosa do que assustada. O segundo foi o radar.

    — O… o quê?! Um monstro de Primeiro Nível?! O que uma coisa dessas está fazendo ali?!

    Parece que ele estava tão atordoado que nem notou o cenário ao redor.

    — Havia ossos e equipamentos que pareciam pertencer a Aventureiros. Provavelmente foi arrastado para lá junto deles.

    Não dava para saber quando isso aconteceu. Podia ter sido durante o colapso, ou talvez em alguma das primeiras fases de estabilização. Nada de espantoso, nem todos os Aventureiros tiveram a mesma sorte que nós na terceira onda.

    — Uma experiência realmente impressionante… mas, pensando com calma, há algo que me intriga.

    Quem falou agora foi o mago especializado.

    — Um monstro comendo outro monstro… como isso é possível…?

    Ah, isso. Para explicar, teria de começar com sua habilidade passiva.

    Pecado Original, Gula

    Essa habilidade passiva é do tipo aura e aplica Distorção sobre todas as formas de vida dentro de seu raio. Quando atinge monstros, eles deixam um corpo após a morte. Quando atinge humanos vivos, eles vomitam uma pedra de mana ou, com menor probabilidade, derrubam uma das essências que possuíam. E então…

    “Existe até mesmo um efeito onde ele fica mais forte ao comer as essências.”

    Uma habilidade peculiar, digna de um monstro de Primeiro Nível. Achei melhor não explicar tudo para eles, seria apenas motivo de preocupação desnecessária.

    — Guiltygoss, hein… vou pesquisar sobre ele quando voltarmos à cidade.

    Esse cara não para de levantar bandeiras. Quanta coisa ele pretende fazer depois que voltarmos?

    — De qualquer forma, não aconteceu nada, e isso é o que importa. Encerramos a busca e voltamos.

    Depois de um encontro com um monstro de Primeiro Nível, ninguém discordou. Retornamos rapidamente à base e entramos em período de descanso. Mas não demorou muito até surgirem notícias inesperadas, uma pista sobre os companheiros dispersos.

    — Você… viu a Misha?

    A informação veio de um dos três sobreviventes que haviam se juntado ao nosso grupo na última onda. Difícil dizer se era uma boa ou má notícia.

    — Pode garantir o que disse?

    — Sim! Tenho certeza! A senhorita Kalstein estava vagando como nós!

    — …Sozinha?

    O que diabos havia acontecido?


    Depois de conversar mais um pouco, percebi que ele não tinha muito mais a dizer. Antes de se juntar ao nosso grupo, ele contou ter encontrado Misha por acaso, enquanto era arrastado de um lado para o outro em meio ao colapso.

    — Hmm… Mas como tem tanta certeza de que era a Misha?

    — Ela me abordou primeiro, senhor! Perguntou se eu havia visto o Visconde Yandel! Depois, pensando bem, percebi que sua aparência era idêntica à da senhorita Kalstein! Além disso, o monstro que a atacou ficou congelado após ser atingido pela espada dela!

    De fato… com tantas evidências, não havia dúvidas: era mesmo Misha.

    — E depois? O que aconteceu?

    — Isso é tudo. Respondi que não o tinha visto, e logo em seguida nos separamos às pressas. Havia monstros por toda parte…

    — Entendo.

    Depois que encerrei a conversa e o deixei ir, fiquei imerso em pensamentos. Como Misha se separou dos outros membros? Parece que ficou sozinha e passou toda a terceira onda vagando em busca de mim. Mas… ainda estaria viva…

    Ba-dum!

    Meu coração começou a disparar, e pensamentos sombrios se infiltraram na mente. Será que eu devia procurá-la na próxima onda? Mas com o grupo atual, isso é impossível… Talvez eu devesse mudar o plano e seguir sozinho…

    — Bjorn.

    — Ah.

    Ainar se aproximou sem que eu percebesse, tirando-me da espiral de pensamentos.

    — Ouvi o que aconteceu. Parece que Misha está sozinha.

    — Sim, é o que disseram.

    — O que vai fazer?

    Diante da pergunta sobre o que viria a seguir, devolvi outra:

    — E você, o que acha que deveríamos fazer?

    Normalmente eu jamais faria esse tipo de pergunta para Ainar. Mas, dessa vez, eu queria ouvir sua opinião. Talvez fosse apenas o desejo fraco de dividir o peso da escolha com alguém. E como sempre, Ainar respondeu com clareza:

    — Bem, tanto faz pra mim! Podemos ficar ou sair pra procurá-la, vou te acompanhar de qualquer jeito.

    Em outras palavras: qualquer coisa serve. De repente, a lembrança de quando encontrei com a Hyeonbyeol me veio à mente.

    — …Então, no fim, a decisão é minha?

    — É porque confio na sua escolha.

    — Hu…

    Não sabia se deveria achar isso reconfortante ou irritante. Ainda assim, senti minha mente mais leve. Escolher é tanto um direito quanto um dever. Se sempre exerci o direito em nome dos outros, agora é hora de cumprir o dever, mesmo nos momentos difíceis.

    Certo, então…

    — O plano não muda. Vamos continuar com o grupo e sobreviver ao colapso dimensional juntos.

    Tirei de vez o último resquício de indecisão e tomei minha decisão.

    — Misha? Ela vai sobreviver. Disso eu sei.

    Não que eu estivesse sendo indiferente. Apenas concluí que essa era a melhor opção para todos. Se Misha continuasse vagando, ficar num lugar fixo aumentaria as chances de nos encontrarmos. Afinal, o próprio sobrevivente que me deu a notícia só conseguiu se reunir conosco por acaso.

    Ok. Fim da dúvida.

    — Vou descansar um pouco. Ainar, você também deve descansar.

    — Entendido!

    Depois de mandá-la descansar, me deitei no chão de costas. E então, após um tempo indefinido…

    Zzzt…!!!

    Aquele som que já quase me causava estresse pós-traumático ecoou no ar. Levantei num pulo.

    — Todos de pé! O colapso começou…!!

    — Rápido, reúnam-se no centro!!

    A quarta onda havia começado.

    Um pequeno gesto, um grande impacto!

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