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    Fantasma Dourado. Um dos membros dos Sete Poderosos, com quem tive um desentendimento na Ilha da Caveira durante esta mesma exploração. A informação mais marcante sobre ele era a ‘suspeita’ de que o Senhor Urso estivesse preso a um contrato de escravidão dentro daquele clã, sendo explorado por eles.

    “Mas encontrar esse desgraçado aqui…”

    Deve ser pura coincidência. Afinal, nem eu mesmo sabia onde estaria algumas horas depois, este não era um ambiente onde alguém pudesse simplesmente sair à procura de outro. O mesmo valia para mim.

    “Missha ou o clã Anabada não aparecem, mas logo ele sim…”

    Reprimindo o desapontamento, segui na direção de onde os sobreviventes murmuravam. O nome Fantasma Dourado não trazia uma imagem exatamente positiva, mas ainda assim eu precisava ouvir o que ele tinha a dizer. Nunca se sabia que tipo de informação podia trazer.

    — Ah! O senhor chegou, Lorde Visconde.

    — O que eu preciso saber?

    — Nada além do que já informamos. Disse que só conversaria pessoalmente com o senhor.

    — Entendo.

    Deixei Armin de lado e avancei, até que avistei o Fantasma Dourado à minha frente.

    Ele esperava em silêncio, à frente de um grupo ainda maior que o nosso, exibindo-o como uma demonstração de força.

    — Ultimamente, temos nos visto com frequência, não?

    Não mencionei o fato de ele ter me seguido na Ilha da Caveira. Sem provas, tocar nesse assunto seria apenas perda de tempo.

    — Pois é. Parece que o destino insiste em nos cruzar, Lorde Visconde.

    — Então foi por isso que me procurou?

    — Há muitos ouvidos atentos por aqui. Que tal afastarmos nossas pessoas?

    — …Tudo bem.

    Fiz o que ele sugeriu, mandando meu grupo recuar, e ele fez o mesmo com o dele. Mas Fantasma Dourado parecia não satisfeito: tirou de dentro do manto um artefato mágico e o ativou. O design era novo para mim, mas nem precisei perguntar o que era, sem dúvida, um artefato de supressão de som.

    — Pelo visto, você tem mesmo uma queda por segredos.

    — Haha, prefiro pensar que sou apenas cauteloso.

    — Então? Se não tiver mais firulas, fale logo o que quer.

    Não tínhamos intimidade para conversas triviais, então fui direto ao ponto e, conhecendo meu temperamento, ele também foi. Fantasma Dourado revelou sua intenção sem rodeios.

    — Estou disposto a lhe entregar Abman Urikfried.

    …O que esse bastardo está tramando?

    Na Ilha da Caveira, quando tentei levar o Senhor Urso comigo, mesmo assumindo enormes prejuízos, ele recusou categoricamente.

    — Podemos até rasgar o contrato que o prende ao nosso clã, limpando tudo sem pendências. Que tal?

    Nem precisar pagar a dívida do Senhor Urso… Assim que ouvi a proposta, meus instintos se aguçaram. Quando um acordo parece bom demais para um dos lados, é porque tem golpe.

    — Quais são as condições?

    — Entregue-me vinte pessoas de terceiro nível ou superior. Pode incluir alguns de quarto nível, não há problema.

    Por um instante, fiquei atordoado, levei alguns segundos para assimilar o que ele acabara de dizer.

    — O quê…?

    Que tipo de lunático faz uma proposta dessas?

    — Recusado. E, de qualquer forma, mesmo que eu quisesse, não poderia obrigar ninguém a ir.

    Recusei na hora, sem precisar pensar muito. Ele apenas clicou a língua, como se já esperasse essa resposta.

    — Hmm, isso é verdade — Como se nada tivesse acontecido, ele logo fez uma nova proposta. — Então, que tal isto? Nós nos juntamos ao grupo do lorde Yandel. Ah, claro, mantendo a condição de anular o contrato de Abman Urikfried.

    — Está me dizendo que vai me ceder o comando?

    — Não totalmente… digamos que seríamos parceiros. Ambos estamos em uma situação difícil, afinal.

    — Sinto muito, mas se o seu grupo entrar, ficaremos grandes demais. Posso aceitar no máximo vinte pessoas.

    — Hmm, isso é problemático. Todos eles têm contrato comigo, e abandoná-los assim me traria perdas imensas.

    — Nesse caso, a conversa termina aqui.

    — Ah, não, não mesmo.

    Fantasma Dourado balançou a cabeça e me encarou. Bastou olhar em seus olhos para entender, tudo o que ele dissera até agora era apenas isca. O verdadeiro assunto vinha agora.

    — Tradicionalmente os bons negócios são aqueles em que ambos cedem um pouco, não acha?

    Fiquei em silêncio, observando aquele sorriso fingido. Ele pareceu notar que eu não ia responder e parou de rir antes de continuar.

    — Depois de passar por alguns colapsos, cheguei à conclusão de que setenta pessoas é o número ideal. Mais do que isso, só atrapalha.

    — E daí?

    — Então, para ceder um pouco, posso reduzir meu grupo atual de cinquenta e seis para quarenta. Que tal o senhor fazer o mesmo e diminuir o seu para trinta?

    Ah… então era isso. Eu já devia ter imaginado.

    — Está me dizendo pra abandonar gente? Pra abrir espaço pro seu grupo entrar?

    — Estou dizendo pra selecionar só os melhores. Assim aumentamos nossas chances de sobrevivência.

    — E você acha… que isso faz sentido?

    — Por que não faria?

    Fantasma Dourado respondeu com total sinceridade, como se realmente não entendesse o problema.

    — O senhor tem alguma dívida com eles? Ou uma obrigação moral de salvá-los? Por que se deixar levar por sentimentos pessoais numa situação dessas? Está preocupado com sua reputação depois?

    Sentimentos pessoais, é… Mesmo sentindo repulsa pela proposta, não pude negar que havia certa lógica no que ele dizia. Racionalmente, agir daquela forma realmente aumentaria as chances de sobrevivência.

    — Pense bem. E se fosse o contrário? Se sacrificar o senhor sozinho garantisse a sobrevivência de todos, o que acha que eles fariam?

    Não havia muito o que responder. Eu também não era do tipo que acreditava cegamente na tal ‘humanidade’, ou, mais precisamente, nunca considerei a humanidade algo tão sagrado assim. De certa forma, o que Fantasma Dourado dizia era até mais humano: sobreviver é um instinto. Diante do imperativo da sobrevivência, a linha entre o bem e o mal inevitavelmente se apaga.

    — Além disso, não estou falando de abandonar ninguém às claras. Basta ajustar um pouco a formação. Os inúteis, deixamos nas posições externas, e antes que o próximo colapso termine, eles mesmos terão desaparecido. Assim, nem haverá mancha alguma sobre sua reputação.

    — …

    — Mesmo que alguém descubra a verdade, quem o culparia? Os que forem deixados de lado, talvez. Mas os que sobreviverem, esses, com certeza agradecerão por sua decisão.

    As palavras de Fantasma Dourado tinham um certo peso. Ele falava com quem entendia a natureza humana e sabia explorá-la.

    “Esse desgraçado… fala como um verdadeiro vigarista.”

    Mesmo vindo de alguém que eu detestava, havia partes de seu raciocínio que faziam sentido. Mas isso não mudava nada.

    — Recusado.

    Já resolvi essa questão há muito tempo.

    — …Senhor?

    O sujeito inclinou a cabeça, como se tivesse ouvido errado. Então repeti.

    — Eu disse que recuso. Tá surdo? Vai limpar essas orelhas.1

    — …Não entendo. Achei que o senhor e Abman Urikfried fossem muito próximos.

    — E daí?

    — Ha… realmente não compreendo. O senhor é alguém sentimental ou completamente frio? Joga fora antigos companheiros como trapos velhos, mas dá prioridade a gente que mal acabou de conhecer.

    Mas que diabos esse desgraçado tá dizendo? Quando a persuasão falha, ele parte direto pro insulto. Fiz uma última pergunta.

    — Prefere o lado esquerdo ou o direito?

    — …Esquerdo, direito? Do que está falando de repen…

    Tempo esgotado.

    — Faz os dois, então.

    Balancei o escudo na esquerda e o martelo na direita, atingindo o rosto do sujeito ao mesmo tempo. Hmm, o nome da técnica…

    “Hambúrguer Bárbaro.”

    É, soa bem assim.

    Crack!

    O impacto vindo dos dois lados fez o rosto dele se amassar como argila, a cara se esticando pra frente feito borracha.

    — Q-Que diab…!

    Mesmo com o golpe surpresa, parece que não chegou a ficar atordoado. O sujeito tentou recobrar a consciência e recuar.

    — E pensa que vai pra onde?

    Estendi o braço e agarrei o colarinho dele num movimento rápido.

    — O que pensa que está fazendo…!

    Ainda assim, o idiota parecia incapaz de entender e perguntou o motivo. Dei de ombros e respondi.

    — Tá vendo o que eu tô fazendo, não tá?

    Aquele bastardo dourado achou que podia me dar opções, mas escolheu o homem errado. Ou talvez o momento errado. Se fosse no tempo em que eu ainda era um bárbaro de merda, até vá lá…

    — Já me cansei de ser eu quem escolhe.

    O herói conhecido como o Gigante da Cidade. Chefe da tribo dos Bárbaros. Nobre de título em Rafdonia.

    — Agora é você quem escolhe — Não sou mais o que faz a escolha. — Vai morrer aqui, ou seguir a minha proposta.

    Agora sou eu quem dá as opções.


    Será que ele realmente não entende a situação? O bastardo do Fantasma Dourado me encarava com uma expressão abobalhada. Mas, sendo alguém de raciocínio rápido, parece que finalmente chegou à conclusão de ‘negociação impossível’.

    Suuk.

    Ele tirou um artefato mágico do bolso.

    Parece que vai desligar o ‘controle de ruído’ pra pedir ajuda dos companheiros… mas eu não o impedi fisicamente. Só dei um breve conselho.

    — Eu não faria isso, se fosse você.

    — …O quê?

    — Assim que o som sair, vou fazer uma proposta. Pedir pra te abandonarem e se juntarem a mim.

    — Acha mesmo que isso vai funcionar?! Eles têm um contrato comigo…!

    — Ah, é. Eu também ia dizer que, seja qual for o contrato, eu, Bjorn, filho de Yandel, assumirei total responsabilidade quando voltarmos pra cidade. Então podem ficar tranquilos.

    — …!

    — Pensa bem. Que escolha você acha que eles fariam?

    O bastardo dourado ficou sem resposta. Ele também sabia. Sabia que, se chegasse a esse ponto, os companheiros o largariam como um trapo velho.

    Toc.

    Soltei o colarinho e ele caiu no chão, desabando de costas. O Fantasma Dourado fez um gesto com a mão, sinalizando pra sua equipe, que parecia indecisa entre ajudá-lo ou não, que estava tudo bem. E então…

    — …O que deseja de mim?

    Parece que finalmente percebeu que a situação se inverteu completamente. O tom agora era bem mais brando. A essa altura, dava pra dizer que a negociação estava encerrada; só faltava assinar o acordo.

    — Abman Urikfried, exatamente como você disse. Rasgue aquele contrato de escravidão esquisito.

    — Sério… só isso basta?

    — Oh, quer que eu peça algo mais?

    — …Vou ceder.

    Oh, até que foi razoável.

    — Um conselho: quando voltar pra cidade, é melhor não vir com papo de ‘contrato injusto sob coerção’. Tenho amigos bem influentes no meio jurídico também.

    — …

    Hm. Fechou a boca de repente… então era isso que planejava mesmo, hein?

    — O contrato original está guardado na cidade. Em troca, lhe darei este termo de compromisso. Como traz o meu selo oficial, terá plena validade jurídica. Quanto a Urikfried… enviarei de volta assim que retornarmos.

    O Fantasma Dourado então me entregou o documento que anulava o contrato com o Senhor Urso, e com isso toda a negociação chegou ao fim.

    — Boa troca.

    Deixei a despedida no ar, mas o sujeito virou as costas, deixando claro que não queria ter mais nada a ver comigo. Ainda assim, parecia haver algo que ele simplesmente não conseguia engolir sem perguntar.

    Toc.

    De repente, parou o passo e se virou para mim.

    — Por quê…?

    — Vai querer completar o sujeito da frase, não?

    — Por que ficou satisfeito só com Abman Urikfried? Mesmo que pedisse mais, eu não teria como recusar.

    — Ah, isso? É, você não tá errado.

    Francamente, mesmo que eu exigisse uns vinte dos dele e mandasse o resto se mandar, ele teria engolido o choro e aceitado. Se fosse o contrário, esse bastardo teria me explorado até o osso, disso não duvido. Ainda assim, soltei um riso leve e respondi.

    — Você é irritante pra caramba, mas vou considerar que só fez o que fez porque queria sobreviver.

    — …

    — Ah, claro, não que eu ache que o seu jeito esteja certo. É justamente por viver assim que agora tá se borrando todo diante de uma simples ameaça, não é?

    Pode soar meio paternalista, mas esclarecer um cidadão ignorante também é dever de um nobre, afinal.

    — Então tenta ser um pouco mais decente daqui pra frente, tá? Nem eu sabia, mas fazer boas ações de vez em quando… acaba voltando pra você, sabia?

    — …

    Tch. Será que esse cara tem mel na boca? Eu aqui perdendo tempo pra dar bons conselhos, e ele quieto desse jeito.

    — Responda.

    — …

    — Responda.

    Só depois que precisei repetir duas vezes é que ele finalmente abriu a boca.

    — …Você está errado.

    — Oh?

    — Algum dia… com o tempo, saberemos. Quem entre nós estava certo. Seja como for, neste mundo quem sobrevive é que tem razão.

    Tsk, desafiador até o fim. Triste ver um visconde de Rafdonia assim, mas ensinar esse sujeito parece tarefa árdua. Bem, com tratamento físico até pode melhorar por um tempo.

    “Será preciso?”

    Depois de dizer o que tinha a dizer, virei as costas outra vez; não vi motivo para segurá-lo. Só quero de volta o Senhor Urso, não tenho por que me enredar com esse cara.

    — Ah, certo. Espere um pouco.

    Um questionamento me veio de repente e prendi o sujeito que ia embora de costa virada.

    — A propósito, qual é mesmo o teu nome?

    — He… Você nem sabe o meu nome?

    — Não, não o Bill Ironlad, antes de mudar o nome. Dizem que era um nome bem comum.

    — …Por que quer saber?

    Ao sentir o olhar perfurante, ele suspirou pesadamente e respondeu.

    — Hans.

    — …O quê?

    — O nome antigo. Hans Ironlad. Está satisfeito?

    Espere, um momento. Então…

    — Sério…? Você jura pela sua mãe que é mesmo Hans?

    Neguei aquela realidade horrível com a pergunta, e ele tremeu como se ofendido, virando as costas como quem não queria conversar mais. Fitei aquela cena, sem reação.

    Hans P., aquele sujeito é Hans P., e isso me deixou mais incomodado do que qualquer outra coisa.

    “Então tudo o que eu vinha dizendo pra o Hans ser bonzinho até agora foi em vão?”

    Que situação lamentável. Nem dono de fazenda psicopata que alimenta galinhas com omelete como adubo faria algo assim.

    “Deveria ter o acertado na hora!”

    Talvez ainda não seja tarde. Ao pensar nisso, a mão que segurava o martelo apertou com força sem que eu percebesse.

    Tec…

    Uma anomalia sinistra foi detectada. Este Grande Labirinto não é um campo onde deveria chover.

    Tec, tec…

    Gotas começaram a cair no chão. Como se uma chuva estivesse prestes a desabar. Continuamente.

    Tec, tec, tec…

    Gotas grossas e pesadas que encharcavam o solo. Logo, vi as bolhas subirem onde elas caíam, fervendo. E assim compreendi o que estava acontecendo.

    Chiiiiiiiiiiik…!

    Merda.

    — Preparem-se para o combate!!!

    Já era tarde demais.

    1. MrRody: Fato curioso, mas o nome do Fantasma Dourado pode ser interpretado como Orelhas Douradas, o que levou o autor a usar este trocadilho.[]
    Um pequeno gesto, um grande impacto!

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