Capítulo 868: Influxo (3/5)
Estavam loucos? A princípio, foi essa a sensação, assombro e incredulidade. Mas, pensando melhor, não era um fenômeno tão difícil de compreender. Convenhamos.
Um jogo que faz as pessoas desaparecerem? É uma lenda urbana interessante o suficiente para despertar a curiosidade. Não, na verdade, não é nem apenas uma lenda. É algo que está realmente acontecendo.
Com os rumores se espalhando, era natural que o número de novatos explodisse. O problema é…
“Não dá para olhar para isso de forma tão simplista assim.”
Por que até agora nada disso tinha acontecido? Por mais que o tempo na Terra corra muito mais devagar do que aqui, já tinham se passado quase vinte anos desde que o primeiro espírito maligno vindo da Terra apareceu neste mundo. E, ainda assim, ninguém sequer desconfiou de que o jogo tivesse qualquer relação com ‘desaparecimentos’. Nem mesmo houve um rumor semelhante. Resumindo…
“Alguém estava bloqueando essas informações de propósito.”
Só que, de repente, a informação se espalhou. Será mesmo coincidência? Claro, existe essa possibilidade. Talvez, na hora de zerar o jogo, tivesse alguém por perto e os relatos tenham começado a circular. Ou então alguém investigou obstinadamente os desaparecimentos. Ambas as hipóteses são plausíveis.
Afinal, o próprio motivo de Hyeonbyeol começar o jogo foi o meu desaparecimento.
Porém…
“Tem algo aí que não me cheira bem…”
Para início de conversa: quem diabos criou a versão hackeada? Será que um civil comum, só mexendo no código, conseguiria transformar um jogo em algo que arremessa alguém automaticamente para outro mundo ao ser concluído? Duvido muito. É bem mais convincente pensar que os mesmos desgraçados que nos jogaram aqui resolveram mudar de ideia e distribuir o tal cheat.
“Então… essa enxurrada de novatos entrando agora também é obra deles?”
Por enquanto, essa parece ser a possibilidade mais provável. Mas não consigo entender as intenções deles de forma alguma. Será que decidiram partir para uma abordagem de força bruta com números porque o Portão do Abismo não deu sinais de abertura, não importa quantas pessoas eles enviassem?
— Uf, como é que eu vou saber o que se passa na cabeça daqueles desgraçados…
— Hein?
— Nada. Só falei comigo mesmo.
Enfim, ouvindo o GM, soube de várias coisas bem lamentáveis. Com a lenda urbana se espalhando, mais e mais pessoas começaram a jogar. E a versão hackeada foi alterada, criando até um modo de dificuldade trezentas vezes maior? E agora qualquer pessoa sem nenhum conhecimento prévio consegue zerar de primeira e é arrastada para cá sem nem saber como…
“Caramba…”
Consigo até visualizar o futuro dos novatos sendo triturados no momento em que o Labirinto abrir. Eu, que já tinha experiência, quase fui para o saco pisando numa armadilha…
— …
Meu coração estava pesado. Não há nada que eu possa fazer?
“Seria um desperdício apenas deixá-los morrer.”
Hmm, terei que pensar seriamente sobre isso.
Chefe de uma raça inteira. Visconde de Rafdonia. Do clã Anabada…
Não, vamos deixar isso de lado por enquanto. De qualquer forma, não gosto de ficar parado apenas observando.
Afinal, já não sou mais o bárbaro pelado com um único escudo para me defender.
Depois disso, o tempo passou depressa. Se eu fosse organizar tudo o que aconteceu nesse meio-tempo, houve uma porção de eventos. Participei de uma reunião da família real, e também compareci ao encontro das raças.
— Você mentiu, não foi? Sobre o Sangue Puro.
Ah. O chefe da raça dos elfos, que encontrei na assembleia racial, nem piscou diante do meu olhar atravessado e do meu evidente desconforto. Só me ignorou.
— Todos devem saber, já que receberam o comunicado oficial da família real.
— Tsc… Se mandam um documento coercitivo daqueles, querem que façamos o quê?
— Apoiar o armamento dos jovens que se tornarão aventureiros, isso eu até entendo. Mas como pretendem criar três mil novos aventureiros do nada?
— Hã? Fale, ora! Se é representante dos humanos, tenha a decência de dizer alguma coisa!
— A-ah, bem… Rafdonia está enfrentando uma grave crise nacional no momento, então precisamos unir forças…
A reunião acabou se tornando nada mais que um campo de tiro onde descarregavam sua frustração contra a realeza, e, no fim, o comunicado enviado pela família real não foi revogado. Enfim, com isso o encontro terminou.
— Oh, finalmente veio. Tomou sua decisão?
— Metade dela, por enquanto.
— Metade, é…
Armin apareceu logo em seguida, trazendo uma condição sobre a proposta de recrutamento.
— Não consegui convencer todos a aceitar acompanhar-nos até o Primeiro Subsolo, mas concordaram em explorar o Labirinto junto conosco por enquanto. Disseram que querem decidir com mais cautela quando o assunto for o Primeiro Subsolo.
— Hm…
— Não posso dar uma resposta definitiva, mas mesmo que não possamos ir juntos até o Primeiro Subsolo, até lá pretendemos apoiar integralmente Vossa Senhoria e seguir suas ordens. O que acha…?
O que eu acho? Simples.
—Vamos fazer isso.
Aceitei sem hesitar. Não havia nada a perder. Não seria agora que desceríamos ao Primeiro Subsolo de qualquer maneira. Era melhor formar o grupo primeiro, depois disso, recrutar novos membros seria muito mais fácil.
— Então vou indo.
— Sim, vá com cuidado.
Depois de encontrar Armin, não saí mais para recrutar membros, mas ainda assim fiquei bastante ocupado. Checar as notícias diariamente era o mínimo. Além disso, visitava com frequência o Santuário para acompanhar os jovens guerreiros que fariam a primeira incursão no Labirinto assim que ele abrisse. Bom, na verdade, eu só aparecia de vez em quando para fazer discurso e treinar a cabeça deles, o treinamento real ficava por conta de Ainar e Kharon.
— Behel–LAAAH!
—Quebre a cabeça do Hans no momento em que o vir!
E havia outra obrigação especial, caso surgisse…
“Aquele maldito Mestre da Guilda.”
Ele insistiu tanto que acabei arrumando alguns dias para rodar campanha eleitoral ao lado dele.
A nova inscrição do meu nome na Pedra da Honra. A história heroica de ter salvado inúmeros aventureiros durante o Colapso Dimensional. Somada ao fato de que o número de aventureiros de alto nível despencou recentemente. Todos esses fatores combinados surtiram efeito, e o mestre de guilda, depois de receber publicamente meu apoio, conseguiu evitar a demissão e manteve o cargo. Pelo visto, o pessoal da guilda passou a acreditar que eu era seu apoiador… e eu não me dei ao trabalho de desmentir. Afinal, esse era o acordo desde o começo, e…
—É-É, aqui está…
—Se você terminou de falar, solte minha mão de uma vez.
— …Ngh!
Contanto que eu receba o que me é devido, isso é tudo o que importa. Além disso, ter o chefe de uma organização gigantesca como a Guilda de Aventureiros sob minha influência também era uma coisa boa.
Depois de receber o Coração de Dragão, fui imediatamente à Terra Sagrada e revivi o xamã. Hmm, reviver é o termo certo para isso? De acordo com o jovem xamã, que até derramou lágrimas querendo salvar seu mestre, levaria tempo até que ele recuperasse a consciência.
“Quando o xamã acordar, poderei continuar a inscrição das marcas…”
Embora ainda não tivesse reunido os materiais, iria fazê-lo aos poucos. Desde que saí daquele quarto, tudo parecia avançar sem tropeços, e senti minha motivação brotar. Seguindo sem ganância, passo a passo, um dia chegarei ao Primeiro Subsolo.
“E o projeto Caça-Fantasmas também está progredindo de alguma forma.”
A pesquisa do GM finalmente deu resultados, e o primeiro teste foi concluído há alguns dias. Embora a comunidade estivesse vazia, apenas comigo e o GM. Ele disse que transferir o servidor que os jogadores existentes usavam exigiria mais pesquisa, ou algo assim? Ele não parecia muito confiante quando disse isso, então estava um pouco duvidoso, mas não estava muito preocupado. Se não puder ser feito, teriamos apenas que nos virar.
Enfim.
Chak…!
Folheei o jornal antes de começar minha agenda do dia. Se as recordações até agora eram sobre como eu passava meus dias anteriores, então tudo sobre como o mundo exterior mudou estava contido nestes jornais. Sobre como a família real Rafdoniana finalmente suspendeu as execuções dos cidadãos de Noark devido à oposição dos cidadãos.
Sobre como os preços dispararam loucamente novamente, como se alguém os tivesse manipulado, aumentando a ansiedade em todo o país.
Sobre como, na taxa de consumo atual, as reservas de pedras de mana se esgotariam dentro de alguns meses, acompanhado de estatísticas profissionais que normalmente nunca chegariam a um artigo.
Eram todas notícias estressantes só de ler, mas eu não podia simplesmente fechar os ouvidos para elas, então li o jornal todos os dias sem falta.
Mas…
“Claro… estão estragando o humor logo de manhã.”
A manchete do dia também me fez franzir o cenho assim que bati os olhos.
Tempos caóticos, taxa de registro de aventureiros atinge recorde histórico.
Jovens heróis em ascensão.
Emergência de heróis, a minha bunda. Atualmente, a cidade inteira estava criando uma atmosfera onde aqueles que se recusassem a entrar no Labirinto eram tratados como os maiores covardes do mundo.
Não, estava chegando ao ponto em que são tratados como traidores. Tudo isso foi por causa das maquinações da família real.
Aventureiro aposentado decide retornar ao Labirinto. A família está preocupada, mas apoia.
Jovens reclamam: queremos nos tornar aventureiros o quanto antes para ajudar.
Com veteranos retornando e crianças que nem chegaram à maioridade dizendo que querem entrar no Labirinto o quanto antes, como não criar esse clima? Enfim.
“Logo vai aparecer.”
Na verdade, eu já sabia exatamente qual seria a próxima notícia. Depois de moldarem a atmosfera assim, o que viria a seguir era óbvio: iriam dizer que pretendiam usar Noark como aventureiros. E depois iriam exigir que vivessem confinados em Bifron. E vão apresentar uma série de dispositivos legais para contê-los, tentando sufocar o medo e a indignação pública.
— Tsc.
Fechei o jornal e o joguei de lado. No instante em que me levantei para me aprontar, Missha correu até mim.
— Aonde você vai hoje, nyah?
— Para o palácio.
— Hã? Por que lá? Não há reunião do conselho real hoje, há?
— Ah, meu pedido de audiência foi finalmente aceito.
— Ehhh? Uma audiência?
Missha se assustou, mas como não havia muito tempo antes do meu compromisso, saí de casa sem dar uma explicação detalhada.
E então…
— Huu…
O Palácio Imortal localizado no centro dos doze palácios… Não, o Palácio do Novo Mundo. Bem, talvez a distinção seja sem sentido. Se as palavras do Marquês Tercerion forem verdadeiras, esses dois podem ser a mesma pessoa.
Ah, para constar, não consegui ver o rosto do Rei do Novo Mundo como eu esperava.
— Faz um tempo.
— Onde está o Rei do Novo Mundo?
— …Você não deveria ser um pouco mais cauteloso com suas palavras?
Quando lancei um olhar a dizer-lhe para não fazer observações inúteis, Astarota, que veio me cumprimentar, sorriu e me conduziu para dentro. E mais uma vez, eu tive que perguntar.
— Onde está o Rei do Novo Mundo?
— Ele está dormindo, exausto de lidar com os assuntos de Estado.
Exausto de lidar com assuntos de Estado, a minha bunda.
Ele provavelmente está dentro daquele estranho dispositivo mecânico, tentando manter o pouco de vida que lhe resta. Pelo que parece, ele não saiu nem uma vez desde aquela época…
—Se vai ser assim, por que aceitou meu pedido de audiência?
Não pude evitar a ponta de irritação que surgiu na minha voz. Hah, eu naturalmente pensei que levaria tempo para acordá-lo ou algo assim, então esperei pacientemente até agora. Mas tudo o que vejo é o rosto desse cara.
—Acredite ou não, Sua Majestade o Rei me delegou bastante autoridade. Honestamente, para ser franco, eu provavelmente sei mais e posso fazer mais do que o atual Primeiro-Ministro, você não diria?
—Então você está dizendo que se eu tiver algo a dizer, devo dizer a você?
Astarota deu de ombros, como quem diz ‘obviamente’, e então, sem mais queixas, fui direto ao ponto.
—Dê-me o Departamento Secreto de Segurança.
Ah, isso foi muito direto?
—…?
Vendo o olhar de total incompreensão em seu rosto, adicionei gentilmente uma explicação.
—Decidi que quero me tornar um caçador de espíritos malignos.
Ele é um cara esperto, então isso deve ser o suficiente para ele entender. O que é que estou dizendo.

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