Capítulo 230: Reversão (6/6)
— Você está acordada?
Com o gosto distinto da poção ainda na ponta da língua, Missha Karlstein abriu os olhos. A primeira coisa que viu foi Abman.
— O-O que aconteceu? Nós vencemos? — Missha perguntou no momento em que sua visão clareou, tentando recordar a resposta. Sua memória não estava perfeita e parecia se cortar intermitentemente.
— Protejam a Raven!
O Coletor de Cadáveres havia se transformado em um esqueleto e avançado sobre ela. Ela não conseguiu resistir a um único ataque e foi nocauteada.
Bang! Bang!
Então, ela foi despertada por um estrondo ensurdecedor a tempo de ver Bjorn deitado de bruços com as duas mãos plantadas no chão, lutando para protegê-los. Essa foi sua última memória.
— Eu não sei se vencemos, mas estamos seguros por enquanto. Pelo menos nossos inimigos recuaram.
— Mesmo? Isso é um alívio. Mas alguém está m-morto…?
O rosto de Abman caiu de uma maneira que sugeria que alguém realmente havia morrido. Quando ele viu o olhar nos olhos dela, no entanto, ele rapidamente voltou atrás. — Ah, não surte. Todos no nosso time sobreviveram. Aquela elfa foi quem morreu.
— E-Elfa…? — Ela estremeceu com essas palavras. — Foi a Erwen? — Embora não pudesse ser dito que tinham uma boa relação, a pergunta carregava uma tristeza genuína do fundo de seu coração.
— Não, foi a irmã dela que morreu. Ela se colocou por cima da Erwen no final e a protegeu da explosão.
— …E o que aconteceu com a Erwen?
— Ouvi dizer que ela teria morrido se tivesse sido tratada mais tarde. Eu não sei se ‘felizmente’ é a palavra certa aqui, mas ela está inconsciente agora. Eu me preocupo com o estado mental dela quando acordar.
Entendo…
Missha ouviu enquanto ele a atualizava sobre o status do resto da equipe. Raven também havia perdido a consciência e a Ainar havia acordado cedo, indo procurar Bjorn.
— Mas, não vá. Eu também queria ficar ao lado dele, mas a sacerdotisa me expul… Você não vai ouvir de qualquer maneira, né. É por ali.
Missha pediu a direção correta a Abman e partiu. Agora que a batalha havia acabado, a Floresta dos Goblins estava muito brilhante graças às chamas flutuando por toda parte.
Tap, tap.
Missha caminhou e caminhou entre os aventureiros. Ela viu alguns sentados no chão nu para descansar, e outros chorando. Alguns estavam alegremente bebendo álcool, e outros estavam ocupados carregando soldados-cadáveres imóveis e jogando-os nas chamas.
— Oh! É a mulher-gato da equipe de Yandel! — Enquanto caminhava em silêncio, os aventureiros iniciavam conversas com ela.
— Você vai ver o Yandel? Ele deve estar ali.
— Hmm, no entanto, eu aconselharia a não ir.
— Sim, você deve estar preocupada com seu colega de equipe. — Alguns faziam comentários estranhos.
Por outro lado, alguns falavam com facilidade. — Oh, não se preocupe. Esse cara não pode morrer.
— Bjorn, filho de Yandel, é imortal!
— Ouvi dizer que ele também quase matou o Coletor de Cadáveres. E que, se não fosse pelo Erudito Caído, ele teria vencido. Ele vai se tornar incrivelmente famoso quando estiver lá fora.
Todos os tipos de aventureiros reconheciam a grandeza de Bjorn. Quanto mais ela ouvia, mais rápidos ficavam os passos da Missha. Logo, apareceu uma tenda. Vários outros aventureiros também estavam reunidos ali.
— Ah, a Srta. Karlstein está aqui. — A primeira coisa que ela viu foi Ainar discutindo com Kyle Pevrosk na frente da tenda. — Por favor, desculpe-me por estar sentado. Na verdade, até estar acordado é um exagero agora.
— Por que você não me deixa entrar!?
— Eu já te disse. A sacerdotisa está até arriscando a vida para salvá-lo. Então, por favor, abaixe sua voz se você realmente quer ajudá-lo.
— Mas…!
— Ainar, pare! — Missha rapidamente se moveu para parar Ainar. Ela não sabia o que estava acontecendo, mas estava claro que a Ainar não estava ajudando.
— M-Missha! Você está acordada! — Ainar a cumprimentou animadamente, mas Missha correu até Kyle para perguntar sobre a condição do Bjorn.
Era aterrorizante só de ouvir sobre isso. Aparentemente, o veneno havia sido pulverizado em todo o rosto e olhos dele, dissolvendo tudo em seu caminho. — Parece que o veneno derreteu seus ossos e entrou um pouco no cérebro.
Ela se sentiu sufocada e tonta. O mundo inteiro parecia nadar diante de seus olhos como se estivesse embriagada.
— …Você pode entrar agora. — A sacerdotisa saiu da tenda com uma tez pálida.
Missha entrou, sem conseguir nem mesmo dizer obrigada. — Bjorrrn…
Ela o avistou adormecido em uma cama improvisada feita de várias camadas de sacos de dormir. Externamente, ele parecia bem. Embora ele tivesse ficado com cicatrizes parecidas com queimaduras no rosto, nada parecia sério, pelo menos.
— As cicatrizes desaparecerão gradualmente com o tempo. Eu não tinha poder suficiente para isso…
— De verdade… Obrigada…
— Não foi nada. Comparado ao que ele fez, eu não fiz nada. Enfim, devo ir descansar agora…
A sacerdotisa saiu e Missha ajoelhou-se ao lado de Bjorn. Ela acariciou seu rosto. Por algum motivo, ela se lembrou do tempo em que foram perseguidos pelo Lorde do Terceiro Andar, mas isso era completamente diferente daquela vez. Naquela época, ele dormiu confortavelmente, como se tivesse feito tudo o que precisava fazer. Ela se lembrava de pensar que ele parecia um herói. Depois daquele dia, houve muita coisa parecida. Bjorn realizou muitas coisas e foi reconhecido por novas pessoas de acordo. Houve momentos em que Missha estava bastante satisfeita e orgulhosa disso.
— Por que você…
Mas o rosto dele agora? Parecia triste e aflito. Parecia que ele estava se culpando.
Grrrp.
Missha cerrou os punhos, incapaz de terminar sua frase. Ela achou que já sabia o motivo daquela expressão em seu rosto. Não havia como ela não saber, já que estava ao lado deste homem, observando-o, por muito tempo.
“Erwen… Ele provavelmente pensa que é culpa dele.”
Swip.
Missha tirou a mão do corpo do Bjorn. Ele ainda não havia recobrado a consciência, mas cada vez que sua mão tocava sua pele, seu corpo se contorcia como se estivesse convulsionando. Quanto ele deve ter sofrido para este homem de ferro estar nesse estado?
— Agora…
Missha fechou os olhos e rezou fervorosamente. Deus nunca havia escutado suas orações, mas ela juntou as mãos e rezou, mesmo assim, para que o homem deitado diante dela nunca mais fosse reconhecido novamente1.
Quando abri os olhos, todo o time estava reunido. Enquanto nos cumprimentávamos, a sacerdotisa entrou e verificou como eu estava. Eu conseguia ver bem. Meu sentido de olfato também estava normal. Mas o resto do meu corpo não conseguia se mover muito bem. Minhas terminações nervosas estavam vivas, mas a força não chegava adequadamente aos meus braços e pernas, e se eu forçasse, começavam a tremer.
— Isso é um fenômeno comum para aqueles que sofrem lesões cerebrais. Se você descansar por cerca de um mês, ficará bem.
— Entendi. Obrigado.
Enquanto a sacerdotisa saía para encontrar Kyle, meus colegas de equipe me informaram sobre o que aconteceu após meu colapso. Restava menos de uma hora até o final do sétimo dia agora.
— Alguma emboscada?
— Nenhuma.
Eles me disseram que Erudito Caído e o Palhaço não haviam retornado enquanto eu estava inconsciente. Bem, o que eles poderiam fazer sozinhos? Levaria tempo para se recuperarem, e os soldados cadáveres que o Palhaço havia deixado para trás foram todos queimados, então faltavam números. Além disso, era difícil chamar reforços, já que levava um dia apenas para subir ao terceiro andar de novo. Subir e descer levaria dois dias.
“Erudito Caído, com sua personalidade, não iria em primeiro lugar, não importa o quanto o Palhaço insistisse. Ele não é alguém que age por vingança.”
Não, espere. Enquanto conversava com meus colegas, lembrei de algo que havia esquecido. Por que não me lembrei disso até agora?
— Ah! Erwen. O que aconteceu com a Erwen? — Perguntei apressadamente, e um momento de silêncio se seguiu. Meus colegas me olharam com expressões sombrias no rosto. — …Então ela está morta.
— Não, foi a irmã dela que morreu.
— Irmã dela?
Ouvi os detalhes do Sr. Urso, um breve relato de Daria usando teletransporte de curto alcance pouco antes da explosão para se sacrificar por sua irmã. O peso da morte me tocou novamente. Este era realmente um mundo que se movia rápido. Tudo havia acontecido em um instante. Ninguém poderia ter impedido, e Daria nem sequer teve a chance de deixar um testamento no momento de sua morte. Foi bom ter ouvido isso com antecedência.
— Onde a Erwen está agora?
— …Ela está lá.
— Lá?
— Sim. Lá.
Queria ir até lá, mas no momento em que tentei levantar meu corpo, minha força falhou.
— Me dê seu braço.
Eventualmente, com a ajuda do Sr. Urso, consegui sair da tenda. Como se fosse por acaso, Kyle apareceu. — Você está acordado.
Enquanto conversava com Kyle, movi-me lentamente para onde a batalha havia ocorrido. — Há muitas pessoas aqui, o que aconteceu?
— Essas são pessoas que vieram depois da batalha. Cerca de mil pessoas em quatro grupos separados.
— Mil…?
— Deixamos marcas pelo caminho, lembra? Uma vez que os times foram formados, eles nos seguiram para o leste e depois o restante do caminho.
“Entendi. Gostaria que eles tivessem chegado um pouco antes. Se tivessem… O que você está pensando agora?”
Continuei andando, sacudindo meus arrependimentos e ressentimentos. De que adiantava ficar amargurado pelo passado?
— Oh, é o Bjorn, filho de Yandel!
Enquanto caminhava com Kyle, aventureiros me reconheceram e vieram falar comigo. Eles queriam sair e tomar umas bebidas depois, ou pagar dívidas em nome de seus clãs. Alguns até prometeram ser os primeiros a me ajudar quando eu estivesse em apuros e me agradeceram. Mas nenhum deles ofereceu uma única palavra de consolação.
— …Não pense mal deles. Dizem que heróis não são do tipo que recebem conforto dos outros.
Eu não sabia que tal provérbio também existia neste mundo, mas não pensei mal deles de qualquer maneira. Todos eles também fizeram muitos sacrifícios. Era porque estavam magoados que podiam rir enquanto falavam.
— Senhor… — Quando cheguei ao meu destino, vi Erwen. Ela estava de joelhos, agarrada firmemente ao corpo da irmã, que estava rígido e coberto de queimaduras. Suas bochechas, cheias de sangue e manchas de sujeira, tinham marcas claras de algo escorrendo por elas.
— Venha aqui.
Erwen balançou a cabeça.
— Está quase na hora de descer. Você vai ficar aqui sozinha?
— Eu… não estou sozinha.
Removendo meu braço do ombro de Abman, cambaleei em direção a Erwen e dei um tapinha nas suas costas. — Ouça-me. Agora sou seu guardião.
— …Como?
Eu contei a ela sobre o testamento que Daria me havia passado. Não era longo. Aquela mulher havia pedido que eu cuidasse da irmã dela em caso de sua morte. Para referência, ela me contou isso antes mesmo que os guardas reais tivessem escapado pelo portal, mas ela já poderia ter tido uma intuição de que algo assim aconteceria.
— Senhor… minha irmã, minha irmã está…! Ela não está mais se movendo. Ela não pode falar. Ela está fria e dura. E eu ainda não fiz nada por ela… — Logo, Erwen jogou os braços ao meu redor. — O que eu digo para minha irmãzinha, aquela criança? Que depois da mamãe, até nossa irmã mais velha está morta? E por minha causa?
Fiquei parado e ouvi as palavras saírem dela. Não a consolei nem disse que não era culpa dela, ou que Daria escolheu fazer o que fez. Apenas esperei até que ela terminasse. Não sabia quanto tempo ficamos ali.
— Yandel, temos que ir agora.
Era hora de descer para o primeiro andar. Juntos com a Erwen, recuperei o corpo da irmã dela. Foi melhor do que com o Dwalkie. Desta vez, havia um mago por perto que poderia usar magia de distorção. O funeral poderia ser realizado na cidade.
— Vamos para casa.
Eu guiei Erwen de volta ao nosso time. Missha e Ainar, que não estavam em bons termos com ela, não disseram nada. Pareciam querer se aproximar dela, mas não conseguiam por medo de machucá-la.
“Eu nunca vi a Ainar assim.”
Logo, estávamos na frente do portal no centro da Floresta dos Goblins. Eram 23:50h. O relógio apontava para o final de uma longa jornada.
— Vamos, vamos para casa!
— Woahhh!
Começando com as equipes no centro, descemos para o primeiro andar uma por uma. Mesmo que Berzak fosse assustador, eu tinha certeza de que não apareceria dentro de dez minutos.
— Yandel! Eu te vejo na cidade!
— Você se lembra do meu nome? Vou te procurar novamente.
Os aventureiros na nossa frente entraram no portal e então foi a nossa vez.
【Você entrou na Caverna de Cristal no primeiro andar.】
A caverna parecia ainda mais assustadora do que antes. Mesmo enquanto eu me movia para permitir que os aventureiros atrás de nós descessem, continuei verificando o tempo. Restava apenas um minuto para o labirinto fechar. Não parecia real. Realmente acabou?
Tum!
Sim, tinha que estar acabado. Com um minuto restante agora, o que Berzak poderia fazer?
— Malditos bastardos reais.
— Quando eu voltar, não vou nem mijar na direção deles.
A raiva contra o palácio irrompeu das bocas dos aventureiros que estavam convencidos de sua sobrevivência.
“Uh, você ainda deve tomar cuidado com suas palavras.”
— Gente, não digam nada estranho mesmo depois de voltarem. — Eu adverti meus companheiros de equipe para não amaldiçoar o rei na frente de ninguém.
【O labirinto está agora fechado.】
【Você está sendo transportado para Rafdonia.】
Uma luz branca pura apareceu além das minhas pálpebras, a luz do mundo exterior pela qual eu ansiava tanto.
Tum!
Logo, a luz desapareceu e um céu claro apareceu à vista. Estudei meus arredores sem expressão.
“Eles estão todos mortos de verdade.”
A Praça Dimensional, que sempre estava lotada, estava incrivelmente vazia. Uau, quantas pessoas estavam mortas?
— Woahhh!
Mesmo enquanto eu ouvia os aplausos ao meu redor, meu olhar naturalmente deslizou para uma direção específica.
— É um portal!
— Porra, seus bastardos!
No centro da praça onde o portal havia se aberto, centenas de pessoas a mais estavam surgindo, e aqueles que haviam desistido apareceram um por um. Todos pareciam exatamente como dias atrás. Com o tempo funcionando no labirinto, mesmo através de portais separados, todos saíram ao mesmo tempo.
“Eles nunca serão capazes de imaginar pelo que passamos.”
Ao ver suas aparências excessivamente normais, deixei-me desabafar algumas de minhas queixas. E naquele momento…
Shaaaaa!
Um enorme círculo mágico floresceu no centro da praça onde os portais haviam se aberto.
— Uh… hã?
Por um momento, o tempo pareceu passar em câmera lenta. Mas na verdade, tudo aconteceu em um instante.
Tum!
Sentindo algo estranho, cavaleiros perplexos, elites de clãs e os melhores aventureiros rapidamente tentaram se distanciar do que estava por vir.
Baaaaaang!
Uma explosão.
Shaaaaaa!
Uma rajada de fogo me atingiu e me empurrou para trás. Caindo no chão e rapidamente levantando minha cabeça, vi um pilar de fogo vermelho-ardente subindo ao céu. Era como assistir ao fim do mundo.
De repente, uma voz ecoou em minha cabeça, as últimas palavras que o Erudito Caído me disse. — Parabéns. Por ser o único vencedor.
- SMCarvalho: Vou tentar explicar o que eu entendi para que ninguém fique confuso. A Missha sente que quanto mais famoso/reconhecido o Bjorn fica, mais em perigo fica a vida dele, como alguém que se preocupa com o bem estar do Bjorn, ela não quer isso, pois deseja que ele tenha uma vida longa.[↩]
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