Capítulo 662: Companheiro (1/4)
A maldição da Bruxa que cobriu o mundo desde tempos antigos era parecida com um tipo de radiação. Depois que a maldição se abateu sobre o mundo, todo o continente virou uma terra morta onde nada podia crescer. Apenas Rafdonia conseguiu evitar essa catástrofe…
Pelo menos foi o que seus cidadãos acreditaram.
No entanto, não havia sinal da maldição da Bruxa fora dos muros. Na verdade, a maldição que acreditávamos ser da Bruxa não existia.
— O mundo lá fora está perfeitamente bem. As plantas estão crescendo, e se você chegar perto, verá insetos comendo grama. O mesmo acontece com os animais selvagens.
Assim como um jogador Noarkiano mencionou em Caça-Fantasmas, o mundo fora dos muros não estava tomado pela morte.
“Bom, isso também não significa que esteja em um estado normal.”
Fiquei à beira do penhasco e olhei para o mundo cinzento. Apenas o sol que se erguia à distância queimava brilhante, deixando-me inquieto.
— …Então o mundo nunca voltou ao normal.
Exatamente como o GM disse, o mundo estava longe de ser normal. Contudo, isso apenas gerava mais perguntas. O palácio nunca havia dito uma única palavra verdadeira.
“Que papo de radiação é esse…?”
Não havia veneno contaminando o ar. Não, o mundo havia terminado de forma diferente.
Não que eu soubesse por que o palácio escondeu a verdade…
— Acho que agora entendo por que o palácio distorceu a verdade.
— Hmm?
O GM abaixou o telescópio… De onde ele tirou isso? …e continuou — Como poderiam contar aos cidadãos dentro dos muros? O fato de que este mundo está caminhando para a destruição.
— …O que você quer dizer?
— Olhe lá embaixo. — O GM apontou para a fronteira entre as ondas cinzentas e a terra enquanto me entregava o telescópio. — É muito lento, tão lento que é difícil perceber a olho nu, mas a área está se expandindo aos poucos.
Olhando para o ponto que ele indicava, pude ver que a cor cinza avançava lentamente sobre a terra.
— O problema… é que provavelmente não é assim só desse lado.
— O que isso significa?
— Aqueles que deixaram as muralhas do castelo não retornaram à cidade recentemente? Isso provavelmente também está acontecendo no lado oposto do continente.
— Mas por que eles teriam um motivo para voltar à cidade? Se for como você disse, a cidade não cairia primeiro?
— Bem, talvez eles tenham alguma informação que nós não temos. Talvez, mesmo que a fronteira atravesse a cidade, ela não consiga penetrar o círculo mágico de proteção.
Era uma previsão nada típica de um mago e sem base concreta.
“Mas ele provavelmente está certo.”
Os Noarkianos realmente invadiram a cidade. Isso significava que Rafdonia possuía uma maneira de sobreviver. O que eu não sabia, no entanto, era exatamente o que era isso.
“Vou ter que descobrir o resto sozinho, explorando.”
Desci para a praia com o GM e investigamos algumas coisas, mas infelizmente não encontramos muito. Para resumir nossas poucas descobertas…
Boom!
Primeiro, aquela terra cinza representava a morte. Qualquer objeto que a tocasse perdia a cor e congelava como uma pedra.
Além disso, eu ainda não havia testado com uma pessoa. Perguntei-me se alguém poderia resistir, caso tivesse Resistência à Mana suficiente, mas não fui corajoso o bastante para testar em mim mesmo.
— É… um cadáver.
A segunda coisa que encontramos foi um esqueleto em uma caverna perto da praia. Parecia ter pelo menos alguns anos, mas não conseguimos descobrir mais nada mesmo após vasculhar a área.
E o mais importante de tudo, a terceira descoberta.
— Nesse ritmo, levará dez anos para a erosão alcançar a muralha externa do Distrito Dez.
Se a fronteira cinza continuasse avançando na mesma velocidade, os cálculos indicavam que levaria dez anos para atingir a cidade.
Bom, não haveria problema se ela não conseguisse penetrar o círculo mágico de proteção que cobria toda a cidade.
— Vamos parar nossa investigação aqui e voltar.
— Estamos voltando para a cidade?
— Não podemos ficar aqui para sempre. Você não quer voltar para casa?
Os olhos do GM se arregalaram com o meu sorriso, como se não acreditasse que eu diria algo tão normal.
— E então? Você não quer…
— Não! Vamos! Rápido!
Uau, era um pouco triste ver o entusiasmo dele em voltar. Achei que nós dois tínhamos nos aproximado um pouco.
— Certo. Vamos.
Após deixar a praia, seguimos em direção às muralhas conversando.
— Havellion, não acha isso um pouco estranho?
— O que você quer dizer?
— O fato de ninguém saber sobre isso ainda. Tenho certeza de que é possível ver o mundo lá fora do topo das muralhas do Distrito Dez, mas não ouvi um único boato sobre isso.
— Então… Suponho que você nunca esteve no topo das muralhas, Lorde Barão?
— Hã? Não, já estive lá. — Expliquei como vi a natureza se estendendo no mundo exterior a partir do topo das muralhas de Bifron.
O GM assentiu, entendendo. — Isso porque Bifron é um caso especial. Todas as outras muralhas possuem magia de ilusão aplicada, mas pelo que sei, Bifron é o único lugar na cidade onde essa magia tem um problema.
— …Ah, é mesmo?
— Não é algo que alguém de fora saberia, então não se preocupe com isso. Ah, e os soldados e cavaleiros que patrulham as muralhas de Bifron acham que a natureza vista no mundo exterior é resultado da magia de ilusão.
Essa era a primeira vez que eu ouvia sobre isso. Talvez fosse algo esperado de um mago de posição elevada e longa vida. Ele sabia muitas coisas.
— Mas… as terras sagradas também não possuem magia de ilusão aplicada?
Ah, isso… — É verdade, mas não pensei que as muralhas também seriam assim.
As terras sagradas ficavam fora dos muros. Nos livros de história, dizia-se que o palácio respeitava os não-humanos e lhes dava suas próprias terras para que pudessem viver em paz, mas, na verdade, era discriminação e segregação.
Era possível perceber isso apenas pelo incidente de invasão do Distrito Sete. Assim que os Noarkianos ativaram o círculo mágico, que havia sido colocado ali há muito tempo pelo palácio, a terra sagrada foi completamente isolada da cidade…
“Me desviei do assunto.”
De qualquer forma, se alguém seguisse em linha reta pela terra sagrada, em algum momento encontraria uma parede invisível que impediria o avanço. Pelo que me lembro, uma floresta preenchia a área além da fronteira.
— Tudo tem sua ordem. Guerreiro, ainda não é o momento de se preocupar com o que está além disso.
Pensando bem, o xamã havia dito algo bastante enigmático naquela época, mas e agora?
Eu havia ficado incomparavelmente mais forte desde então. Será que agora era o momento de me preocupar com o mundo fora dos muros?
— Bem… É compreensível que você achasse que a terra sagrada fosse um caso especial. A explicação que eles dão é que a magia de ilusão foi aplicada para beneficiar os não-humanos.
— É por isso que fiquei curioso de repente. Como será realmente?
— Perdão…?
— Já que estamos falando sobre isso, vamos conferir nós mesmos. Também está no caminho de volta.
Aproveitando a oportunidade, fizemos um pequeno desvio e nos aproximamos das muralhas.
— Isso é uma caminhada bem difícil, com toda essa floresta ao redor das muralhas.
— Pare de reclamar e continue andando.
Enquanto consolava o GM, que queria voltar para casa o mais rápido possível, finalmente chegamos a uma das seis terras sagradas existentes em Rafdonia.
Tap.
Ali, uma barreira invisível nos bloqueava, como se dissesse que não poderíamos nos aproximar mais.
Estávamos na terra sagrada dos elfos, localizada no Distrito 9. Não era difícil para nós olharmos de fora.
“…É apenas uma floresta.”
Como essa era a barreira situada na parte mais externa do território sagrado deles, não conseguíamos ver a cidade dos elfos ou como eles viviam, mas ainda era interessante.
“Elas são enormes…”
As árvores ali eram altas e belas, diferentes de qualquer outra que eu já tinha visto nas terras sagradas dos bárbaros. Era como se tivessem sido cuidadas por milhares de anos.
— …Viemos até aqui porque você disse que deveríamos checar, mas o que pretende fazer agora que chegamos? — o GM me apressou enquanto eu observava a terra sagrada com interesse.
Mas, naquele momento, surpreendentemente…
— Hã?
Vi algo se mover dentro da barreira.
— Espere.
— …Perdão?
— Quieto.
Fiz o GM fechar a boca e então encarei mais profundamente a floresta. Lá, vi um elfo surgir por entre os arbustos. O elfo tinha cabelos prateados e parecia jovem, ou um menor de idade, ou alguém que acabara de se tornar adulto.
— Ele está vindo para cá.
O elfo se aproximou lentamente na nossa direção.
— Ele pode nos ver…?
Me perguntei, já que ele seguia direto para nós, mas não parecia ser o caso. Se ele realmente visse alguém parado do lado de fora da fronteira, sua expressão não estaria tão tranquila.
Ao se aproximar da barreira, o elfo estendeu a mão e a tocou, como se estivesse tentando acariciá-la. Depois, murmurou algo. Não consegui ouvir nada através da barreira, mas o GM parecia ter algum talento em leitura labial.
— Ele está dizendo que está frustrado.
— …Você consegue perceber só de olhar para ele?
— É um truque que aprendi com o tempo. E ele não usou palavras difíceis.
Embora o GM estivesse sorrindo humildemente, fiquei impressionado. Afinal, éramos originalmente jogadores. A diferença entre entender uma língua falada e ser capaz de ler lábios era um campo de habilidades completamente distinto.
— Ah, agora ele está murmurando para si mesmo: ‘Me pergunto o que há lá fora…’
Graças à tradução conveniente do GM, entendi por que o elfo fazia aquela expressão.
— A curiosidade é o maior desejo que alguém pode ter. Tenho a sensação de que esse jovem um dia fará seu nome ser conhecido por toda a terra.
— Você não disse que só fica curioso com coisas que consegue lidar?
— Sim. É por isso que disse que ele se tornará uma grande pessoa. Porque pessoas como eu não conseguem evitar ser curiosas.
Heh, ele era realmente bom em falar. Como esperado de um mago.
— Nesse sentido, se isso também matou sua curiosidade, que tal voltarmos a andar, Lorde Barão?
— Certo, vamos.
Dei um sorriso ao pedido do GM, mas apenas por um momento.
Olhei uma última vez para o elfo de cabelos prateados do outro lado da barreira antes de me virar.
“Hmm, acho que ele me lembra alguém…”
Bem, se estivesse destinado, nos encontraríamos de novo um dia.
Como sempre, nosso caminho de volta era o mesmo que usamos para chegar até aqui, mas na direção oposta. No entanto, depois de caminharmos por terrenos desconhecidos juntos por alguns dias, o GM e eu conversamos bastante durante a viagem de retorno e ficamos um pouco mais próximos. Parecia que ele já não achava difícil falar comigo.
— E você, Lorde Barão? Ouvi muitos escândalos sobre você na cidade.
— São todos rumores falsos.
— Hmm, pelo que ouvi, há definitivamente um…
— Está se divertindo, não é?
— Haha… M-Minhas desculpas.
Agora que passamos da fase de conversa superficial, ele começou a perguntar periodicamente sobre minha vida pessoal, algo sobre o qual parecia bastante curioso.
— Então… Qual é o seu objetivo, Lorde Barão?
— Está brincando comigo?
— N-Não, não é isso. Estou genuinamente curioso. Você sempre se joga de cabeça no perigo e leva uma vida agitada.
— …Não tenho um.
— Perdão?
— Nunca tive um grande objetivo ou algo do tipo. Minha sobrevivência e a sobrevivência do meu povo… Suponho que você possa chamar isso de meu objetivo.
O mundo funcionava no princípio da troca. Como eu havia respondido honestamente, também era minha vez de fazer uma pergunta pessoal para ele.
— Então, qual é o seu objetivo?
— Meu objetivo?
— Sim. Já que você me fez essa pergunta, provavelmente tem um objetivo claro para si mesmo.
O GM hesitou por um momento antes de revelar lentamente — Existe… alguém que quero encontrar novamente um dia.
Como também sou um jogador, imaginei que isso significava que seu objetivo era retornar ao nosso mundo original, e a motivação para isso era ‘alguém’.
“Um membro da família…?”
Sem ter como saber com certeza, fingi ignorância e apenas acenei com a cabeça. — Entendo. Não sei quem é, mas espero que consiga encontrá-la um dia.
— …Obrigado.
— Seja forte.
Dei um tapinha no ombro dele como forma de apoio. O GM tentou se esquivar, mas ainda assim sorriu, divertido.
— Ignorando essa ‘diferença cultural’ que não consigo entender… Acho que você é uma boa pessoa, Barão Yandel.
Então, ele disse algo que eu não conseguia dizer se era um elogio ou uma ofensa.
Não era como se eu não entendesse o que ele queria dizer, no entanto. Até os nativos estavam de saco cheio de mim, então, da perspectiva de um jogador, o quão estranho eu seria?
“Ainda assim, isso dói um pouco.”
Será que essas pessoas seriam diferentes se também tivessem começado como bárbaros? Eu tinha certeza de que cem por cento delas agiriam do mesmo jeito que eu agora.
…Provavelmente.
— Então, vamos descansar aqui esta noite.
— Sim. Parece bom.
Quando a luz do dia já estava suficientemente fraca, encontramos uma área aberta com menos árvores ao redor e nos acomodamos para dormir.
“Neste ritmo, conseguiremos retornar à cidade amanhã à tarde.”
Enquanto fechava os olhos e repassava o plano para o dia seguinte, de repente ouvi uma voz emocional ao meu lado.
— O céu.
— Hmm?
— O céu é o mesmo, não importa o mundo.
Para ser honesto, eu sentia o mesmo sempre que acampava ao ar livre. Se eu olhasse apenas para o céu noturno, era como se eu pudesse estar em qualquer lugar do mundo.
No entanto, o GM parecia ter se dado conta do que havia dito, pois rapidamente acrescentou uma explicação que eu não pedi.
— Oh, quero dizer entre os mundos de dentro e de fora.
— Sim. Realmente é o mesmo.
Continuamos a olhar para o céu em silêncio.
Talvez fosse porque ele passava todo o seu tempo preso em sua torre mágica, mas parecia que estava relembrando seu passado enquanto deitava ao ar livre. Na época em que era um aventureiro entrando e saindo do labirinto, essa teria sido sua vida.
— Lorde Barão.
— O que foi?
— Você não disse que estava interessado na escola de magia em que me inscrevi pela primeira vez?
— Disse. Mas não perguntei mais porque você deixou claro que não queria falar sobre isso.
“Mas por quê? Quer falar sobre isso agora?”
Quando joguei esse comentário para ele, o GM riu amargamente. — Verdade. Também não é uma história tão interessante, mas…
Parece que hoje era o dia para este cara.
O dia em que você conta sua história para qualquer um disposto a ouvir.
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