— Vou rodar as filmagens novamente.

    Com um simples neurocomando a mente de Joseph Blynn envia um sinal para uma grande holo-tela que começa a reproduzir a filmagem de uma das câmeras do esplendoroso Baile Anual. O grande salão luxoso onde o chão brilhaa impecavelmente.

    Tudo estava normal até que todo o lugar começava a tremer. As mesas caíam, os ilustres convidados ficavam desesperados e eram socorridos por seus guarda-costas. Alguém que estave nessa festa foi um dos culpados. Descobrir o responsável é o trabalho de Eugene.

    Basta um único pensamento para o detetive acessar todo o banco de dados dos garçons que foram contratados. 127.

    — Assistente. Se conecte ao banco de dados que vou te passar e procure cada um dos funcionários até quinze minutos antes do laboratório explodir — Eugene diz resoluto. Ansioso para descobrir quem está por trás daquele incidente. Uma curiosidade para além de apenas fazer o trabalho a qual está pago.

    — Sim, senhor.

    Joseph acata a ordem e em poucos segundos descobre quem não estava presente. O jovem tem bons sentidos e trabalha bem. Eugene reconhece isso. Quem quer tenha investido no potencial dele, está fazendo algo certeiro.

    — Rosa Fernandes — murmura o assistente enquanto os olhos brilham em um tom avermelhado. — Ela é a única empregada que não aparece em nenhum lugar do primeiro andar do Olimpo.

    — Boa, garoto.

    Eugene fecha os olhos e então começa a navegar pelos bancos de dados que tem acesso em sua mente. Um espaço vazio onde linhas de códigos e pastas fluem de maneira ordenada sem destino. Como um grande rio em um caminho que nunca tem fim. Eugene move as mãos, organizando arquivos como se manipulasse um quebra-cabeça digital. Cada clique mental traz novas imagens, dados e conexões, formando uma teia intricada de informações. O rosto e face de Rosa Fernandes se materializam diante dele juntamente com a ficha criminal e todos os registros de trabalhos que já teve.

    Ter acesso a esse banco de informações não é para qualquer um. Somente a alta cúpula da polícia do Éden tem acesso a tais documentos. Porém, nem mesmo eles conseguem fugir da poder da RedRock Enterprises. Poder esse que garante acessos a coisas inimagináveis para Eugene Jones.

    Estar na folha de pagamentos da maior empresa do planeta ajuda bastante e sinceramente? Ele gosta da comodidade do trabalho que faz. Claro, é acostumado a “sumir” com pessoas o tempo inteiro. Mas todos de Yggdrasil sujam as mãos de vez em quando. Ele é chipado para isso. Desde a guerra. Tempos que não deseja nunca voltar.

    Para a surpresa de um dos maiores detetives do mundo, a garota de cabelo rosa ardente não possui antecedentes criminais e só havia trabalhado em empregos honestos até hoje. Alguém do calibre dela não pode ser o “Prometeu”, aquele que desafiou os deuses. Um nome apropriado para alguém que ousou enfrentar o Olimpo. É como parte da mídia está tratando o caso.

    — Acesse o meu canal e procure pelo rosto da garota em todas as filmagens do Baile disponíveis — ordena o detetive.

    — Sim, senhor.

    Poucos segundos se passam.

    — Senhor, ela não esteve presente no baile em nenhum momento.

    — Tem certeza? — Eugene ainda duvida da capacidade do assistente.

    — Sim, senhor. Rodei todas as filmagens e em nenhum momento aparece alguém com as características dela.

    Inferno. Isso tá começando a irritar. Por um instante sente o peso do fracasso. Não é algo que ele está acostumado a lidar. Eugene sente os ombros tensionarem. Falhar nunca foi uma opção para ele, mas a ausência de respostas começa a corroer sua confiança. Ele respira fundo, forçando a calma, enquanto sua mente se recusa a aceitar o vazio. Ele VAI conseguir.

    — Achei algo! — exclamou o jovem assistente.

    — O que?

    — Eu rodei as imagens delimitando os garçons que já conhecíamos do banco de dados e procurei pelo o que não estava. Desde o início da festa–HMmm.

    — O que foi?

    O assistente dá zoom no rosto da garçom que havia tomado o lugar de Rosa Fernandes. O rosto é comum à primeira vista. Mas quando dá zoom novamente, algo estranho acontece. As feições se desintegram em pixels, como um reflexo distorcido em uma superfície quebrada. Um silêncio pesado toma conta da sala.

    — O rosto dela. De longe parece ser uma pessoa comum, mas quando dou zoom… o rosto é distorcido.

    Eugene não poupa tempo para procurar o rosto fora do zoom no banco de dados. Nada. Já esperava por isso. Tecnologia para ocultar a própria face em filmagens. Essa tecnologia não é qualquer coisa. Do tipo que distorce os dados no momento da gravação. Algo acessível apenas àqueles com dinheiro ou contatos muito poderosos.

    — É, “Prometeu” — murmurou o detetive para si mesmo. — Você tá se mostrando um desafio interessante.

    Marcus caminha na frente junto com Starboy, que já começa a segui-lo por conta própria. Jon tinha ido buscar algo e pediu para que ambos fossem na frente. Era só comprar um pouco de pasta. Para que tanta cerimônia?

    Um grito ao fundo chama a atenção de ambos.

    — ESPEEEREM!

    Jon. Pedalando uma bicicleta. Finalmente os alcançou.

    Marcus esboça um leve sorriso ao ver o que o amigo tinha trazido.

    — Lembra? — pergunta Jon.

    — Não tem como esquecer — começa Marcus ainda sorrindo. — Andávamos juntos nela. Todo lugar que íamos.

    — É, e agora é a vez do carinha aí. — Jon aponta para o garoto rosado, que olha para ele com um olhar curioso.

    Marcus pensa em protestar por um segundo, porém desiste. Sente um conforto no coração ao lembrar da infância e como era bom e divertido descer pelas ruas com Jon e o primo. O primo. Um assunto que ele não gosta de lembrar, que no entanto dessa vez vem como uma memória boa.

    Eles lutam para colocar a criança para sentar na parte da frente da bicicleta. Eventualmente conseguem e Jon começa a pedalar, fazendo ele e o menino sentirem o vento sujo e fedorento de Copa City. O cheiro de enxofre com o barulho incessante de buzinas e carros faz Marcus e Jon se sentirem na infância.  Uma boa distração. Por falar em Marcus, esse luta para acompanhar Jon e Starboy que se divertem na bicicleta.

    De alguma forma o garoto esboça um leve sorriso enquanto ziguezagueia pelas ruas, se segurando para não cair.

    A diversão não dura muito tempo. Os dois congelam ao chegar no mercado e ver dois membros dos Olmecas conversando entre si.

    Os dois membros usam jaquetas de couro desgastadas, com o símbolo de uma ave plumada pintada nas costas. Um deles brinca com uma faca, enquanto o outro exibe sua pistola na cintura, como um predador que já sabia ter vencido a presa.

    Jon freia bruscamente e encara Marcus. Dá para perceber que o amigo sua frio.

    — Fica calmo, Jon — murmura, mais para si mesmo do que para o amigo. — Quem não deve não teme.

    Jon fica sem palavras.

    — Vamos só seguir normalmente sem levantar a atenção deles… — Marcus completou.

    Ambos tentam passar normalmente pelos dois membros. A multidão que sempre anda por aquelas ruas parecia ter desaparecido magicamente e ter deixado somente eles naquele momento. Como uma piada divina que queria que esse encontro acontecesse.

    O nervosismo está estampando nos dois, Jon desce da bicicleta para andar de lado enquanto Starboy fica sentado nela. O garoto observa a dupla sentindo uma tensão no ar.

    Os dois membros da gangue param de conversar enquanto o trio passa ao lado deles e seguem em direção ao mercado. Ficam surpresos com o que estão vendo.

    Fudeu.

    — Vocês três. Parados aí. —A voz do mais corpulento é grave e autoritária.

    Marcus sente o coração disparar. Olha para Jon, que parece congelado no lugar.

    — Caraca, o garoto é rosa mesmo — O mais alto inclina a cabeça, olhando para Starboy. — Onde cês arrumaram isso?

    — É… — Marcus abre a boca, mas nenhuma palavra sai.

    — É COSPLAY! Isso–COSPLAY! — exclama Jon enquanto puxa os dois para dentro do mercado antes que os Olmecas possam reagir.

    De alguma forma a desculpa cola e conseguem entrar sem que os parassem. Talvez a informação de que tentaram roubar da gangue ainda não tenha sido espalhada ou o pessoal só imaginasse que tinham sido mortos mesmo.

    Ambos respiram fundo. Podem ter se safado desse encontro, porém é questão de tempo até que sejam procurados por Julio. Ainda mais com ele tendo uma ligação com a mãe de Jon. O que farão quando a hora chegar?  Jon olha para Starboy e pensa que o garoto os protegerá novamente. É um pensamento válido? Ele morde os lábios pensando que o garoto pode ser muito mais do que apenas um amigo.

    — Vamos logo comprar a pasta e dar o fora.

    O chão do mercado é sujo e precisa de uma limpeza o mais rápido possível. O lugar só dispõe de um único atendente e todas as prateleiras parecem ser de séculos atrás. Nada das lindas e limpas fileiras de produtos. Como é mostrado nas novelas e filmes que retratam os andares superiores. Normal. Copa City não é exemplo para qualquer obra cinematográfica.

    A cidade só é vista como colônia de férias para alguns corpes dos andares superiores por conta do clima tropical e das maravilhosas praias que tem espalhado pelo andar. Deve ser foda poder ter acesso ao mar. Esse é um dos sonhos de Marcus, só que para isso precisa de dinheiro. MUITO dinheiro. Coisa que poucos têm na cidade maravilhosa.

    Eles saem logo após comprarem a pasta. Jon se prepara para ir para o caminho de casa quando é interrompido por Marcus.

    — Ainda não. Já que estamos aqui, vou passar na Anika e você aproveita para comprar umas roupas para o garoto. Algo que… — Marcus tenta encontrar as palavras certas. — Esconda que ele é rosa?

    — Vai encontrar a sua namorada mesmo com tudo isso acontecendo? — pergunta Jon, meio indignado com a situação.

    — Isso mesmo. — Marcus já acena indo em direção ao estabelecimento que Anika trabalha.

    — É, carinha — Jon olha com um leve sorriso para Starboy. — Agora somos só eu e você.

    Como de costume, o garoto rosado encara o amigo com uma expressão curiosa, o que acaba fazendo Jon dar uma risada sincera.

    Talvez não seja o melhor momento para se distrair e sair do caminho principal. Mas a verdade? Marcus tá perdido. Quase morreu há poucas horas atrás e daqui a pouco vai uma gangue inteira atrás da cabeça dele. Não sabe o que fazer. Por isso, havia concordado em comprar pasta. Isso está deixando-o apreensivo.

    Toda a situação o fez refletir sobre como estava tendo fé e pedindo ajuda divina em seus últimos momentos. E ela veio. Será que veio mesmo? A religião é algo que já foi abandonada em Yggdrasil há séculos. Marcus se sente estranho. Como se acreditasse que exista algo lá em cima além de drones e holo-anúncios que piscam sem parar.

    Precisa se acalmar, achar o próprio porto seguro. Achar Anika. Ela faz essa função perfeitamente. Entre esquemas e golpes que tentava aplicar, sempre parava para encontrar e amar a mulher que esteve com ele além do fundo do poço. Ele Solta um leve sorriso enquanto se aproxima do KillBurger que ela trabalha. Senta-se em uma das mesas e logo uma atendente vem.

    — Olá, senhor maltrapilho. O que vai querer?

    — O número 38 com uma leve pitada de amor — Marcus diz com felicidade. Pode ser que fosse a última vez que conversava com Anika. — Além de cinco minutos para pôr o papo em dia.

    — Puxa, tudo isso? Vai custar caro.

    — Cê sabe que eu sempre tenho dinheiro o suficiente. — brincou, sabendo que isso está mais do que longe da verdade.

    Logo, a garçonete de pele bronzeada e cabelos cacheados traz o pedido, além de uma porção para si mesma, e senta-se na mesa com Marcus.

    — Consegui mais do que cinco minutos — diz ela com um leve sorriso. — Onde tava ontem a noite?

    — Senta, que lá vem história. — Marcus prossegue contando tudo o que havia acontecido.

    — Ainda não superei a parte dos grandes ladrões — Anika ri. — Eu não sei. Um garoto rosa?

    — É. Eu também tô tentando entender o que ele é.

    — Talvez ele—Anika para e seus olhos se arregalam ao olhar para o lado.

    Marcus também olha para o lado e a cara de decepção dele vem no mesmo momento.

    Starboy… ou a versão “disfarçada” dele. O garoto usan um sobretudo bege que claramente é grande demais para o seu corpo delgado. Até aí, tudo bem. O problema tá daí para cima. Óculos pretos grandes, tão escuros quanto a noite mais densa, cobrem boa parte de seu rosto peculiar, escondendo os olhos que tantas vezes pareciam desvendar os segredos ao seu redor. Acima das lentes, o cabelo platinado cortado com um estilo angular, rígido, algo que parece fora de lugar em um mundo tão caótico. O rosto sem expressão do garoto piora tudo.

    Atrás dele, Jon ri, se divertindo com a situação.

    O mais estranho, porém, é que ninguém no KillBurger parece se importar. Clientes continuam mastigando seus hambúrgueres sintéticos e sorvetes enquanto o garoto rosa, com sua aparência absurda, tá lá como se fosse a coisa mais normal do mundo.

    — Ele é realmente rosa — Anika analisa o garoto e a cada momento parece mais surpresa. Pisca tentando sair de um sonho que a cada clique se mostrava a mais completa realidade. — Tipo, ROSA mesmo.

    — Eu te disse — Marcus volta a olhar para ela tentando ignorar os absurdos de Jon.

    —Oi, Anika —Jon fala enquanto para a gargalhada. — Tchau, Anika.

    — Ainda bem que você sabe que já vamos–

    Marcus se prepara para levantar e ir embora quando percebu que os olhos de Starboy  encaram diretamente o hambúrguer sintético no prato.

    — Na verdade, sentem aí.—Marcus muda de ideia, indo um pouco para o lado no banco. — Jon, acho que ele tá com fome. Tenta dar um pouco de comida para ele.

    Jon gesticula ensinando o garoto a morder e a mastigar. Starboy entende. Ele pega a comida para se alimentar, mordendo o hambúrguer sintético que Marcus tinha pedido. Todos na mesa observam atentos e ansiosos. Ele dá a primeira mastigada. A segunda. A terceira. E então… bota a língua para fora rejeitando completamente o sabor que está sentindo. Todos riem ao ver uma expressão diferente no rosto do menino rosa, totalmente enojado pelo o que come.

    — Ele deve estar acostumado a comer só comida de verdade de onde veio — Brinca Anika. — Logo se acostuma com a “gororoba” daqui.

    A mulher se levanta e se prepara para voltar ao trabalho, tendo acabado o tempo que conseguiu com o gerente. Marcus e Jon também se levantam para sair e voltar para casa. Pedindo um sorvete para cada um deles comerem durante o trajeto de volta. Talvez Starboy até gostasse. Tipo, quem não gosta de sorvete?

    Os tês vão lentamente para casa lambendo o sorvete. Jon e Starboy estão novamente na bicicleta e para a surpresa deles, o menino rosa também rejeita o alimento gélido. Tudo o que comemos é tão ruim assim? Pensa Jon.

    A noite já domina completamente os céus falsos do sétimo piso, que não passam de uma grande camada de aço, vidro e projetores. A luz do Sol de verdade não chega até tão fundo daquela Torre-Cidade. Mais e mais luzes e hologramas se acendem na cidade que nunca dorme.

    Apesar de tudo, Marcus se sente bem e em um estado pacífico. Um calor queima dentro do coração dele.

    — Ei, mano — começa Jon.

    — Hã? — Marcus para de lamber o sorvete por um segundo e encara o amigo.

    — Eu vi como ‘cê tava lá em casa — Jon exibe um semblante meio triste. —  É também difícil olhar para a minha mãe todos os dias… ela nunca foi a mesma depois que meus irmãos morreram e todo aquele lance com a droga… — Jon bufa. — É foda ter uma mãe viciada. Mas ela ainda é minha mãe. E se esforça para ser a melhor do mundo.

    — Sei, parceiro — Marcus conforta Jon. — Ela tá com você até hoje e isso significa muito. Não deu o delta quando a situação começou a ficar difícil… tenho certeza que ela te ama muito.

    A verdade é que Marcus não sabe o que falar, mas tem empatia com o amigo. Isso o faz lembrar dos próprios pais, que nunca foram exemplo para nada.

    Quando finalmente chegam em casa, Jon abre a porta e se depara com uma cena assustadora. A figura magrela da mãe largada no sofá, caindo como se não se importasse e com uma olhadela a mais ele vê algo que aperta o coração dele. Uma borracha amarrada no ponto de pressão do braço dela e uma seringa enfiada bem no meio do membro, diretamente na veia. Ela está imóvel, a boca entreaberta e lágrimas escorrendo silenciosamente pelo rosto vazio.

    Não é a primeira vez que presencia aquela cena, porém isso não torna mais fácil de ser vista. Jon estremece com aquilo e sente uma vontade imensa de chorar, mas não pode fazer isso.

    Ele aperta os punhos com força e vai em direção a mãe, preparando-se para ajuda-la.

    Starboy inclina a cabeça, observando com curiosidade. Para ele, é apenas mais um objeto brilhante no braço da mulher. Mas o que é estranho, realmente estranho, é o peso no ar, como se algo invisível estivesse esmagando a todos.

    Marcus desvia o olhar, sentindo uma agonia que não consegue explicar. Por um instante, pensa em cobrir os olhos de Starboy, mas sabe que não vai adiantar. Essa é a realidade de Copa City. Não tem como fugir dela. Porém, um pensamento ventilou em sua cabeça. De onde ela tirou dinheiro para aquele pico?

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