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    No momento em que iria provar sua refeição, Yakuza gritou:

    — Para! Para agora mesmo! Primeiro, você está comendo da maneira totalmente errada.

    Kevyn então levou um susto e encarou-o.

    — Da maneira errada? Então… como?

    Sorrindo, o homem chegou seu banco mais para perto e, com uma pose de um verdadeiro degustador de macarrão instantâneo, ele ensinou:

    — Primeiro! Com os hashis, você deve misturar cuidadosamente os ingredientes, o chef dá a liberdade para cada um os misturar à sua maneira.

    O garoto ouviu atentamente e, então, começou a misturar lentamente enquanto Michael continuou a dizer:

    — Depois de misturar, prove o caldo. Agora, para provar a massa sem deixar o caldo respingar, pegue uma pequena quantidade e coma, assim, sugue o macarrão enquanto usa os hashis para não deixá-lo respingar!

    Kevyn fez tudo que ele falou e, assim, começou a devorar seu ramen.

    Sorrindo, Yakuza também voltou a comer o seu e olhou para Óðinn, que apreciou e assentiu com a cabeça e com um sorriso leve em seu rosto.

    Mas, então, Michael bateu na mesa, com raios de luz saindo de seus olhos com tamanha empolgação, e gritou:

    — Óðinn!!! Esse em sua frente é BLACK ROOM!! E… adivinha?! Ele é puro e inocente.

    “Você não é puro não”, Night corrigiu o homem unicamente para o príncipe.

    O senhor de cabelos grisalhos estendeu a mão com lentidão e retirou um pequeno livro da prateleira mais alta.

    Coberto por uma fina camada de poeira, era evidente que aquele manuscrito permanecia intocado havia muito tempo, como um segredo contado de tempos em tempos.

    Com cuidado, Óðinn depositou o livro sobre o balcão. Sua capa, curiosamente chamativa, ostentava símbolos que remetiam à carne, ao desejo; um convite silencioso à perversão, mesmo que sob o véu do acaso.

    Por mais que fosse apenas um objeto, ele carregava uma intenção culposa, como se quisesse o corromper mesmo sem ter essa intenção.

    Yakuza pegou o caderno com entusiasmo e o abriu na primeira página. O conteúdo foi direto: diversas ilustrações de poses sexuais, explícitas e sem cerimônia.

    Leves explicações moldavam-se ao lado das imagens, contando como era e sobre aquilo. E, ainda assim, algo no traço, composição, deixava um contexto sutil, quase inocente.

    O príncipe, porém, não reagiu como talvez esperassem. Surpreso, mas sem escândalo, apenas observou com neutralidade e naturalidade.

    Aquilo, para ele, era banal demais para despertar qualquer senso de impureza, ou até luxúria. Com um sorriso tênue em seus lábios, apontou para uma das imagens e comentou, com simplicidade:

    — Isso me lembra cigarras! Animais… isso… calma…

    Olhando para o anel em seu dedo, Kevyn começou a entender as coisas. Mas algo ainda o incomodava:

    — Yakuza, isso é reprodução…

    — Sim?

    — Isso é…

    A mente do garoto começou a se dissolver em um nevoeiro estranho, como se seus pensamentos estivessem se desmanchando lentamente. Aquilo não poderia ser algo comum, tinha algo errado.

    Por um breve instante, era como se o cérebro tivesse falhado; não completamente, mas o bastante para deixá-lo em um estado apático, como se uma tontura silenciosa o fizesse esquecer quem era ou o que pensava.

    Diante dele, todas aquelas posições gráficas se espalhavam pelas páginas com uma naturalidade perturbadora.

    Não havia introdução, não havia perdão: eram apenas corpos, justapostos em combinações intensas, sem um porquê evidente.

    E, no entanto, ele não conseguia classificá-las como erradas. Algo em sua mente resistia à ideia de julgamento.

    Sim, tratava-se de reprodução; ao menos na superfície. Mas havia algo mais, algo que fugia à lógica simples do instinto. Era como se cada gesto retratado carregasse um outro propósito, uma espécie de ritual.

    A massagem. A “massagem”. Traíram sua inocência. A palavra soava como um disfarce malposto para algo mais profundo, mais ambíguo. Aquilo era estranho. Confuso. Quase hipnótico.

    Percebendo o desconforto sutil nos olhos do garoto, o franzir de suas sobrancelhas, a respiração contida, Michael interveio com calma.

    Folheou mais algumas páginas, até que encontrou uma imagem ainda mais normal e simbólica. Com um meio sorriso, empurrou o livro suavemente na direção de Kevyn e disse:

    — Mano, quando a gente gosta de alguém de verdade, você deve saber como é, né? Mas vamos pelo início… tipo, no primeiro degrau, começamos com os abraços, aquele romance leve… começo de tudo.

    A voz de Yakuza soava leve, quase nostálgica. Ele estava pescando lembranças que ainda traziam paz. Kevyn, até então envolto em um silêncio mórbido, pareceu reagir de forma sutil.

    Seus olhos, antes vazios e distantes, brilharam como se uma pequena fagulha tivesse se acendido em meio à escuridão.

    Pela primeira vez, ele olhou para Yakuza não como um estranho, mas como alguém que podia compreendê-lo. O segundo amigo de toda sua vida.

    Em meio àquela luz superficial, mas tão complexa, ele olhou-o e o viu, endireitando sua postura com elegância e puxando a gravata com delicadeza para, então, continuar a dizer algo tão importante. Seu semblante carregado de serenidade e uma estranha ternura contrastava com o tema abordado:

    — Já no segundo degrau, os beijos, aquela coisa inocente, tipo quando a gente é criança e tá só começando a entender o mundo.

    Ele franziu os lábios num tênue sorriso, sem malícia, mas cheio de memórias e afeto, como se revivesse uma primeira vez esquecida, perdida pelos corredores do tempo e morta pela foice.

    Seus olhos não encaravam Kevyn diretamente; estavam fixos em algo além, talvez nele mesmo, perdido em lembranças ainda vivas nele, e somente nele. Assim, então, pôde continuar:

    — Aí vem o terceiro… quando começamos a explorar as diversidades. O toque… a sensação… o corpo… e, bom, no fim disso, tem isso aqui — disse, mostrando o livro. — Não é só reprodução. É amor, é carinho… mas, às vezes, também pode machucar.

    A frase caiu no ambiente sem peso. Havia verdade ali, crua e sem mentiras. Mas também uma doçura delicada, que parecia proteger o que poderia ser vulgar. Era mais do que apenas um ensinamento.

    Kevyn piscou devagar por trás da venda. Algo em sua expressão se desfez. Talvez fosse medo, talvez fosse ignorância. O brilho em seus olhos se intensificou, revelando ele mesmo, mas apenas para aqueles em sua frente. Sua máscara, enfim, caiu. Ele sorriu, genuinamente, pela primeira vez em algum tempo.

    Com um simples movimento, pegou seu macarrão instantâneo do lado, ainda quente, e levou os hashis até a boca. Mastigou devagar, pensativo, antes de responder:

    — Entendi… mas qual é o nome disso? Sabe… porque não é só vontade de ter filhos…

    Uma pergunta honesta e pura, como uma criança finalmente compreendendo uma peça faltante no quebra-cabeça.

    — Sexo — respondeu Óðinn, direto, como alguém diz uma palavra sagrada.

    Kevyn parou por um momento, encarando o vazio como se revivesse cada momento que não tinha entendido até então. Olhando para o anel em seu dedo, sem cerimônia, desviou os olhos, envergonhado, e comentou com uma fraqueza cômica:

    — Entendi… eh… eu… já fiz isso aí. Essas poses são… curiosas — disse, com um leve rubor nas bochechas, tentando fingir que NÃO se importava com o olhar deles.

    O silêncio que se formou a seguir foi quase como se alguém devesse fazer algo. Os dois homens o encararam, sem saber se o que tinham ouvido era ou não uma piada, loucura demais para a própria realidade.

    Por fim, como se ensinados por alguma força extradimensional, ambos explodiram:

    Os dois homens o encararam por um segundo. O silêncio se estendeu.

    — Nem FUDENDO!!! — os dois gritaram, em perfeita sincronia, como se aquilo fosse um crime de guerra.

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