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    A primeira luz do mundo ainda não havia nascido quando Kevyn despertou. Seus olhos se abriram devagar, encontrando o teto acima; familiar, com duas imperfeições e sombras suaves.

    Mas, naquele instante, até mesmo o teto parecia mais distante, como se houvesse algo entre ele e o presente. Um vazio tênue, carregado, pensamentos não ditos, um momento de despersonalização.

    Virando o rosto lentamente, ele encontrou a imagem que mais amava: sua companheira, Night, ainda mergulhada em um sono tranquilo.

    Seus cabelos caíam sobre o travesseiro como seda astraal; era netheríco, assim como sua respiração era um suspiro ritmado da morte.

    Kevyn inclinou a cabeça levemente, contemplando-a com olhos densos de sentimento. Afinal, só ele podia enxergar a verdadeira beleza de algo tão mortal quanto ela.

    “Apologia.” A palavra brotou em sua mente como uma pergunta sem resposta. O dia ainda sequer havia começado e, no fundo, ele sabia que certas coisas ainda não haviam terminado.

    Erguendo-se com cuidado, ele caminhou em silêncio ao banheiro. Lavou o rosto com a água fria, sentindo seu corpo voltando ao ponto zero. Um novo dia começou, mas não qualquer dia… era o dia.

    Desceu as escadas devagar, os degraus rangendo como se respeitassem o silêncio da casa.

    Ao abrir a porta da forja, foi recebido por sombras dançando no ritmo da luz, aquela que entrava pelas frestas e rachaduras na madeira tão antiga. O espaço era sagrado para ele.

    Ali, suspensa sobre o ar, não como promessa, mas como destino, estava ela.

    A lâmina.

    Linda. Perfeita. Feita pelas mãos e sangue do príncipe.

    Flutuando com leveza etérea, como se estivesse aguardando o momento exato para nascer verdadeiramente. Suas curvas afiadas e elegantes refletiam fragmentos de luz negra. Era mais do que uma arma… era ele.

    Passo por passo; silêncio em direção ao clímax da sua criação. Kevyn estendeu a mão e deslizou os dedos pela superfície fria da lâmina. A energia que ela emitia era palpável.

    “Falta lixar… e o cabo, ok.” Com cuidado, guiou a lâmina até a superfície da bigorna e, ao interromper sua flutuação, ela repousou.

    De sua bolsa dimensional, Kevyn retirou um pequeno orbe: um fragmento de uma estrela morta, um buraco negro selado. Colocou-o atrás da lâmina, onde seria o guarda-mão, e o deixou ali como um olho cósmico, pronto para despertar.

    Brevemente, ele olhou ao redor e soltou um riso breve. “Isso vai ser difícil.” Ele gostava daquilo. Assim, começou com o ferro. Puxou uma barra de titânio e outra de adamantina.

    As chamas se ergueram enquanto ele as fundia, e a bigorna recebeu os golpes com sua autoridade. A cada martelada, faíscas. O calor intenso não o fez hesitar.

    Com precisão divina, moldou o guarda-mão, curvado e forte como os braços de um guerreiro ancestral. Depois, trabalhou o cabo: entalhado à mão, com símbolos de caveiras elegantes, sombrias, que não representavam a morte, mas sim o renascimento. O fim e o começo.

    Sobre o cabo, desenhou um sol e uma lua, usando dois orbes menores para que representassem ciclos opostos, um eterno equilíbrio.

    Com tudo pronto, Kevyn posicionou os elementos com precisão sobre a bigorna:

    A lâmina, brilhando em silêncio;

    O orbe negro, o coração cósmico, ao centro;

    O guarda-mão e o cabo, abaixo, aguardando união.

    Respirou fundo, sentindo o peso do momento no ar.

    Então, ergueu o martelo com uma de suas mãos, com o cuidado de quem sela um pacto eterno. Num único golpe poderoso, o martelo desceu e quebrou o orbe subespacial.

    No instante em que a esfera se partiu, uma força gravitacional se libertou. A energia se espalhou em vórtice, espiral; tudo ao redor começou a flutuar.

    A lâmina se ergueu, o cabo girou em torno dela e o guarda-mão encaixou-se com perfeição. Os fragmentos do buraco negro começaram a orbitar a arma como luas e anéis em torno de um planeta.

    A gravidade se sobrepôs ao redor, mas Kevyn permaneceu imóvel, no centro de tudo, como o criador que já havia oferecido o melhor de si mesmo.

    Ele olhou para ela, agora suspensa, viva. Era como se ela respirasse, um sistema solar inteiro preso em uma arma. E então, com os olhos brilhando de tanto orgulho à sua criação, ele sorriu. Contemplando a perfeição, lhe nomeou:

    — Você será: World Destroyer!!! — Ergueu sua mão para ela, e, de bom grado, ela se dispôs a deixá-lo ser o primeiro a empunhá-la, seu criador, seu pai.

    Mesmo não tendo alma, ela tinha um pedaço dele, algo que apenas o mundo poderia dizer.

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    Sentindo algo muito ruim, Night abriu seus olhos e levou a mão até a cara. “Não! Não! Não! Não!”, as vozes gritaram.

    — Arrhhh… tira esse tesão de mim!

    Ela então se levantou e bocejou. Sentindo o cheiro de café, desceu ainda tão cansada. Mas, de repente, ele estava em sua frente… parado. Kevyn sorriu com as mãos atrás das costas.

    — Aconteceu alguma coisa? — A demônio perguntou.

    Tirando uma espada de três metros das costas, o garoto franziu os lábios, semicerrou os olhos e respondeu:

    — Esse é o meu presente, pedaço de mim. Conheça a World Destroyer! Feito de mim! Minha essência!

    Arregalando os olhos, Night apontou para o próprio rosto e perguntou:

    — Ela cancela a…

    — Sim!

    Em um impulso repentino, a garota avançou e estendeu a mão, tocando diretamente o fio da lâmina.

    No instante em que seus dedos encostaram no metal, algo dentro dela simplesmente… cessou.

    Anulada.

    Toda culpa que carregava, toda dor passada foi desfeita no contato. A espada não cortou, não repeliu… acolheu. Como se tivesse sido feita para isso: para curá-la. Mas a luxúria ainda existia.

    Mais do que um presente, aceitação. Sem conseguir conter a emoção, cachoeiras se formaram em seus olhos. O corpo tremeu levemente e, sem dizer uma palavra, ela se lançou nos braços dele, apertando-o com força.

    Ali, chorando contra o peito, ela sabia que, mesmo sem a conhecer, ele a compreendia como ninguém. Não existia retribuição, não havia como retribuir — amor demais para sequer suportar.

    Ele havia feito tudo aquilo por ela, mas a própria não sabia, de verdade, o que ele tinha feito. Se desfeito.

    Agarrando o cabelo dele, apertando-o, gemeu enquanto suas lágrimas pingavam sobre ele: — Eu… te amo tanto… e-eu amo tanto… por quê? Por que precisa ser… tão bom?! Eu…

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