Capítulo 23: Trem de partida
No período da noite, Kiti Kuro chega acompanhada do trio azeitona, no alojamento das crianças de preto, um edifício pintado de preto com janelas brancas, padrão de concreto, fica no subúrbio da cidade, no bairro René de Char, local com bastante movimento, assim como qualquer lugar em Mu, mas sem velocidade, pessoas andam calmas, com cautela, sem querer chamar atenção, ou violar alguma lei, o patrulhamento da polícia é forte no local. Apesar de não ser nobre, é um bairro de pessoas com poder aquisitivo maior, e de bastante movimento.
A arquitetura local foge do padrão de casas baixas, com telhados redondos, que lembram grandes cabanas de concreto, pintadas de cores diferentes, o bairro não possui tanta cor, edifícios quadrados, sem telhado coberto, apenas o terraço. O tipo de asfalto é diferente do comum, modernizado ruas maiores com mais distância entre as casas, com espaço maior para veículos passarem, a estética se diferencia, por haver edifícios que em sua maioria ultrapassam os 3 andares, passando dos 7 geralmente, e alguns poucos com mais de 10, aqueles que são menores são pontos comerciais, como lojas, pontos de entretenimento ou restaurantes.
O comércio é algo forte no local, algo que gera o consumo, se reflete nas ruas, sujas por conta de produtos descartáveis, as latas, embalagens e cigarro, geram o cheiro único do local, misturado ao saneamento precário. É o local onde se movimenta a maior parte do dinheiro da cidade, e o mais modernizado, a cidade Mu, que é tradicionalmente uma cidade do interior, mantendo suas raízes locais. Mas este bairro tem raízes de imigrantes.
O edifício das crianças de preto está posicionado de forma estratégica, perto do problema, é um dos poucos locais que conta com energia elétrica, e é iluminado por lâmpadas incandescentes.
Kiti passa pelo salão principal do edifício, e parte diretamente ao seu escritório, fica após o salão principal, atravessando o pátio que fica a céu aberto, até chegar a parte coberta, que é separada para Kiti. Que possui sala própria e um escritório privado. Na sala onde há assentos de espera, e mesa de vidro, onde há jarro com flores decorativas, xícaras e bule de chá, pote com bolacha. Duas poltronas e um sofá, o marmanjo está sentado na poltrona, a criança em outra, e o homem careca que foi preso em outra. O trio Akuto, Barke e Raikou estão à espera de Kiti.
— Não ofereceram resistência, a criança se chama Yasuke, o rapaz Dembele e o homem careca Balu Talim, traçamos uma ficha com todas as informações que nos deram — mostra fichas em sua mão.
Kiti e grupo começam a conversa sobre as interrogações e o que fora descoberto, no entanto, Li Han chega no local com Hiro e Saikyo uniformizados, que chegam no momento inoportuno. Li Han faz sua entrada interrompendo a conversa.
— Tcharam! Quanto tempo velha amiga! Eu preciso que você arrume umas autorizações para mim!
O encontro entre Li Han e Kiti Kuro, não poderia acontecer na frente de todos, então se reúnem no escritório de Kiti para terem maior privacidade, enquanto os jovens ficam no corredor do lado de fora. O trio de Barke se encontra com a dupla pela primeira vez desde da formação dos grupos, em clima pacifico, Barke já se aproxima dos dois, enquanto Raikou fica calado, na defensiva, e Akuto observa esperando um bom momento para entrar no assunto.
— Aqui tem sido um tédio, é treinamento tático, físico, cuidar de papelada, arrumar a alocação e raramente lidar com alguma coisa real, que geralmente é briga de bar, ou um batedor de carteira qualquer, nada que renda uma boa história, sem que eu exagere — reclama Barke da repetitividade do dia a dia, sem conseguir a mesma empolgação de antes.
— A gente tem nos últimos dias praticado na floresta, aprendendo alguns tipos de plantas o que caçar, e como usar algumas ferramentas, mas no geral é só treino, com raras expedições, mas alguns locais que vimos eram lindos! — relata Hiro sobre sua jornada, trazendo a expressividade que falta em Barke.
— Eram, eram, mas não tem como aproveitar com os treinamentos malucos que fizemos, e por que seus amigos estão calados? E desde de quando ele virou seu amigo! — questiona Saikyo, descontente com o silêncio, aponta para Raikou desconfiada com certo ressentimento.
— Segura a onda, eu estava defendendo a honra do meu clã — justifica Raikou, em forma de defesa a suas atitudes.
— Você agiu com um baita cretino, mas já faz tempo — diz Saikyo deixando o ocorrido para trás.
— Ele não tem chifres, até onde vi, sério o cabelo desse cara é grande, eu nem sei como ele cuida dessa juba — suaviza Barke, já tendo o perdoado Raikou.
— São futuros participantes amigos seus? — pergunta Akuto, entrando na conversa.
— A não estamos nesse nível de proximidade, mas eu boto a mão no fogo por eles, são gente boa! — explica Barke, demonstrando afeição pela dupla.
— Eu também colocaria a mão no fogo por você! — Hiro devolve a demonstração de afeto de Barke, com a mesma intensidade.
— Eu não vou dizer o mesmo, ruivo de cabelo bonito, qual é a sua? Lembro de ti ficar observando a minha briga com o Raikou? — questiona Saikyo de maneira afrontosa, aproximando de Akuto de forma intimidadora.
— A surra — ironiza Raikou, em uma leve provocação, ao qual ri levemente, de forma passiva agressiva.
— Você achou meu cabelo bonito? — diz Akuto, envergonhado coloca a mão na boca ficando corado.
— O que? Não, não estou te cantando! — afirma Saikyo, a garota fica corada sem jeito, começa a falar em tom mais alto. — Pare de pensar besteiras, não é nada disso!
— Sem problemas, eu estava observando possíveis concorrentes futuros, que deveriam evitar, você é muito forte para uma garota — Akuto faz o elogio a garota, despretensiosa, mas inteligente.
— Pode parar, eu não estou interessada! — ordena Saikyo, coloca a mão na frente do rosto dele em sinal de afastamento.
— Eu não tenho interesse em me envolver, além do mais você é muito nova para mim garota, mais adoro pessoas companheiras, passivas porém com personalidade forte — Akuto continua a elogiar a garota, a deixando ainda mais vermelha e com vergonha.
— Ei, espera aí, eu não sou passiva coisa nenhuma! — nega Saikyo, balançando o dedo, começando a demonstrar irritabilidade, apesar de sentir na verdade vergonha.
— Devíamos marcar para beber em um bar qualquer dia desses, colocar o papo em dia! — sugere Barke, gostando do papo amigável.
— A pergunta que não quer calar, é o que eles fazem aqui? — questiona Raikou.
— Estamos acompanhando nosso mestre — responde Hiro.
— Aquele sujeito esquisito — diz Raikou, enquanto olha para a porta do escritorio incomodado rangendo os dentes.
Li Han negocia no escritório com Kiti, local escuro, iluminado por uma lamparina em uma estante que fica ao fundo, atrás de Kiti sentada em sua poltrona, com a mesa a qual deixa papeis a serem preenchidos, separados por ela e Li Han. Na mesa a sua xícara de café também, junto do seu cinzeiro, Kiti fuma e Li Han bebe chá.
— Não quer um trago? — oferece Kiti, estendendo o braço com o cigarro fumegante entre seus dedos.
— Não, estou tentando fumar menos, não influenciar os alunos — Li Han nega a oferta gentilmente.
— Como preferir.
— Sabe, às vezes, você é como minha secretária, me passando notícias de um antigo amigo. Estou com medo de ser confundido, caso eu dê em cima de você de novo, seria um assédio sexual? — questiona Li Han, em tom irônico, enquanto que de forma displicente coloca os pés sobre a mesa.
— Você até que é bonitinho, poderia pensar se te processo ou não, mas não é por suas amizades que está aqui, é para mim, essa missão que arrumei para você! — afirma Kiti dando três batidas na mesa.
— Ótimo, prometi uma viagem aos meus alunos, eles precisam treinar, e eu preciso mostrar o quão bom eu sou — Li Han exibe.
— O Xogum explosivo, temos informações sobre o local, eu já planejei a forma que vão entrar lá — diz Kiti.
— É um assunto mal resolvido, falsas acusações, mesmo assim, eu cuido disso.
— Feito, o trio que está lá fora com eles vão cuidar da parte da documentação, eu queria estar lá para ver, você contra um tesouro sagrado — lamenta Kiti por ter que ficar.
Com viagem marcada e plano elaborado, o grupo das crianças de preto organiza a viagem durante a noite, Li Han, Hiro e Saikyo só comparecem no dia seguinte com tudo pronto para a viagem de trem. Durante a manhã, bem cedo, seis horas, com o sol ainda nascendo, o trio Barke, Akuto e Raikou acompanha o processo do embarque, junto dos capturados no trem, Dembele, Balu Talim e Yasuke. O trio é responsável por guardar os documentos necessários para eles viajarem, e o plano, ao qual só Li Han tem conhecimento sobre.
Todos sob disfarce, exceto Li Han que mantém seu mesmo uniforme, vestindo a jaqueta vermelha que usa como capa, ao qual carrega seus símbolos, entre os padrões de losangos dourados dentro das flores de peônia desenhada. Hiro e Saikyo, entraram no esquema sem mesmo notar, estão levando bagagem, Hiro carrega uma mala de rodinhas prateada, a qual leva arrastando no chão, ele se veste formalmente, de terno preto e gravata azul de ponta reta, na cabeça chapéu preto com fita vermelha no entorno, sapato social preto reluzente.
Saikyo se veste com vestido longo tradicional, feito de seda, vermelho e justo, sua saia vai até o meio da canela, e possui cortes nas laterais, a abertura vai até o joelho, o vestido é decorado com diversos desenhos de orquídeas roxas, complementando calça sapatilhas verdes, e desta vez usa maquiagem, o que se destaca é o rímel em seus cílios, e o lápis preto em volta do seu olho, e blush em suas bochechas, deixando com bolinhas rosadas, seu cabelo já passa do seus ombros, para diminuir o tamanho, usa um choque, e tranças nas extremidades do topo da cabeça, e para não comprometer a visão penteie a franja para os lados, ela olha para si mesma se sentindo bela. Ao invés de uma mala, ela traz duas malas grandes de rodinha, e uma bolsa pequena que fica acima de uma das malas.
Vestido mais chiques, do que o suposto enviado do proprietário, o homem baixinho de barba grande sem bigode, e careca, Balu Talim, se veste com sobretudo cinza, e sapatos pretos, de forma modesta, elegante, mas discreta, como alguém de destaque, destoante de sua postura nervosa, e curvada. Dembele e Yasuke, tem roupas de maior condizente com local, calça bege e camisa social azul, com sapatos sociais pretos, carregando as bagagens do senhor. Eles vão receber seus papeis.
— Por que o agente está sendo mandado de volta, e quem são esses? — questiona Balu, trêmulo de olhos esbugalhados
— Vocês agora são os responsáveis pela encomenda, você vai ser considerado como enviado do proprietário para cuidar diretamente de sua propriedade — explica Barke, com o entusiasmo que usa para contar boas histórias.
— Está maluco, eu não posso fazer isso! Vão me matar, eu só era um vendedor de falafel! — grita Balu desesperado, colocando as mãos em Barke.
— Viu como já subiu de patamar na vida! — afirma Barke sorridente, se entretendo com a história.
— E enquanto a mim? — questiona Dembele, nervoso, mas entrando na brincadeira querendo saber qual é o seu papel.
— Um funcionário, que tem como assistente o garoto — responde Barke.
— Se é assim, eu não quero voltar, eu prefiro ser preso — reclama Dembele, descartável com o seu papel.
— Escute, vocês estão seguros! – Akuto argumenta, procura convencer a eles de entrarem no papel, ele olha para o garoto que se sente tocado e confiante. — Lá é o verdadeiro lar de vocês, preferem viver como fugitivos? Deixar esse garoto sofrer em uma casa de reabilitação de menores ou voltar a ter o lar de vocês?
— Dembele, vamos ter coragem, vamos voltar! — diz o pequeno Yasuke, convencido, puxa o marmanjo pela calça.
— Aquele cara é assustador, não viram o que eu vi — diz Dembele, cabisbaixo, apesar de querer ir, teme.
— Por que tanto medo, ele não está aqui, vamos partir — diz Li Han, sorridente e despreocupado, aponta para Hiro e Saikyo. — Esses dois vão proteger vocês, eles não são normais.
— Entrem no trem, peguem suas passagens e documentos, o trem está protegido — Barke fala com pressa, vendo o tempo passar, entrega as passagens e documentos necessários.
Os viajantes vão em direção ao seu vagão, que é designado para passageiros, neste trem marrom híbrido, que conta também com vagões para carga. O trio das crianças de preto cuidam das bagagens, assim como cuidaram da carga. Quando todos estão apostos no trem, eles olham das janelas, antes da partida o trio se despedindo.
— Ei Hiro, não se esqueça da minha proposta quando voltar! — Barke cobra o garoto;
— Vai ser um prazer trabalhar com vocês, ainda mais quando estiverem de volta! — despede Akuto, acena gentilmente para os viajantes.
— Vamos ser melhor que vocês em cumprir nossa parte, espero que consigam ir bem fracotes — Raikou, sem tato, lança provocações, apesar de apenas querer se despedir.
— Até logo, manda um beijo pra Shinda por mim Raikou! — responde Saikyo as provocações de Raikou com delicadeza.
— Ei? Quem você pensa que eu sou? Talvez eu lembre! — Raikou cruza os braços, ficando sem jeito.
— Eu vou lembrar, até logo, ei Raikou, você parece forte! — afirma Hiro.
— Pareço? — questiona Raikou, confuso com tal afirmação.
— Quando eu voltar vamos lutar, só para treinar! — Hiro lança o desafio de forma amistosa.
— Que abusado, seu maldito, não perde por esperar! — berra Raikou irritado, o ameaça levantando seus braços, enquanto vê ele ir embora causando a risada de seus companheiros.
O trem parte com eles se despedindo, Li Han gargalha com a interação dos jovens, e até então mantém em segredo, o verdadeiro motivo desta viagem, os fugitivos ficam tensos com a volta, pois sabem o que os espera.
Saikyo usa um qipao, ou de modelo mais curto cheongsam. Vestido longo tradicional chinês.
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