Capítulo 31: Cadê meu poder?
À medida que Fenrir se aproximava da cidade, ele começou a diminuir a velocidade. O lobo, geralmente tão imperturbável, parecia agora atento a algo além do horizonte imediato. Lilith, ainda segurando-se em suas costas, sentiu a mudança súbita na atmosfera, uma sensação que arrepiava sua pele. O que quer que estivesse por vir, não era simples. De súbito, uma notificação inesperada emergiu na visão dela.
O sistema, geralmente discreto e prático, projetou-se com uma luz brilhante e incomum, destacando um aviso:
▷ Notificação: A deusa Branca forçou a deusa Virelya a suspender o fornecimento de poder para você.
Lilith piscou, confusa. A tela do sistema piscava como se estivesse sobrecarregada, ou, pior, como se algo estivesse tentando interferir diretamente em suas funções. Antes que pudesse digerir completamente a mensagem, sentiu uma cegueira repentina tomar seus olhos. A venda, sempre impregnada com o poder da deusa Virelya, antes a permitia ver as coisas além do alcance normal, mas agora parecia não responder a nada, como um véu inútil cobrindo sua visão.
▷ Nome: Lilith
▷ Habilidades: Imortalidade, Resistência elemental avançada, Body Reset, Criar e manipulação de raios, Velocidade, Cura, Controle termo-hídrico, Manipulação do Ar, Regeneração acelerada
▷ Técnicas: Coração Silente, Tempestade Neutra
▷ Status: Confusa
A urgência a forçou a tirar a venda com as mãos trêmulas. Ela a enrolou rapidamente, guardando-a num bolso da roupa com um movimento prático e ligeiro. Sua visão voltou, ainda que com uma sensação incômoda, como se o mundo à sua frente estivesse… diferente.
O sistema então brilhou novamente, desta vez em tons que oscilavam entre o branco e o cinza, como se lutasse para manter a estabilidade. As palavras surgiram mais uma vez, um tanto desfocadas, mas compreensíveis:
▷ Eu não gostei do que está acontecendo. Não se envolva com ele
A mensagem piscava de modo insistente, as letras brilhando em branco com uma intensidade que parecia quase real, ofuscando seus olhos momentaneamente.
Lilith ficou em silêncio, a mente fervilhando com perguntas. O “ele” ao qual o sistema se referia poderia ser o Rei Demônio, a fonte de um poder tão denso e perturbador que ela agora conseguia sentir pulsando em alguma profundidade sombria de sua própria existência. Algo havia mudado dentro dela, algo que era ao mesmo tempo uma dádiva e uma maldição, e a deusa Branca, pelo visto, se opunha a esse novo elo que se formava.
Quando o sistema finalmente voltou ao normal, um último lampejo apareceu na tela, refletindo a imagem de Lilith como um espelho. Lá estavam seus olhos, não mais alaranjados ou vermelhos como antes, mas um preto profundo, absorvendo a luz ao redor.
Ela piscou, encarando o próprio reflexo como se observasse outra pessoa.
Ao se aproximarem dos altos muros de proteção que circundam a torre, Lilith ouviu Fenrir murmurar, sua voz profunda ressoando em seus ouvidos com uma gravidade incomum.
Senti a sua conexão com a deusa Virelya se romper. Foi como um fio sendo cortado de forma abrupta. A influência da deusa Branca estava lá, inconfundível, ele falava com o olhar fixo à frente, mas Lilith sentiu o peso de sua atenção em cada palavra.
Ela assentiu, o semblante pensativo.
Foi como se algo que me dava suporte desaparecesse de repente, deixando apenas… um vazio. Não tenho certeza do que esperar daqui em diante.
Félix, ainda ao lado dela, se manifestou, sua voz surgindo como um sussurro no vento.
Deixe que eu investigue. Algo aconteceu, além do que conseguimos perceber, e o fato de eu ter sido visível para o mago não é coincidência. Vou procurar respostas.
Lilith o observou desaparecer no ar com um aceno breve, a sombra de uma preocupação cruzando seu rosto.
Quando Félix sumiu de vista, Lilith virou-se para Fenrir, seu olhar distante e reflexivo.
E quanto ao corpo do demônio? Será que abandoná-lo foi uma decisão sábia?
Fenrir, com um olhar de quem já antecipava a preocupação dela, deu uma risada curta e indulgente.
Enquanto você restaurava sua roupa, achei prudente jogá-lo em um espaço separado. Como uma espécie de bolsa dimensional. Ele está guardado e acessível para quando decidir entregá-lo à guilda.
Surpresa e aliviada, Lilith abriu um sorriso, agradecendo sinceramente. Fenrir sabia antecipar suas necessidades, e isso a deixava mais segura, mesmo em tempos de incerteza.
Logo, avistaram uma cena alarmante: demônios tentavam romper o muro de proteção da torre, suas armas e garras em frenesi enquanto tentavam abrir uma passagem para invadir Novograd. Fenrir parou, seus olhos focados na ameaça iminente.
Lilith, percebendo a urgência da situação, se preparou, sua determinação se fortalecendo. Sem hesitar, lançou-se em alta velocidade, mirando em um demônio particularmente ameaçador. A criatura possuía um corpo humanoide, mas sua cabeça de touro e o grande machado na mão direita revelavam a selvageria de sua natureza.
Com os punhos fechados e a decisão incandescendo em seus olhos, Lilith tentou invocar seus chicotes de raios, os mesmos que tantas vezes haviam assegurado sua vitória. Mas no instante em que a energia surgiu, algo terrível aconteceu: uma descarga elétrica potente percorreu seu corpo, do peito até as extremidades, num choque de dor inesperada. Sentiu-se perder o controle de si mesma, caindo ao chão e deslizando enquanto ainda tentava entender o que a atingira. O mundo ao redor girava enquanto ela sentia seu corpo enrijecido, cada músculo incapaz de reagir.
Confusa, sua mente vagava em busca de respostas, até que o sistema respondeu, a voz fria e prática ecoando em sua mente.
▷ Notificação: Esqueceu? A deusa Virelya era quem protegia você dos efeitos da eletricidade. O sistema ainda está se adaptando da exclusão de algo no sistema, um vazio onde não deveria ter, embora haja uma habilidade que faça você seja imune aos seus raios, não estava incorporado nesta habilidade sua habilidade raios
Lilith mal conseguia se levantar após o choque quando o minotauro avançou, suas passadas retumbantes ecoando como trovões. Antes que ela pudesse reagir, sentiu o impacto massivo do punho da criatura, que a lançou violentamente contra o muro da torre. Sua cabeça colidiu com a parede com uma força brutal, e por um momento tudo pareceu se desvanecer em uma mistura de dor intensa e uma escuridão que começava a invadir sua visão.
O sistema, com sua voz mecânica e impessoal, interveio, soando como uma resposta automática.
▷ Notificação: A transferência para o plano dos deuses será iniciada para regeneração devido ao estado crítico e à ativação da imortalidade. Preparando transporte…
Mas, de repente, como uma interferência invadindo um sinal, uma voz explodiu em sua mente, cortando o processo de forma abrupta. O som era áspero, quase caótico, ressoando numa tonalidade fria e de um roxo imaculado que fazia a própria estrutura do sistema vibrar e distorcer.
“NÃO!”, a voz gritou, ecoando repetidas vezes, cada vez mais forte, a palavra “não” repetida num crescendo que parecia distorcer e desintegrar os comandos do sistema. Os ícones e mensagens no campo de visão de Lilith começaram a piscar, as letras tremendo e se sobrepondo, como se algum poder desconhecido estivesse violando a própria essência do sistema.
E então, em um último lampejo, o sistema emitiu uma notificação entrecortada e falha:
▷ Notificação: …Imortalidade… desativada… erro… erro… não será…
A dor lentamente começou a se dissipar, mas o vazio gelado e profundo tomou seu lugar. Lilith sentiu como se estivesse caindo em uma vastidão de escuridão líquida, como se um abismo a engolisse em um mar frio e profundo. Tentou respirar, mas seus pulmões pareciam comprimidos, como se o próprio ar lhe faltasse. Ao olhar para baixo, viu seu corpo, ou o que restava de sua consciência dele: linhas finas de luz branca, delineando sua forma como uma pessoa frágil e distante, dissolvendo-se enquanto afundava ainda mais nas sombras.
Mas, então, algo rompeu o vazio ao seu redor. No meio da escuridão, um brilho suave e de uma cor inesperada começou a emergir: roxo, vibrante e pulsante, como se uma energia antiga e desconhecida estivesse sendo libertada ali, naquele espaço entre a vida e a morte. Uma figura começou a tomar forma na escuridão, esculpida com linhas roxas que pareciam cintilar, carregadas de um poder quase tangível.
Era uma mulher, a silhueta esguia adornada com um par de chifres curvados, que emergiram de sua cabeça como uma entidade poderosa e esquecida. Seus olhos, duas fendas de um brilho púrpura profundo, fixaram-se em Lilith com intensidade, e ela estendeu a mão para ela, como se quisesse puxá-la de volta à superfície.
“Lilith”, a figura disse, sua voz reverberando na escuridão como uma melodia sombria e encantadora, “Você precisa saber a verdade sobre sua existência.”
A mão da entidade segurava Lilith com firmeza, sua presença quase quente em meio ao frio da escuridão, tentando puxá-la para cima. Lilith sentia um misto de medo e esperança crescendo dentro dela, como se, finalmente, respostas às dúvidas que sempre a assombraram estivessem ao seu alcance.
Enquanto a figura misteriosa falava, sua voz carregava uma suavidade quase hipnótica, como o vento sussurrando entre folhas antigas. A mão dela segurou Lilith com firmeza, mas ao mesmo tempo, uma transformação estranha e maravilhosa começou a acontecer. Lentamente, o braço de Lilith se desfazia em pequenas esferas de luz roxa que flutuavam para o ar, como poeira etérea que escapava de seu corpo e, guiada por algum poder maior, se reunia em torno da figura que a segurava. As luzes dançavam, suaves, e por um instante, tudo parecia girar ao redor de Lilith.
Ela piscou, e num piscar de olhos, o cenário ao seu redor havia mudado. Agora, encontrava-se em uma floresta antiga, repleta de árvores gigantescas cujas copas se estendiam para além da vista, bloqueando o céu em uma sombra verde e densa. Lilith estava de pé, ou melhor, agora era uma criança pequena, quase indefesa, e tudo parecia familiar e, ao mesmo tempo, completamente novo. Cada som ao seu redor, o farfalhar das folhas, o gotejar de alguma água distante, tudo soava diferente, mas ecoava como uma melodia há muito esquecida.
Incapaz de controlar os próprios movimentos, Lilith se viu caminhando lentamente até a margem de um rio tranquilo e escuro. O reflexo da água parecia cintilar, como um espelho vivo que reagia à sua aproximação. Ela se ajoelhou ao lado do riacho, seus pequenos pés descalços afundando levemente na terra úmida, e observou sua própria imagem refletida na água.
O que viu no reflexo a surpreendeu profundamente. Não era o rosto que conhecia ou a imagem que carregava de si mesma. Em vez disso, uma pequena garota de cabelos pretos e olhos escuros a fitava, a expressão vazia, como se carregasse o peso do mundo em seu olhar. Seus olhos eram de um preto impenetrável, profundos e intensos, e de suas têmporas surgiam um par de chifres negros, curvados para a frente, simbolizando algo que Lilith ainda não compreendia, mas que despertava em seu coração um pressentimento de perda e tristeza.
Sua roupa, agora visível no reflexo, estava em farrapos, desgastada pelo tempo e cheia de cortes, como se tivesse passado por incontáveis batalhas. Havia um cansaço em sua face, e ainda assim, mesmo sem se lembrar, Lilith sentia que aquele rosto era, de alguma forma, parte dela, uma memória esquecida e reprimida nas profundezas de sua existência.
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