Capítulo 32: Sou eu?
Enquanto a jovem Lilith observava seu reflexo no rio, tentando decifrar o enigma de sua aparência e a sensação de vazio que a preenchia, um som súbito rompeu o silêncio da floresta. O farfalhar das folhas deu lugar a um rosnado ameaçador. Antes que pudesse reagir, um lobo selvagem, de olhos ardentes e dentes à mostra, saltou da vegetação em sua direção, pronto para o ataque.
Num instinto primal, algo em Lilith despertou. Das suas costas, surgiram asas feitas de uma substância que não era mana nem carne, mas algo mais primordial, etéreo, brilhando em um tom roxo hipnotizante. As asas, afiadas como lâminas, se moveram com precisão letal, perfurando o corpo do lobo antes que ele pudesse alcançar seu alvo. A criatura, ferida mas não derrotada, atacou com as garras, atingindo o braço da jovem. Ela mordeu os lábios, tentando conter o grito de dor, e com um movimento final e decisivo, atravessou a cabeça do animal com suas asas, terminando o combate.
Com o lobo morto, Lilith o ergueu com esforço usando suas asas como uma espécie de garras para carregá-lo. Apesar do peso do animal e de sua própria dor, ela seguiu em direção ao acampamento, buscando segurança e um lugar para tratar seus ferimentos. Ao se aproximar, no entanto, algo a fez parar. A clareira que costumava chamar de refúgio estava tomada por figuras estranhas, todas vestidas com capuzes vermelhos. Elas vasculhavam o local, derrubando objetos rudimentares e murmurando entre si.
— Onde está aquela meio-humana, meio-demônio? — uma voz ríspida perguntou.
Lilith congelou. Seu coração batia freneticamente enquanto ela tentava entender quem eram aquelas pessoas e por que estavam procurando por ela. Sua distração foi o suficiente para que outra figura se aproximasse sem que ela percebesse. Lectos, uma figura alta e de aspecto ameaçador, surgiu atrás dela, seus olhos brilhando com uma fome predatória.
— Finalmente te encontrei — ele disse, com um sorriso torto. Sua língua passou lentamente pelos lábios, um gesto que fez o medo de Lilith crescer exponencialmente.
Apavorada, ela deu um passo para trás e, num movimento desesperado, virou-se e correu, suas asas ainda segurando o lobo. Mas Lectos era mais rápido. Ele lançou um ataque certeiro, golpeando o pé direito de Lilith com uma adaga, imobilizando-a momentaneamente. A dor era insuportável, e ela deixou o corpo do lobo cair enquanto suas asas se agarravam às árvores, ajudando-a a fugir mesmo com a ferida.
Os capuzes vermelhos não desistiram. Eles a perseguiam incessantemente pela floresta, lançando feitiços e ataques para tentar capturá-la. Um deles conjurou uma poderosa magia de luz, que explodiu na frente de Lilith, cegando-a momentaneamente. Incapaz de ver para onde estava indo, ela correu diretamente para o fim de um penhasco. Quando sua visão voltou, era tarde demais. Lilith sentiu o vazio sob seus pés e começou a cair.
— Ela vai escapar! — gritou um dos encapuzados, observando-a planar desajeitadamente com suas asas.
Lectos, irritado, conjurou um raio. A descarga atingiu Lilith em pleno ar, fazendo-a perder o controle. O choque percorreu seu corpo, e ela desmaiou, caindo violentamente de uma altura inimaginável. No entanto, instintivamente, suas asas se agarraram ao penhasco, segurando-a por um momento. Uma armadura roxa e negra começou a se formar em seus braços — da mão, passando pelo antebraço e metade do braço —, reforçando-os para suportar o peso enquanto se agarrava desesperadamente à parede rochosa.
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Mas a fome, os ferimentos e o cansaço eram demais para seu corpo infantil. Lilith perdeu a concentração, e suas asas se dissiparam. Sem elas, sua força foi insuficiente, e ela caiu novamente, desta vez sem chance de se segurar. O impacto foi devastador. Seu pequeno corpo se chocou contra uma pedra, quebrando ossos antes de deslizar até o solo da floresta.
Os encapuzados desceram o penhasco para verificar o que havia restado. O corpo de Lilith estava irreconhecível, quebrado pelo impacto. Alguns membros do grupo se voltaram para Lectos, irritados.
— Devíamos tê-la capturado! Você estragou tudo! — disse um deles, sua voz carregada de frustração.
Lectos deu de ombros, exibindo um sorriso indiferente.
— Relaxem. O corpo dela não vale mais nada, mas vocês ouviram os rumores, não ouviram? Meio-humana, meio-demônio… E os pais dela? Quem eram eles? — ele inclinou a cabeça, pensativo, enquanto observava os restos de Lilith. — Talvez seja melhor assim. Morta, ela não é um problema para ninguém.
Os outros resmungaram, irritados, enquanto se preparavam para partir, deixando para trás o corpo destruído da garota. Mas o olhar de Lectos permaneceu fixo nela, uma curiosidade sombria e inquietante queimando em seus olhos.
Lilith despertou com um sobressalto, sua respiração pesada, e suas mãos instintivamente agarraram o chão abaixo de si. Seus olhos estavam arregalados e marejados, como se emergisse de um pesadelo que não conseguia distinguir da realidade. Sua voz saiu entrecortada, quase um sussurro, mas carregada de significado.
— Lectos… Era eu? — murmurou, ainda confusa e tentando compreender as lembranças e o peso de tudo o que havia vivido.
— Sim, era você… — respondeu uma voz calma e doce.
Lilith ergueu a cabeça e viu, agachada ao seu lado, a mesma garota das lembranças. Era a pequena versão dela mesma, com olhos escuros e profundos, cabelos pretos e um semblante sério que contradizia sua aparência jovem. A garota se levantou, o ambiente ao redor mudando com ela. O vazio roxo onde estavam transformou-se novamente na floresta, cada detalhe vindo à tona como se a realidade se moldasse a partir de sua presença. O céu estava tingido pelos primeiros raios de um amanhecer pálido, indicando que poucas horas haviam se passado desde que tudo começou.
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Lilith ainda tentava processar tudo quando algo chamou sua atenção no céu. Um brilho metálico surgiu na linha do horizonte, crescendo rapidamente. Conforme o objeto se aproximava, sua figura tornava-se mais clara: era um demônio. Ele usava uma armadura negra com detalhes em vermelho vivo, sua presença exalando uma força esmagadora. Cada movimento parecia fazer o ar ao redor dele vibrar com energia sombria. O som de suas asas metálicas cortando o ar era como o lamento de almas aprisionadas.
Ele pousou com força no chão diante de Lilith, rachando a terra ao redor. Por um momento, sua armadura parecia impenetrável, uma verdadeira fortaleza ambulante. Então, a peça em sua cabeça começou a se desfazer, revelando um rosto que Lilith nunca esperaria ver: o do Rei Demônio.
Seu semblante, apesar de majestoso, estava carregado de tristeza. Ele se ajoelhou diante dela, algo que parecia completamente improvável para uma figura de sua magnitude. Sua voz era grave, mas com um tom dolorido que ecoava pela clareira.
— Finalmente… finalmente eu te encontrei — ele a encarou, os olhos brilhando com uma mistura de alívio e pesar. — Mas na hora errada, minha filha.
A última palavra foi como um golpe para Lilith. Ela ficou paralisada, incapaz de responder, seus pensamentos girando em caos absoluto. Filha? Ela era filha do Rei Demônio? Como isso poderia ser possível?
— Minha filha… — ele continuou, lágrimas escorrendo por seu rosto, algo tão contraditório à sua aura imponente que Lilith não sabia como reagir. — Fui um tolo por deixar que isso acontecesse. Mas agora, mesmo neste momento de desespero, prometo a você que encontrarei uma maneira de trazê-la de volta à vida. Você não merece este destino.
Ele ergueu a mão e conjurou um escudo etéreo ao redor do corpo dela. A energia que emanava parecia pulsar como um coração, um artefato feito para protegê-la contra qualquer ameaça por um tempo considerável. Ele deu um último olhar ao corpo de Lilith, suspirando profundamente.
— Perdoe-me, minha filha. Não fui forte o suficiente para protegê-la antes — sua voz quase se quebrou, mas ele se recompôs rapidamente e desapareceu no céu, deixando Lilith ainda mais confusa.
Enquanto ela ainda tentava entender o significado do que acabara de presenciar, uma luz intensa, branca como o próprio sol, surgiu do nada, iluminando a floresta como uma torre que tocava os céus. Lilith cobriu os olhos, sentindo sua pele arder sob o brilho, mas ainda assim forçando-se a encarar o que estava acontecendo.
Uma forma começou a se delinear na luz: uma figura feminina, inteiramente branca, que parecia ser feita da própria essência divina. Quando a figura falou, sua voz era fria e inumana, reverberando como um eco eterno.
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— As divindades recomendaram este corpo — declarou, olhando para Lilith com desdém. — Sem importância ou descendência, não seria percebido seu desaparecimento. Foi uma escolha prática.
A figura se aproximou do corpo, e sua forma começou a se transformar. Era como se sua essência divina fosse absorvida pelo que restava de Lilith, moldando-a e reconstruindo-a, não como quem ela era, mas como aquilo que ela havia se tornado.
*Referente ao capítulo 1.
— Como prometido, ele permanecerá ao seu lado — acrescentou a entidade antes de desaparecer, deixando apenas sua mensagem. — Mas suas memórias ficarão ocultas.
O cenário ao redor se dissolveu novamente no vazio roxo, como se a própria realidade fosse um palco mudando de cena. A garota das memórias voltou a se aproximar de Lilith, agora com uma expressão triste.
— Eu observei você todo esse tempo — disse a garota, suas palavras carregadas de uma maturidade incomum. — Desde sua chegada a este mundo, até este momento. Tive que intervir, porque as coisas estavam descontroladas… nosso pai… a Deusa Branca… — ela balançou a cabeça. — Você precisava saber a verdade antes que fosse tarde demais.
Lilith, incapaz de conter as lágrimas, avançou e abraçou a garota com força. Suas lágrimas caíam livremente enquanto sentia o calor reconfortante daquela parte de si mesma que finalmente havia encontrado.
— Obrigada… — sussurrou Lilith, sua voz embargada pela emoção.
A garota devolveu o abraço, seus olhos cheios de compreensão.
— Você ainda tem muito o que enfrentar, mas agora sabe de onde veio. Isso é sua força… e sua maldição.
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As duas ficaram ali, unidas no vazio roxo, o abraço carregando todo o peso de uma existência fragmentada, mas também a promessa de um futuro que Lilith ainda poderia moldar com suas próprias mãos.
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