Capítulo 35: Filha de quem?
A tensão na sala aumentou no instante em que Arlin se espreguiçou na cadeira e, com um tom descontraído, perguntou:
— Então, a explosão que atingiu a cidade… foi você?
Lilith, ainda sentada, manteve a postura firme e respondeu sem hesitar:
— Sim.
Arlin ergueu uma sobrancelha e cruzou os braços, a exaustão em seu rosto agora mesclada com curiosidade.
— E o mago? O que você pode me dizer sobre ele?
Lilith inclinou-se um pouco para frente, os dedos entrelaçados sobre a mesa.
— Era um grande mago, mas amaldiçoado. Sua maldição o obrigava a treinar pessoas para que, eventualmente, um demônio pudesse possuir o corpo dele e usar esse poder para derrotar e absorver os discípulos. Ele fazia isso para escapar do controle do demônio — ela fez uma pausa. — Mas eu o derrotei. O demônio era um dos generais do Rei Demônio.
Arlin franziu o cenho, pensativo.
— Um dos generais, hein? E o corpo?
Lilith estendeu a mão, abrindo uma pequena fenda no ar. Um portal de éter roxo se formou, e, dele, começou a emergir o corpo sem vida do demônio. Antes que tocasse o chão, ela lançou uma magia de ar para mantê-lo suspenso.
— Aqui está. Mas eu quero ficar com ele.
Arlin a observou por um momento, avaliando a situação. Finalmente, soltou um suspiro cansado e assentiu.
— Pode ficar. O depósito onde guardamos coisas desse tipo foi destruído de qualquer forma.
Antes que ele pudesse continuar, Lilith moveu os dedos e, da mesma fenda, puxou algo que imediatamente chamou atenção de todos: a cabeça massiva de um minotauro com parte do corpo para fora. Ela a colocou no ar entre eles, flutuando com a mesma magia.
— E isso? — Arlin perguntou, inclinando-se para frente.
— Ele estava destruindo o muro da cidade, tentando abrir uma passagem para outros monstros entrarem. Tive que detê-lo — Lilith deu um leve sorriso, mas logo devolveu tanto o corpo do demônio quanto a cabeça do minotauro para a fenda.
Arlin massageou as têmporas com as mãos, claramente lidando com uma mistura de cansaço e frustração.
— E agora? — ele perguntou, mais para si mesmo do que para ela. — Com essas contribuições, você deveria subir para Rank B… ou até mesmo A.
Lilith abriu a boca para responder, mas hesitou. Sentia um peso crescente no ambiente. Seu coração começou a acelerar, e as palavras ficaram presas na garganta. Quando tentou falar, sua voz saiu gaguejante.
— Eu… eu não sei se…
Antes que pudesse completar, instintivamente puxou o capuz para trás, revelando seus chifres negros. A aura de éter ao seu redor os envolveu brevemente, destacando-os ainda mais.
A sala mergulhou em um silêncio mortal. Os olhos de Arlin se arregalaram em choque, sua expressão de exaustão sendo substituída por uma mistura de surpresa e algo próximo ao medo.
Mas foi a elfa quem reagiu primeiro. Antes mesmo de Lilith perceber, ela já estava de pé, uma adaga cintilante encostada em sua garganta. Sua postura era feroz, os olhos fixos nos de Lilith como se ela fosse uma inimiga mortal.
— O que você é? — A elfa sibilou, sua voz carregada de desconfiança e tensão.
Fenrir deu um passo à frente, rosnando baixo, mas Lilith ergueu uma mão para detê-lo. Sua mente corria, tentando processar o que dizer para acalmar a situação. Félix, invisível ao lado dela, também parecia inquieto, mas permanecia em silêncio, observando cada movimento.
Arlin, ainda boquiaberto, finalmente encontrou sua voz.
— Lilith… — ele começou, sua voz tremendo levemente. — Você… não é humana, é?
A elfa pressionou a lâmina um pouco mais contra a pele de Lilith, mas ela manteve a calma, mesmo com o fio cortando levemente sua pele.
— Parem — disse Lilith com firmeza, mas sem hostilidade. — Eu vou explicar tudo.
A tensão na sala era palpável, como se a qualquer momento algo pudesse explodir novamente.
Arlin respirou fundo, recompondo-se antes de olhar para a elfa.
— Eryndra, sente-se.
A elfa hesitou por um momento, mas abaixou a adaga e obedeceu. Seus movimentos eram tensos, mas obedientes, deixando claro que ela confiava nas ordens do mestre da guilda, mesmo que sua desconfiança em relação a Lilith ainda estivesse evidente.
Arlin virou-se para Lilith, com as mãos cruzadas sobre a mesa, e fez um gesto para que ela explicasse.
— Eu descobri recentemente… — Lilith começou, sua voz firme, mas havia uma tensão subjacente — que sou metade humana e metade demônio. Isso veio à tona quando recuperei memórias que haviam sido seladas. Mas não sou apenas qualquer híbrida. Sou filha do Rei Demônio.
O silêncio na sala era ensurdecedor. Eryndra estreitou os olhos, mas manteve-se quieta. Arlin, por outro lado, soltou um suspiro longo e pesaroso antes de falar.
— Filha do Rei Demônio… — Ele balançou a cabeça lentamente. — Eu sabia que você era especial, mas isso… Isso é maior do que imaginava.
Ele esfregou a testa, claramente pensando em algo.
— Rank B ou A? Isso seria insuficiente. Você deveria ser rank S. Não… — ele ficou em silêncio.
Lilith ergueu uma sobrancelha, surpresa.
— Por que não?
Arlin sorriu, mas havia uma amargura em seu semblante.
— Porque seria um caos. Não é o momento certo para isso. E, além disso… — ele inclinou-se para frente. — Seus olhos mudaram. Não brilham mais em laranja. Agora são pretos.
Lilith desviou o olhar, desconfortável.
— Isso aconteceu quando perdi a conexão com um dos deuses. Não tenho mais aquele brilho porque… perdi isso também.
Antes que Arlin pudesse responder, Eryndra falou, sua voz cortante como uma lâmina.
— Mestre.
Arlin olhou para ela, confuso por um momento, mas logo pareceu entender. Ele se empolgou, mas rapidamente disfarçou com uma tosse formal, recompondo-se.
— E esse espírito que está com você, Lilith? — Ele perguntou, agora com um tom inquisitivo.
Lilith franziu o cenho.
— Que espírito?
— Não precisa mentir.
A elfa apontou para o espaço ao lado dela.
— Eryndra sente a presença dele.
Lilith olhou para Félix, que permanecia invisível, mas calmo.
— Ah… — ela começou, tentando organizar seus pensamentos. — Ele está comigo desde que perdi minhas memórias. Ele tem me ajudado desde então.
Arlin relaxou um pouco na cadeira, fechando os olhos por um momento.
— Entendido. Agora, sobre o aumento de rank… — ele abriu os olhos e voltou a encará-la. — Vou solicitar que você seja promovida para Rank A. No entanto, há uma regra que você precisa saber.
— Regra? — Lilith inclinou a cabeça, curiosa.
— Quando alguém se registra em uma guilda, aquela se torna sua base. É como uma caixa de correio. Se você mudar de cidade e aumentar de rank, só poderá pegar seu novo cartão na guilda onde foi registrado originalmente, a menos que o lugar onde você esteja também seja licenciado para promover ranks.
Lilith assentiu, compreendendo.
— Então é como em Vern?
— Exatamente. Mas Novograd não é como Vern. — Arlin deu um sorriso cansado. — Ainda assim, escreverei a melhor recomendação possível para que você seja promovida para Rank A. Vou enviar uma carta para o mestre da guilda de Colbith, Rynvar Stoneclaw.
Lilith sorriu levemente.
— Eu mesma entregarei.
— Ah? E como planeja fazer isso com rapidez? Vai usar o Fenrir?
Lilith riu suavemente e balançou a cabeça.
— Não. Eu mesma.
Com isso, ela gerou suas asas de éter, que se estenderam magnificamente, brilhando com sua energia primordial. Arlin riu, quase em estado de êxtase.
— Ah, Lilith, você sempre me surpreende! Quase tão empolgante quanto aquele cogumelo gigante que você causou com a explosão!
O sorriso de Lilith desapareceu, e ela abaixou a cabeça.
— Sobre isso… — ela murmurou, sua voz carregada de culpa.
Antes que pudesse continuar, ela se ajoelhou no chão, inclinando-se para frente até que sua testa tocasse o chão. Suas asas de éter acompanharam o movimento, dobrando-se em uma reverência profunda.
— Peço desculpas pelo que a explosão causou. Foi irresponsável da minha parte.
Arlin ficou boquiaberto, claramente surpreso.
— A filha daquele ser não precisa se rebaixar assim.
Antes que pudesse continuar, Fenrir deu um passo à frente.
— Não a compare com o pai dela.
Arlin hesitou, desconcertado, mas assentiu.
— Certo. Ok.
Ele se levantou da cadeira, retomando o controle da situação.
— Já chega de formalidades. Vou reservar um quarto para vocês.
Eryndra, que havia permanecido em silêncio, finalmente falou:
— Pode ser aquele.
Arlin olhou para ela, ponderou por um momento e então concordou.
— Certo. Será na área VIP da guilda.
Eles foram guiados até lá e, ao entrar, Lilith e Fenrir ficaram surpresos. O quarto era luxuoso, com móveis de madeira fina, uma cama macia, cortinas elegantes e uma lareira acesa que trazia um calor reconfortante.
— Isso é mais do que eu esperava — Lilith comentou, admirando o ambiente.
Fenrir deu um leve sorriso, enquanto Félix permanecia ao lado dela, invisível, mas igualmente impressionado.
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