Aiko Tsukawa saiu da sala com um caderno em mãos. Antes que pudesse seguir em direção ao corredor, uma voz alegre a chamou:

    — Aiko!

    Ela virou-se para encontrar sua amiga, Kaori, sorrindo largamente, com aquele ar sempre descontraído que contrastava com a seriedade natural de Aiko.

    — Você vai estar livre hoje à tarde? Ou vai se encontrar com ele? — perguntou Kaori, com um tom sugestivo que fez Aiko revirar os olhos.

    — Kaori, já falei para parar de espalhar essas coisas — respondeu Aiko, fingindo irritação, embora a ponta de um sorriso escapasse.

    Kaori ergueu as mãos em um gesto de desculpas, mas a expressão travessa permaneceu em seu rosto.

    — Tá bom, tá bom, não vou contar mais nada. Mas, então, vai estar com tempo ou não?

    Aiko suspirou, ajustando a alça de sua mochila.

    — Sim, estarei livre. E, não, eu e o Heri não temos nada, já te disse.

    Kaori riu e deu um tapinha nas costas da amiga.

    — Você é tão previsível, Aiko.

    As duas continuaram conversando enquanto deixavam a faculdade, seus passos ecoando pelo calçadão movimentado. Quando chegaram à rua principal, se despediram, e Aiko seguiu seu trajeto usual para casa.

    A cidade estava agitada como sempre, com o barulho de conversas, buzinas e passos apressados formando uma sinfonia caótica. Aiko caminhava sem pressa, seus pensamentos flutuando de um lado para o outro.

    Enquanto seguia pela calçada, algo chamou sua atenção. Do outro lado da rua, ele estava lá: Heri Togaki. Ele conversava com uma mulher de cabelos longos, o rosto iluminado por um sorriso descontraído. Aiko parou por um momento, sentindo um aperto súbito no peito que ela não sabia explicar.

    Ela desviou o olhar rapidamente, fingindo estar mais interessada no semáforo à sua frente. O sinal para pedestres finalmente ficou verde, e ela começou a atravessar, ainda perdida em seus pensamentos.

    Foi então que tudo aconteceu.

    O som ensurdecedor de buzinas e gritos preencheu o ar. Um caminhão enorme vinha desgovernado pela avenida, o motorista desmaiado ao volante. Aiko percebeu tarde demais. Seus olhos se arregalaram enquanto o veículo avançava em sua direção. Seus pés pareciam colados ao chão, o medo a paralisando completamente.

    Mas, no último instante, algo a empurrou com força para longe. Aiko sentiu o impacto, mas não foi do caminhão — alguém havia se jogado para salvá-la. No entanto, o esforço não foi suficiente para evitar o pior. Ambos foram atingidos pela lateral do caminhão, sendo lançados ao chão com violência.

    O mundo girava ao redor de Aiko. Ela sentia o sangue quente escorrer por sua testa, mas seus olhos, ainda abertos, focaram na figura caída ao seu lado. Era Heri.

    — Heri… — ela murmurou, a voz fraca, quase inaudível.

    Ele estava inconsciente, com sangue escorrendo de uma ferida na cabeça. Aiko tentou se mover, mas cada músculo doía, e sua visão começava a embaçar. Foi então que ela notou algo em sua mão — um caco de vidro, que estava cravado em seu próprio abdômen.

    A dor era lancinante, mas Aiko tentou ignorá-la. Com um esforço tremendo, tentou se levantar, mas o mundo escureceu de repente, e ela desabou de volta ao chão, perdendo a consciência.

    O som distante das sirenes foi a última coisa que ouviu antes de tudo se apagar.

    No mundo real, o corpo de Lilith estava irreconhecível, completamente consumido pelo modo berserk. A criatura que ela havia se tornado era uma visão aterrorizante, um ser de puro caos e destruição. Seus chifres curvavam-se para frente, protegidos por camadas de armadura negra que pareciam indestrutíveis. No lugar da boca, uma mandíbula metálica pulsava com uma luz roxa, viva e quase consciente, escapando de uma abertura cheia de dentes pontiagudos.

    Cada movimento daquela criatura era um cataclismo. Seus passos, pesados como os de um titã, rachavam o solo e destruíam as construções ao redor. Os habitantes de Colbith, que haviam buscado refúgio, podiam apenas assistir, horrorizados, enquanto a forma bestial de Lilith devastava tudo em seu caminho.

    No centro do caos, ela segurava pela cabeça o líder dos Capuzes Vermelhos. Ele estava completamente à mercê da criatura, incapaz de lutar ou reagir. Suas mãos tremiam enquanto tentava inutilmente escapar.

    — Misericórdia… — ele sussurrou, com os olhos arregalados de pavor.

    Mas a criatura não respondia, nem hesitava. Suas garras metálicas apertaram ainda mais o crânio do líder, o som de ossos começando a ceder ecoando pelo campo de batalha.

    Foi então que algo mudou.

    Uma espada mágica, brilhando em um vermelho intenso, cortou o ar em direção à criatura. A lâmina perfurou sua lateral, emitindo uma explosão de energia que a fez soltar o líder. Ele caiu ao chão, ofegando, enquanto a criatura dava um passo para trás, agora ferida.

    Mas o impacto não foi suficiente para pará-la.

    A lâmina perfurante começou a desintegrar-se dentro do corpo da criatura, absorvida pela energia roxa que emanava de sua forma. Seus olhos, duas fendas brilhantes, voltaram-se lentamente para o agressor.

    Foi então que algo extraordinário aconteceu.

    Na mão da criatura, a tsuka — o punho da espada que acompanhava Lilith em sua jornada — começou a brilhar intensamente. Uma nova energia se formava, emergindo dela, como se estivesse reagindo à fúria descontrolada de sua portadora.

    A criatura ergueu a tsuka, e a lâmina se revelou.

    Era elegante. A base da espada, ou habaki, era coberta de intrincados detalhes, como se cada linha e símbolo contasse uma história perdida no tempo. A lâmina de éter roxo parecia viva, ondulando em padrões hipnotizantes, irradiando uma energia destrutiva que consumia tudo ao seu redor.

    Com um movimento abrupto, a criatura fincou a ponta da espada no chão. A força do impacto foi avassaladora. Uma onda de destruição massiva irrompeu em todas as direções, rachando o solo e criando uma cratera enorme.

    A explosão de energia varreu o campo, lançando destroços e inimigos como folhas ao vento. O líder dos Capuzes Vermelhos, mesmo caído, foi lançado longe, seu corpo girando descontroladamente até colidir com uma parede distante.

    A criatura não parava. Cada passo seu agora era acompanhado por um rugido ensurdecedor, um som que perfurava não apenas os ouvidos, mas também a alma. Aqueles que ousaram ficar perto dela caíram de joelhos, incapazes de suportar a pressão da energia.

    A cidade tremia sob o peso de sua presença, e a destruição parecia inevitável. Lilith, ou o que restava de sua consciência, estava completamente consumida por uma força que ninguém poderia compreender ou controlar.

    O líder dos Capuzes Vermelhos cambaleava enquanto se levantava. Seu corpo, antes à beira da destruição, começava a se regenerar a uma velocidade alarmante. As feridas que haviam aberto sua carne grotesca se fecharam rapidamente, como se tempo e dano não significassem nada para ele. Ele olhou ao redor, ofegante, tentando se localizar após ser lançado pela onda de destruição.

    Mas ele não teve muito tempo para reagir.

    Ao virar a cabeça, encontrou-se cara a cara com o modo berserk de Lilith. A criatura, que mais parecia uma encarnação da destruição em si, já estava ao seu lado. Seus olhos, duas fendas pulsantes de energia roxa, encararam o líder com uma fúria incontrolável.

    Ela gritou, um som gutural e carregado de ódio que fez até o ar ao redor vibrar. Antes que o líder pudesse pensar em reagir, Lilith estendeu sua mão, pronta para agarrá-lo novamente.

    Enquanto isso, na consciência de Lilith, o cenário era completamente diferente.

    Ela estava ajoelhada, seu corpo frágil e ferido, envolto por um vazio branco. A dor do acidente de caminhão parecia ter seguido sua alma até aquele lugar. Cada movimento fazia suas feridas arderem, como se ela ainda estivesse presa ao momento do impacto.

    Ela tentou se levantar, mas suas pernas cederam novamente. Suas mãos pousaram no chão invisível, tremendo, enquanto ela olhava ao redor, procurando por algo, qualquer coisa que explicasse onde estava.

    O mundo ao seu redor era branco, puro, infinito. Não havia céu, nem chão, nem horizonte, apenas um vazio sem fim.

    — Onde… onde estou? — ela murmurou, sua voz ecoando de forma estranha, como se o espaço ao seu redor estivesse escutando.

    Por um momento, o silêncio foi sua única resposta.

    Lilith permaneceu ajoelhada, o vazio branco ao seu redor ecoando uma calma sufocante. Seus próprios pensamentos eram confusos e desordenados, mas o silêncio não durou muito. Uma imagem começou a tomar forma à distância, indistinta no início, mas lentamente se tornando mais clara.

    Ela piscou algumas vezes, sentindo um aperto no peito ao perceber o que estava vendo. Lá, alguns metros à frente, a Deusa Branca estava de pé, sua presença inconfundível, radiante e intimidadora. Ao seu lado, um homem familiar.

    Heri Togaki.

    Lilith arfou, seu coração acelerando, mas suas pernas ainda tremiam demais para que ela pudesse se levantar.

    A conversa entre os dois era alta e clara, como se ecoasse diretamente em sua mente.

    — Eu não desejo ir para lá — Heri disse, sua voz calma, mas firme, com uma cadência desleixada e confiante, quase zombeteira. Seu jeito lembrava algo que Lilith não conseguia identificar de imediato, mas era inconfundível. Ele parecia casual, até mesmo diante da Deusa Branca.

    — Não sozinho — ele continuou, apontando para o lado com o queixo, direto para Lilith. — Eu não quero ir para esse outro mundo sem ela.

    A Deusa Branca bufou, o brilho ao seu redor oscilando levemente, como se sua raiva fosse difícil de conter.

    — Você morreu por causa dela! — A voz dela era cortante, carregada de desdém. — Por causa da fraqueza dela, você deixou de existir na Terra.

    Heri deu de ombros, cruzando os braços e olhando para a Deusa com um sorriso de canto de boca.

    — O amor é assim, não é? Faz a gente fazer coisas idiotas.

    Lilith sentiu suas pernas ganharem força. Ela pressionou as mãos contra o chão invisível e conseguiu se levantar, lágrimas escorrendo por seu rosto. A dor no peito era insuportável, mas ela forçou-se a dar um passo em direção a eles, depois outro, tropeçando, mas continuando.

    — Você não entende — a Deusa continuou, ignorando Lilith. — Ela não é digna de você. Ela é um erro, uma criação imperfeita, uma ferramenta.

    — Ferramenta ou não, eu fiz minha escolha — Heri respondeu, seu tom calmo, mas cheio de determinação. Ele apontou novamente para Lilith, sem nem olhar. — E ela também fez.

    A Deusa Branca estreitou os olhos, a luminosidade ao seu redor aumentando.

    — Pois bem. Aceitarei seu pedido, mas não sem consequências. Ela viverá como uma imortal.

    Heri pareceu surpreso por um momento, mas então ele riu, um som curto e rouco.

    — Não vejo como isso é uma punição.

    — Então você é mais tolo do que eu pensava — a Deusa retrucou, com um sorriso amargo. — A imortalidade não é uma bênção. É uma maldição. É a dor de assistir tudo e todos ao seu redor desaparecerem, enquanto você permanece.

    Lilith, agora próxima o suficiente para ouvir cada palavra, sentiu seu coração pesar ainda mais.

    — E mais — continuou a Deusa, voltando-se para Lilith com um olhar de puro desgosto. — ela perderá suas memórias. Tudo o que a conecta a você será apagado. Ela começará de novo, sem saber quem é, sem saber o que significa amar você.

    Heri fechou os punhos, mas não respondeu de imediato. Lilith, por outro lado, gritou, sua voz carregada de desespero:

    — Não! Você não pode fazer isso!

    A Deusa Branca ignorou o grito, mas Heri ergueu a mão, pedindo calma. Ele olhou diretamente para Lilith, seu sorriso característico retornando, embora com uma tristeza implícita.

    — Calma, Aiko. Confie em mim, tá?

    Lilith tentou responder, mas sua voz falhou.

    — Não se esqueça — ele continuou, agora voltando-se para a Deusa. — Eu disse que não queria ir sozinho.

    A Deusa estreitou os olhos novamente.

    — Você ainda insiste nisso? — ela perguntou, com evidente frustração.

    — Insisto — Heri respondeu, sua voz inabalável. — Não vou para o outro mundo sem ela.

    A Deusa suspirou, balançando a cabeça em desaprovação.

    — Então será assim — ela disse. — Você não terá um corpo físico. Sua existência será reduzida a um fragmento, para compensar essa… extravagância.

    Com um estalar de dedos, duas novas presenças surgiram. Uma delas irradiava uma luz laranja, enquanto a outra brilhava em azul.

    — O Deus Laranja cuidará da sua alma — a Deusa disse, gesticulando para Heri. — E o Deus Azul garantirá a imortalidade dela. Quanto ao restante, eu mesma me encarregarei.

    Lilith tentou protestar novamente, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, ela e Heri foram puxados para um espaço diferente.

    Agora, os dois estavam sozinhos em um plano infinito, flutuando em um céu estrelado que parecia não ter começo nem fim. Lilith olhou ao redor, confusa, mas logo sentiu a presença de Heri ao seu lado. Ele segurou sua mão com firmeza.

    — Eu disse que sempre ficaríamos juntos — ele disse, sua voz carregada de ternura.

    Ela queria acreditar, mas algo ainda a incomodava.

    — Quem era aquela garota? — Lilith perguntou, sua voz hesitante.

    Heri olhou para ela por um momento antes de responder, sua expressão suavizando.

    — Minha irmã. Ela estava me ajudando a me preparar para o dia em que eu te encontraria novamente.

    Lilith sentiu uma onda de emoção percorrer seu corpo. Sem pensar, ela se inclinou e o beijou, como se aquele momento fosse durar para sempre.

    Mas ele não durou.

    Pouco a pouco, as luzes ao redor deles começaram a se apagar. Os contornos de Heri começaram a desaparecer, e Lilith sentiu o mundo ao seu redor desmoronar.

    — Sempre juntos — ele sussurrou uma última vez, antes de desaparecer completamente.

    Félix observava a cena diante de si com uma mistura de fascínio e inquietação. Seu corpo translúcido, na forma de uma esfera laranja, flutuava acima do caos, acompanhando cada movimento da criatura que antes era Lilith.

    O modo berserk dela era um espetáculo de pura devastação. Os socos caíam incessantes, cada impacto criando ondas de choque que reverberavam pelo campo de batalha. O líder dos Capuzes Vermelhos, outrora uma figura temida, agora era pouco mais do que uma massa disforme de carne e ossos quebrados, incapaz de reagir ou se defender.

    Mas não era apenas ele que sofria. Félix notou que, ao redor da batalha, o cenário estava ficando cada vez mais sombrio. Corpos caídos dos outros Capuzes Vermelhos começaram a aparecer, suas vidas arrancadas de forma tão brutal que alguns sequer tinham corpos inteiros — apenas os capuzes permaneciam, como se fossem monumentos grotescos à destruição.

    A aura ao redor de Lilith pulsava com uma intensidade quase insuportável. Era uma energia roxa e viva, que parecia consumir tudo em seu caminho. Cada soco que ela desferia fazia a terra tremer, e Félix podia sentir o peso daquele poder, mesmo à distância.

    — Caramba, como as coisas mudaram, hein? — ele murmurou para si mesmo, sua voz carregada com um tom relaxado, mas com um subtexto de frustração crescente.

    Félix começou a mudar. A esfera laranja brilhou intensamente antes de se reformar em sua forma humana. Não era uma forma perfeita — sua pele tinha o mesmo brilho alaranjado, com bordas indistintas, como se ele ainda estivesse preso entre dois estados de existência. Mesmo assim, sua presença era imponente.

    Ele cruzou os braços, observando Lilith com uma expressão que era metade desaprovação, metade preocupação.

    — Sempre dando trabalho, não é, Lilith? — Ele suspirou, passando a mão pelo cabelo curto e bagunçado. — E pensar que eu achei que poderia ficar só assistindo dessa vez.

    A raiva começou a ferver dentro dele. Não era uma fúria explosiva, mas algo mais contido, algo que vinha de um lugar profundo de frustração e cansaço. Ele olhou ao redor, para os corpos, para o líder destruído, para a criatura descontrolada que Lilith havia se tornado.

    — Isso já foi longe demais.

    Ele respirou fundo, fechando os olhos por um momento. Quando os abriu novamente, eles brilhavam com uma luz intensa, como se um fogo interno tivesse sido aceso.

    — Hora de fazer algo a respeito.

    Félix deu um passo à frente, e depois outro, aproximando-se do corpo de Lilith. O ar ao redor dela estava carregado, quase como se repelisse qualquer intruso, mas Félix não hesitou.

    — Desculpa, Lilith. Não vou deixar você se destruir assim.

    Com um movimento decidido, ele avançou. A aura roxa ao redor dela tentou resistir, mas Félix não parou. Seu corpo começou a se desfazer, fragmentos de luz laranja se desprendendo enquanto ele se preparava para entrar.

    — Vamos acabar com isso juntos.

    E então, Félix atravessou a barreira, entrando no corpo de Lilith e mergulhando diretamente em sua mente.

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