Capítulo 43: Família
No espaço paralelo, o vazio infinito parecia engolir tudo ao redor. O ambiente era sereno e ao mesmo tempo carregado de uma tensão que Aiko não conseguia descrever. O Rei Demônio estava ali, parado à sua frente, imponente em sua presença, enquanto a Deusa Branca observava à distância, sentada em uma cadeira que parecia surgir do próprio éter do espaço.
Aiko, ainda desorientada, tentava entender o que estava acontecendo. As memórias ainda eram um emaranhado confuso, e sua mente parecia flutuar entre o passado e o presente. O rei demônio aproximou-se lentamente, sua voz grave e ao mesmo tempo reconfortante.
— Você é mais especial do que pensa, Aiko — ele se abaixou até ficar à altura dela, sua expressão séria suavizando. — Eu e ela — apontou para a deusa branca. — não somos apenas forças que guiaram sua criação. Somos seus pais.
— Pais? — Aiko piscou várias vezes, tentando processar as palavras.
— Sim — a deusa branca levantou-se de sua cadeira, caminhando até eles com passos leves e precisos. — Você carrega minha essência, Aiko. Eu a criei. Mas… — ela lançou um olhar para o rei demônio — sua existência também tem a dele.
— Espere — Aiko levou a mão à testa, como se tentasse afastar uma dor crescente. — Então vocês dois são meus pais?
— Exatamente — o rei demônio sorriu. — e mais, isso faz de você a sobrinha dela. — Ele apontou casualmente para a deusa branca.
Aiko ficou em silêncio, seu olhar fixo alternando entre os dois.
— Isso está ficando… complicado demais — ela finalmente murmurou, com uma expressão de total confusão.
— Não importa o quão confuso seja — a deusa branca aproximou-se ainda mais. — estamos aqui porque há algo que precisa ser feito.
— Algo mais? — Aiko respondeu, sua voz carregada de cansaço.
— Vamos tirar o sistema deste mundo que você carrega dentro de si — a deusa branca olhou para o rei demônio, que assentiu em concordância.
— Já que você agora entende seu papel e suas escolhas, não há mais necessidade de carregar esse fardo — o rei demônio acrescentou, colocando uma mão gentilmente sobre a cabeça de Aiko.
Aiko sentiu um calor reconfortante irradiar de seu toque, algo que ela nunca imaginou que poderia vir de alguém tão imponente e perigoso.
— Lembre-se, Aiko — ele sorriu novamente, seu olhar carregado de uma inesperada ternura. — eu quero que você e Heri fiquem juntos. Vocês têm algo especial, algo que transcende até mesmo este plano de existência.
Antes que ela pudesse responder, os dois levantaram as palmas das mãos, direcionando-as para ela. Uma energia poderosa começou a emanar, envolvendo Aiko em um brilho intenso e pulsante.
— Espere! — Aiko tentou falar, mas sua voz foi abafada pela força avassaladora da luz.
Lilith despertou lentamente, a sensação de exaustão ainda pesando sobre ela. A consciência retornava em fragmentos confusos, e o mundo ao redor parecia uma mistura de sombras e luzes. Seus olhos se abriram com esforço, focando no teto de madeira simples. A textura do colchão sob ela era estranha, e o som distante de vozes abafadas indicava que estava em algum lugar movimentado, mas seguro.
Ela tentou se mover, mas o corpo não respondeu imediatamente. Havia algo errado, algo que não podia ignorar. Suas memórias vinham em flashes: a batalha, a escuridão, os rostos familiares e desconhecidos, e… Heri.
Uma cadeira rangeu ao lado da cama, e ela se virou levemente para ver a figura de Heri, sentado, com os braços cruzados e a cabeça levemente inclinada para trás. Ele usava sua armadura, mas o capacete estava pousado na mesa próxima, revelando seu semblante tranquilo e vigilante. Mesmo descansando, a presença dele era marcante, quase sufocante em sua intensidade.
Ao perceber o movimento dela, Heri abriu os olhos e inclinou-se para frente. Um sorriso ligeiro surgiu no canto dos lábios, carregando aquele tom provocador que parecia ser sua marca registrada.
— Até que enfim, Lilith. Pensei que fosse dormir para sempre.
Lilith piscou algumas vezes, tentando clarear a mente. Sua garganta estava seca, e sua voz saiu rouca quando tentou falar:
— Onde… estou?
— Na guilda — Heri respondeu casualmente, recostando-se novamente. — depois que você apagou, tive que carregar você para cá. Foi um belo espetáculo, devo dizer.
Ela franziu o cenho, confusa.
— Espetáculo?
Heri inclinou a cabeça, o sorriso ampliando-se.
— Atravessei a barreira da guilda com você nos braços. Declarei que era o seu macho e pedi roupas simples e um quarto para você descansar.
Lilith arregalou os olhos, o rosto corando instantaneamente.
— Você fez o quê?!
— Calma. Funcionou, não funcionou? Eles não discutiram.
Ela cobriu o rosto com a mão, suspirando profundamente.
— Você é impossível…
— E eficiente — ele respondeu, rindo baixinho.
Lilith tentou se levantar, mas uma onda de fraqueza a fez cambalear. Antes que pudesse cair, Heri a segurou com firmeza, seus movimentos rápidos e precisos como sempre.
— Devagar — ele disse, ajustando-a de volta à cama. — você ainda não está pronta para sair por aí.
Ela respirou fundo, tentando se recompor. As memórias começaram a voltar com mais clareza: o espaço paralelo, o Rei Demônio, a Deusa Branca… e o fato de que algo em si mesma havia mudado.
— Quanto tempo… eu dormi?
— Dois dias inteiros — Heri respondeu, inclinando-se contra a parede. — e antes que pergunte, sim, cuidei de tudo.
Ela o olhou com desconfiança, ainda processando as palavras dele.
— “Tudo”?
— Você estava sem roupas quando te trouxe, então peguei algumas para você — ele deu de ombros.
Lilith sentiu o rosto corar novamente e puxou o cobertor para mais perto de si.
— O que está dizendo?
— Relaxe — Heri disse, sua voz carregada de diversão. — eu te vesti com algo decente. Está de calcinha e blusa. Não é como se eu tivesse te deixado exposta.
Ela verificou, levantando o cobertor apenas o suficiente para ver. De fato, estava com uma camisa longa e uma calcinha simples. Apesar disso, o embaraço era inevitável.
— Você é inacreditável…
Heri riu, mas não respondeu. Em vez disso, pegou algo da mesa ao lado: um pequeno espelho de mão.
— Aqui. Acho que você vai querer ver isso.
Lilith pegou o espelho com hesitação e o ergueu para olhar. Dois pequenos chifres negros surgiam de cada lado de sua cabeça, curvando-se levemente para frente. Parecendo perfeitamente integrados ao seu corpo.
Ela desviou o olhar para o resto de seu corpo, levantando a manga da camisa. Quando chegou ao braço direito. Seu braço inteiro estava coberto por uma armadura negra que parecia orgânica, ajustada como uma segunda pele. Linhas e espirais intricadas percorriam a superfície, pulsando com um brilho suave, quase como se fossem vivas.
Heri assentiu, os braços cruzados.
— Combina com você, não acha?
Ela o encarou, incrédula.
— Combina?!
Ele deu de ombros, como se a opinião dela não importasse.
— Espere até ver o que escolhi para você vestir.
Lilith franziu o cenho, observando enquanto ele se aproximava de uma gaveta. Quando ele tirou a roupa de dentro, ela ficou sem palavras.
Era um vestido negro adornado com detalhes intricados que ecoavam os padrões de sua armadura. Uma capa vermelha longa e decorada com espirais complementava o visual, fluindo com imponência e uma aura de autoridade sombria. Juntamente com uma jaqueta de couro para o frio.
— Está brincando, certo?
— Não — Heri respondeu, sério. — vai ficar perfeito em você.
Ela suspirou, ainda sem saber se ele estava apenas provocando ou falando sério.
Lilith olhou para o vestido novamente, ainda hesitante. A elegância sombria da peça era inegável, mas a ideia de usá-lo fazia seu rosto esquentar.
— Isso é… extravagante demais.
Heri inclinou a cabeça, examinando-a com um sorriso de canto.
— Combina com quem você é agora. Não lute contra isso.
Ela respirou fundo, tentando organizar seus pensamentos. Ainda fraca, levantou-se da cama com cuidado, apoiando-se na borda. A sensação de vulnerabilidade era algo que odiava, mas Heri estava ali, atento a cada movimento, pronto para ajudá-la caso necessário.
— Tem algo mais simples? — Lilith perguntou, mas sabia a resposta antes mesmo de ouvir.
— Não — Heri respondeu, direto. — e mesmo que tivesse, essa roupa foi feita para você. Não foi fácil convencer a guilda a prepará-la em dois dias, ainda mais a situação atual da cidade.
Ela o encarou, incrédula.
— Você fez isso?
Ele deu de ombros.
— Claro. Nada menos que o melhor é aceitável.
Sem argumentos para responder, Lilith suspirou. Estava exausta demais para discutir. Pegou a roupa das mãos dele, a capa vermelha deslizando pelo tecido com um brilho quase sobrenatural.
— Certo… vou me trocar.
Heri apontou para uma pequena divisória no canto do quarto.
— Troque-se ali.
Ela caminhou com passos incertos até o espaço indicado, fechando a cortina atrás de si. O vestido era mais leve do que parecia, mas o tecido tinha uma qualidade peculiar, quase viva, como se estivesse em sintonia com a energia que emanava de seu corpo. Cada detalhe era meticulosamente trabalhado: as linhas bordadas que corriam pela saia, os encaixes perfeitos nas costas e ombros, e o toque suave da capa que parecia flutuar por conta própria.
Lilith olhou para o reflexo no espelho pequeno dentro da divisória. Os chifres agora eram visíveis, mas algo em seu novo visual parecia… correto. Como se aquela fosse a versão mais autêntica de si mesma, mesmo que ainda estivesse aprendendo a aceitá-la.
Ela vestiu a roupa de frio que Heri havia mencionado, uma jaqueta longa de couro que escondia grande parte dos detalhes do vestido. Com isso, ela conseguiu esconder parte da extravagância que tanto a incomodava.
Ao sair de trás da cortina, Heri estava esperando, os braços cruzados e uma expressão de aprovação no rosto.
— Agora sim — ele disse, seu tom satisfeito.
— Não diga nada — Lilith respondeu, ajustando a jaqueta.
Ele sorriu, mas obedeceu, fazendo um gesto com a mão para que ela o seguisse. Ela usou seu poder para esconder os chifres.
Lilith desceu as escadas com cuidado, sentindo-se ainda fraca, mas Heri estava ao lado dela, pronto para segurá-la a qualquer momento. Quando alcançaram o térreo da guilda, ela foi recebida por um som inesperado: aplausos.
O salão principal estava lotado, e todos os olhos estavam sobre ela. Lilith congelou, surpresa, enquanto as pessoas a saudavam com entusiasmo.
— Viva Lilith! — Alguém gritou.
— A salvadora de Colbith!
— A mulher que derrotou o líder dos capazes vermelhos!
Lilith olhou ao redor, confusa e ligeiramente envergonhada. Não sabia como reagir àquela recepção. Olhou de relance para Heri, que parecia estar se divertindo com a situação.
— Você… armou isso? — ela perguntou, baixinho.
— Eu? Não. Eles que decidiram. Você merece.
Apesar da sua resistência inicial, Lilith não pôde deixar de sentir um calor no peito ao ver tantos rostos sorridentes. Ela não podia negar o impacto que havia causado.
Heri, ainda ao lado dela, parecia orgulhoso, mas mantinha sua expressão calma e confiante. Ele a acompanhou até o centro do salão, onde uma mesa estava preparada com comida e bebida.
— Aproveite — ele disse, inclinando-se levemente para ela. — você merece isso.
Lilith olhou para ele e, pela primeira vez em dias, permitiu-se relaxar um pouco. Talvez fosse o começo de algo maior, algo que ela ainda não compreendia completamente.
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