Capítulo 46: Ser ou ser
Aiko e Heri caem.
O impacto deveria ser brutal.
Mas não há chão.
A queda não termina com um baque seco, e sim com seus corpos deslizando por um vazio roxo, como se tivessem sido absorvidos por outra dimensão.
O subespaço os envolve, um infinito etéreo de tons violáceos, com reflexos translúcidos de realidades distantes.
Eles estão deitados ali, imóveis, o sangue ainda escorrendo de seus ferimentos.
O silêncio é absoluto.
Até que algo os interrompe.
A espada de Heri surge diante deles.
Ela vibra.
Brilha.
E então, uma voz suave e infantil ecoa pelo espaço.
— Só isso?
Lentamente, um par de asas emerge da espada, semelhantes às de Aiko.
A lâmina assume uma forma humana.
Não, não uma forma qualquer.
Uma criança.
Uma pequena figura feminina, de pele pálida e cabelos escuros, seus olhos brilhando em um tom púrpura intenso.
Ela veste exatamente as mesmas roupas de Aiko, mas em miniatura.
Aiko arregala os olhos.
Por um instante, um lampejo de surpresa atravessa seu rosto.
Então, ela respira fundo e sorri de leve.
— Há quanto tempo…
Heri se endireita lentamente, ainda sentindo o peso da dor em seu corpo.
— Quem é você?
Aiko não desvia o olhar da garota.
— Ela sou eu. Mas deste mundo.
Heri franze o cenho.
— O quê?
Aiko suspira, como se aquilo não fosse tão simples de explicar.
— Este era o corpo dela antes de eu tomá-lo. Nos fundimos completamente… Ou pelo menos era o que eu pensava.
Antes que pudesse continuar, a garota ergue a mão, interrompendo-a com um gesto firme.
— Resposta. Quando você entrou naquele modo berserk um tempo atrás, minha existência como indivíduo desapareceu. Meu corpo virou energia pura e se transformou naquela armadura que você usava.
Aiko escuta atentamente, seus olhos fixos na pequena versão de si mesma.
— Mas depois que essa armadura se desfez… eu virei aquela gosma.
— A gosma que virou a espada… — murmura Heri, como se começasse a entender.
A garota assente.
— E essa espada agora faz parte de você, Heri. Por isso ela é tão poderosa. Mas, no fim das contas, sou apenas uma sombra do que fui.
Ela cruza os braços, olhando diretamente para Aiko.
— Esqueceu? Nós nos fundimos. Isso significa que sua energia também é minha. Mas quando nos separamos, sua energia foi dividida… e a maior parte ficou com Heri e com a espada.
Heri leva uma mão ao queixo, ponderando.
— Ou seja… se eu devolver toda a energia que recebi, junto com a da espada, Aiko poderá derrotar a estátua?
A garota sorri levemente.
— Sim… e não.
Heri ergue uma sobrancelha.
— O que quer dizer?
— A estátua se regenera. Para derrotá-la de verdade, precisa destruir o núcleo.
Aiko suspira.
— Tanto trabalho…
Mas antes que pudesse dizer mais alguma coisa…
Passos.
O som ecoa pelo subespaço roxo.
Passos pesados.
A estátua estava se aproximando do outro lado do subespaço.
Aiko sente algo dentro de si vibrar.
Algo profundo.
Algo primitivo.
— A única resposta de um ser imortal… é ser ou ser.
Aiko sorri.
Ela se levanta.
A garota a observa com um olhar divertido.
— Não sentiu falta das memórias?
Aiko olha para ela de lado.
— Lembro de algumas coisas sobre você.
A pequena versão dela ri baixinho.
— Isso é pika.
Heri, que estava em sua forma humana durante todo esse tempo, finalmente se ergue completamente.
Ele se aproxima.
— Lutaremos juntos.
Sem hesitação, os três estendem as palmas das mãos.
Cada um toca a mão do outro.
A energia flui.
A conexão se reforça.
E então…
O subespaço desaparece.
De volta à câmara da estátua.
— ERGA-SE! — diz Aiko.
O corpo de Aiko se regenera completamente.
A cratera grotesca em seu abdômen desaparece, sua carne reconstruindo-se como se nunca tivesse sido ferida.
Ela estende os braços e pega suas espadas.
A armadura se recompõe.
Mas desta vez, ela não usa capacete.
Suas asas negras se abrem majestosamente.
Os passos da estátua ressoam pesados.
Ela levanta o pé, preparando-se para esmagá-los.
Mas no instante seguinte…
Aiko desaparece.
E então…
A perna da estátua é reduzida a fragmentos.
O colosso cai.
Aiko paira no ar, suas espadas brilhando.
Seus olhos brilham em um tom intenso de roxo.
— Ser ou ser.
Ela abre os braços, sentindo sua energia expandir-se ao limite.
— Sou um Rank A… mas com todo o meu poder de volta… sou um Rank S.
Ela faz uma pausa.
E então sorri.
— Não… ainda mais.
Ela dispara para cima, rasgando o ar.
— Rank SS.
A estátua, mesmo caída, sorri.
Aiko vê aquele sorriso e corta.
Sua lâmina atravessa o rosto do colosso.
O impacto da adrenalina a domina.
Ela sente o calor da batalha.
Ela sente o êxtase da destruição.
Ela sorri.
Mas algo está errado.
O núcleo.
Onde está o núcleo?
Ela percebe.
Os tentáculos disparam em sua direção.
Ela os fatia.
Mas então…
Ela vê.
Algo sai do peito da estátua.
Aiko estreita os olhos.
Ali.
Ela corre.
Usa os próprios tentáculos como caminho, deslizando por eles com uma velocidade absurda.
Cada movimento é uma dança letal, suas espadas dividindo tudo ao seu redor.
Ela chega ao peito da estátua.
E ataca.
Mas…
A lâmina ricocheteia.
A estrutura do peito é mais sólida do que o resto do corpo.
Aiko aperta os dentes.
Ela choca as duas espadas, criando um único golpe concentrado.
E perfurá.
O impacto é devastador.
A alma da estátua escapa em um grito silencioso.
O ar se distorce.
E então…
Ela vê.
O núcleo.
Um cubo pulsante, girando dentro do colosso.
Sem hesitação, Aiko o agarra.
E o destrói.
A estátua começa a se desfazer.
Seu corpo se dissolve em pó negro, sendo arrastado por um vento invisível.
Aiko pousa.
Heri emerge de dentro dela, assumindo sua forma completa de armadura.
Sem dizer nada, ele a abraça.
Aiko ainda segura as espadas.
Ela respira fundo.
E então, a espada murmura.
— Trilhe seu caminho. E não chegue no ser ou não ser… seja ser ou ser.
Eles sentem a vitória.
Eles sentem o poder.
Eles festejam.
*
*
*
Aiko, Heri e a espada flutuam no ar, sentados em um círculo perfeito no vazio que restou após a batalha.
O silêncio é pesado, quebrado apenas pela respiração lenta e controlada dos três.
A batalha contra a estátua terminou.
Mas outra luta os aguarda.
— Darkborn… — Heri murmura, cruzando os braços, vestido com toda sua armadura.
Aiko suspira, balançando a cabeça.
— Nunca o vimos. Não sabemos como ele é.
A espada flutuante emite um brilho fraco.
— Isso torna tudo ainda mais perigoso.
O silêncio volta a se instaurar por alguns instantes.
Então, Aiko se levanta, aliviando os músculos tensos após a longa luta.
Ela pega sua própria espada e a desmaterializa, deixando apenas a empunhadura.
Depois, segura a espada de Heri e a entrega para ele.
No mesmo instante, Heri e a espada se desfazem, convertendo-se em uma neblina escura e translúcida que gira ao redor de Aiko antes de ser completamente absorvida por seu corpo.
Ela suspira.
— Certo… e agora?
Mas algo a incomoda.
Ela olha para suas roupas, franzindo a testa.
— Como minha roupa ainda está inteira? Eu fui perfurada.
A pequena figura que era a manifestação da espada flutuante, agora dentro dela, responde em tom casual.
— Eu regenerei.
Aiko solta um longo suspiro, liberando o ar preso em seus pulmões em um gesto de frustração.
— Isso tá me incomodando… Você nem tem um nome.
A outra ri.
— Se quiser, pode me chamar de Lilith.
Aiko pisca.
— Ué? Mas esse também não é meu nome?
A resposta vem com um tom divertido.
— Eu sou você. Este corpo era meu. E o povo te conhece como Lilith.
Aiko fica em silêncio por um instante, assimilando a ideia.
Então, apenas assente.
— Tá bom. Lilith, então.
Antes que pudesse dizer qualquer outra coisa, algo muda ao redor delas.
A sala escura se ilumina com o brilho de tochas roxas-avermelhadas que surgem espontaneamente nas paredes.
O chão começa a tremer.
Raios surgem do solo.
Estalos metálicos ecoam pelo ar.
O cubo, aquele que havia sido destruído, começa a se reconstruir sozinho.
Mas antes que Aiko possa reagir…
O chão brilha sob seus pés.
Um círculo mágico se forma.
Aiko desaparece em um piscar de olhos.
Aiko sente o peso do próprio corpo mudar.
O teletransporte foi instantâneo, mas a sensação de deslocamento ainda a faz balançar por um momento.
Ela pisca, tentando entender onde está.
O chão sob seus pés é rochoso, irregular. O cheiro úmido e terroso denuncia que está dentro de uma caverna.
À sua frente, a escuridão absoluta a impede de ver qualquer coisa.
Ela olha ao redor, tensa.
— Onde diabos eu estou agora?
Sem respostas.
Ela estreita os olhos e leva a mão à empunhadura de sua espada.
Tsuka.
A lâmina se forma em um brilho radiante, iluminando o ambiente ao seu redor.
A luz revela paredes colossais, estendendo-se como os ossos de uma criatura milenar.
E então, algo se mexe.
Um arrepio percorre sua espinha.
Um olho gigantesco se abre na escuridão.
Um olho roxo, reptiliano, tão imenso que preenche toda a sua visão.
Ele olha diretamente para ela.
O ar se torna pesado.
Aiko sente seu corpo paralisar instantaneamente.
Ela não consegue se mexer.
Não consegue respirar.
O tempo parece congelar.
E então…
— Chaoooooooooo…
Um rosnado profundo reverbera pela caverna, tremendo as paredes e fazendo pedras caírem do teto.
O som é assustador.
Aiko sente cada célula do seu corpo gritar por sobrevivência.
Ela corre.
Corre por sua vida.
— Aiko, lute! — a voz de Heri ressoa em sua mente.
— Você não pode fugir! — Lilith insiste.
Mas Aiko só corre.
O chão começa a desmoronar atrás dela.
O teto cede.
Ela escapa da caverna.
E então…
Dois pares de asas emergem da poeira.
Colossais.
Asas tão imensas que têm o diâmetro de uma cidade de tamanho médio.
Aiko não ousa olhar para trás.
Mas ela sabe.
Ela sabe o que está atrás dela.
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