Aiko permanece sentada nas costas de Darkborn, sentindo a força do vento bater contra seu rosto. O dragão colossal se desloca pelos céus com uma velocidade que faz o ar ao redor se quebrar e estalar, enquanto suas asas imensas, cada uma com dez quilômetros de extensão, se movem em um ritmo constante e poderoso. Ela olha para o lado e, por um momento, admira a envergadura absurda das asas do dragão, comparável ao diâmetro de cidades inteiras.

    Ela se recosta ligeiramente, os olhos fixos no horizonte. “O que diabos está acontecendo comigo?” Ela tenta ordenar os próprios pensamentos, mas tudo ainda parece uma névoa densa. Era para ela estar morta—de novo. Mas aqui estava, sentada no maior dragão que já viu, voando para um destino que, até poucos dias atrás, ela nem sabia que existia.

    Lá embaixo, o solo distante parece uma pintura borrada, uma mistura de florestas, rios e montanhas que passam rápido demais para que ela possa identificar qualquer coisa com precisão. Até que, entre as nuvens, uma cidade surge. Pequena à distância, mas revelando sua verdadeira grandiosidade conforme Darkborn se aproxima.

    Um castelo imponente ergue-se além dos muros da cidade. Construído com pedras negras e adornado com detalhes prateados. Aiko estreita os olhos. Algo naquele lugar a incomoda.

    — Este é o castelo do Rei Demônio? — murmura, mais para si mesma do que para Darkborn.

    — Sim — responde o dragão, sua voz ecoando como um trovão distante. — Sua casa.

    Ela aperta os lábios. “Minha casa…”

    — Tá nervosa? — Lilith pergunta dentro de sua mente.

    — “Nem um pouco” — Aiko responde, embora sentisse um leve desconforto no peito.

    — O que exatamente você quer fazer aqui? — Heri questiona, sua voz grave, mas curiosa.

    — “Não sei ainda”?

    Darkborn começa a ganhar altitude novamente, subindo cada vez mais, até que a cidade inteira se torna apenas um conjunto de pontos indistintos abaixo deles. Então, sem aviso, ele desfaz sua forma colossal.

    Aiko sente um puxão violento quando Darkborn a agarra no ar. O vento chicoteia seu rosto enquanto eles entram em queda livre. Por um momento, a pressão no peito dela aumenta, e a adrenalina invade seu corpo. Mas, antes que pudessem se esborrachar no chão, ele desacelera a descida e pousa suavemente no quintal do castelo.

    Ela respira fundo, ajeitando-se. Quando olha ao redor, percebe a grandiosidade do lugar. Jardins bem cuidados se espalham ao redor, e as construções exibem a arquitetura imponente digna da morada do Rei Demônio.

    Um movimento sutil no canto de sua visão chama sua atenção.

    Uma mulher, de aparência humana, mas com chifres, está ajoelhada no jardim, cuidando de pequenas flores de pétalas negras. Os longos cabelos castanhos caem por seus ombros, e suas mãos, delicadas, trabalham na terra com paciência.

    Então, ela levanta a cabeça e vê Aiko.

    Seus olhos se arregalam de puro terror.

    Soltando um grito abafado, ela se levanta num pulo e corre para dentro do castelo sem olhar para trás.

    Aiko pisca.

    — O que foi isso?

    Darkborn resmunga, como se achasse a situação trivial.

    — Não é comum pessoas como nós andarem por aqui.

    Aiko franze o cenho.

    — Pessoas como nós…?

    — Sangue puro, veja seu braço.

    Ela olha para o próprio braço. A armadura fina, cobre parte de sua pele, e as espirais brilham sutilmente. Só de olhar, qualquer um poderia saber: aquele não era um ornamento comum. Aquilo representava algo.

    Ela não precisa perguntar. Já sabe a resposta.

    A linhagem real pura.

    Ela respira fundo e olha para Darkborn, que se move calmamente à sua frente, sem parecer dar importância à situação.

    — “Sangue puro?” — repete em sua mente, ainda digerindo a informação.

    — Sim — Lilith responde, sua voz carregada de um tom quase nostálgico. — Você não percebeu ainda? Você é uma demônia da linhagem direta. Um sangue puro.

    — “E isso é tão importante assim?”

    — É como se você fosse a própria realeza.

    Aiko estreita os olhos.

    — “E desde quando me tornei realeza?”

    — Desde que nasceu — Heri responde.

    Ela cruza os braços, ainda absorvendo tudo aquilo. Seu olhar se volta para o castelo. Agora que estava mais próxima, podia ver os detalhes que antes passaram despercebidos. O castelo era uma fortaleza sombria e imponente, suas paredes esculpidas em uma pedra negra e cintilante, com inscrições que pareciam vivas, como se a própria construção estivesse imbuída de poder demoníaco.

    Darkborn começa a caminhar, e Aiko o acompanha em silêncio. Suas botas fazem um som seco contra o chão de pedra do pátio, ecoando em meio ao silêncio que dominava o local.

    Atravessando o pátio, um grupo de demônios surge à frente. Todos usavam vestes elegantes, mas pesadas, em tons escuros e adornos prateados. Aiko sente os olhares perfurando sua pele assim que se aproximam. Eles não dizem nada, mas a forma como seus olhos analisam cada detalhe dela já era suficiente para que ela entendesse: estavam tentando confirmar algo.

    Um dos demônios, um homem alto de pele acinzentada e cabelos longos e prateados, dá um passo à frente e se curva ligeiramente.

    — A linhagem real retorna ao castelo… — ele murmura, sua voz grave, quase respeitosa. — O rei ficará satisfeito em vê-la.

    Aiko ergue uma sobrancelha.

    — Ele sabe que estou aqui?

    O demônio assente.

    — O castelo já sente sua presença. Ele saberá.

    Darkborn solta um ruído baixo, quase um riso contido.

    — Eu disse que não era comum sangue puro andar por aqui — murmura para ela.

    Aiko suspira.

    — Ótimo. Espero que ele não seja um velho chato.

    O demônio à sua frente hesita por um momento antes de virar-se e começar a caminhar, indicando que ela deveria segui-lo.

    Conforme atravessa os corredores do castelo, Aiko percebe o quão vivo aquele lugar parecia. Era como se cada pedra carregasse uma presença, como se o próprio ar estivesse impregnado com a essência de incontáveis gerações que ali viveram.

    Quando chegam diante de uma porta gigantesca, esculpida com entalhes de batalhas antigas e adornada com símbolos ancestrais, o demônio para. Ele faz um gesto sutil, e as portas se abrem lentamente, revelando um salão imenso.

    No centro, sentado em um trono negro de aparência brutal, um homem aguarda.

    Seus olhos brilham como brasas vivas, e sua presença faz o ar pesar ao redor de Aiko.

    — Então… — sua voz ecoa como um trovão distante. — Finalmente chegou.

    Aiko permanece parada, estudando o homem à sua frente. Seu coração batia forte, não de medo, mas de pura tensão.

    Aiko encara o homem diante de si. Mesmo sem suas memórias, mesmo sem nunca tê-lo visto com seus próprios olhos antes, ela sabia exatamente quem ele era.

    Seu coração acelera, não de medo, mas de um reconhecimento estranho, como se uma parte dela sempre o conhecesse.

    — Pai.

    A palavra escapa de seus lábios sem hesitação. O homem se levanta lentamente do trono, seus movimentos calculados, precisos. Quando ele se põe de pé, sua figura parece dominar o ambiente.

    Aiko já o viu tantas vezes em sua mente, nas memórias fragmentadas. Mas agora, diante dele de verdade, era diferente.

    Seus olhos percorrem cada detalhe.

    Ele não usava camisa, deixando à mostra uma armadura intricada que cobria seus braços e pernas, similar à de Lilith, mas com padrões ainda mais refinados. A lateral de seu corpo estava protegida por uma armadura segmentada, feita de um material escuro e reluzente, que parecia pulsar sutilmente, como se estivesse vivo.

    Ao redor de sua cintura, um cinturão adornado com a caveira de um carneiro dava a ele uma presença ainda mais intimidadora. Seus chifres pretos e curvados para frente eram enormes, imponentes, contrastando com sua pele pálida.

    Mas o que mais prendia Aiko eram seus olhos.

    Vermelhos como brasas ardentes, cercados por manchas escuras que se estendiam como sombras vivas pelo rosto.

    Ele caminha em sua direção. Seus passos são pesados, mas não por conta de sua força, e sim por algo que Aiko não consegue descrever. Como se cada passo carregasse o peso de séculos.

    Quando ele para diante dela, sua altura colossal a faz sentir-se pequena por um instante. Mas ela não recua.

    Ele a observa com um olhar profundo, quase como se tentasse enxergar além da carne, além do corpo que ela agora habitava.

    — Aiko. — Sua voz é grave, forte, carregada de algo ancestral. — Você realmente chegou.

    Aiko sente um arrepio percorrer sua espinha.

    — Sim — responde, firme.

    O rei demônio levanta sua mão lentamente e segura o queixo dela com a ponta dos dedos, analisando cada traço de seu rosto.

    — Você é diferente.

    Ela engole em seco.

    — Eu sou.

    Ele solta um suspiro pesado, mas não era de frustração ou irritação.

    — E, no entanto… — Seus olhos se estreitam. — Eu reconheço você.

    Aiko sente um aperto no peito.

    Ela era Aiko. Mas estava no corpo de Lilith. O homem diante dela era o verdadeiro pai da princesa demônio original.

    E, ainda assim, ele a reconhecia.

    — Eu sou sua filha — Aiko diz, a voz carregada de convicção. — Mesmo que eu não seja a Lilith que você esperava.

    Os olhos do rei demônio se estreitam por um instante, mas logo ele sorri de canto.

    — Hah. — Ele solta um riso curto, rouco. — Você tem a língua afiada, como sempre.

    Ele afasta a mão do rosto dela e cruza os braços.

    — Não importa quem você é agora. Você agora está em casa. Isso é suficiente.

    Aiko assente.

    — Mas e agora? O que acontece?

    O rei demônio observa-a por um instante antes de se virar e caminhar de volta ao trono.

    — Agora — ele diz, sentando-se pesadamente — você assumirá seu lugar.

    Aiko ergue uma sobrancelha.

    — Meu lugar?

    Ele a encara novamente.

    — Você não sabe da hierarquia, não é?

    Ela cruza os braços.

    — Eu sei que sou de sangue puro. Sei que pertenço à linhagem real. Mas… nunca me importei com isso.

    O rei demônio solta um suspiro, apoiando o queixo na mão.

    — Isso é um problema.

    Aiko revira os olhos.

    — Então me diga. Como funciona?

    O rei demônio a observa por um instante, então faz um gesto com a mão.

    Uma projeção mágica surge diante deles. Um mapa do reino demoníaco.

    — Existem três pilares na hierarquia do submundo — ele começa. — A realeza, os arquiduques e os lordes demônios.

    Aiko observa o mapa atentamente enquanto ele aponta para diferentes áreas.

    — Eu sou o Rei Demônio. Acima de mim, ninguém existe. Abaixo de mim, os três arquiduques governam vastas regiões. E abaixo deles, os lordes demônios comandam territórios menores.

    Ela franze a testa.

    — Então eu sou…?

    Ele sorri.

    — A princesa. A única herdeira legítima ao trono.

    Aiko cruza os braços.

    — E eu sou obrigada a assumir esse cargo?

    O rei demônio inclina a cabeça levemente.

    — Você sempre teve a liberdade de escolher. Mas se você não assumir… alguém tomará seu lugar.

    Aiko solta um suspiro.

    — Quem?

    O sorriso dele desaparece.

    — O herói.

    O silêncio na sala pesa.

    Lilith e Heri se manifestam em sua mente ao mesmo tempo.

    — “O quê?!”

    Aiko franze a testa.

    — O que um herói tem a ver com isso?

    O rei demônio se levanta mais uma vez, sua expressão sombria.

    — O herói deste ciclo… — Ele aperta os punhos. — Ele não veio apenas para nos destruir. Ele tem outro propósito.

    Aiko sente uma pontada de preocupação.

    — E que propósito seria esse?

    Ele a encara diretamente.

    — O herói… pretende roubar o trono dos demônios.

    Aiko sente um arrepio percorrer seu corpo.

    — “Isso é possível?” — ela pergunta mentalmente.

    Lilith responde, sua voz tomada pela incredulidade.

    — Se ele tiver um poder o suficiente, sim.

    O rei demônio se aproxima mais uma vez, sua aura aumentando.

    — Por isso, Aiko. Se você não se tornar a princesa de direito… ele o fará.

    Aiko trinca os dentes.

    O destino do submundo estava em jogo.

    E agora, ela não tinha mais escolha.

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