Capítulo 52: Herói, mas já?
O céu acima do Reino Demoníaco era igual ao de qualquer outro mundo. Azul profundo, pontilhado por nuvens brancas que se moviam preguiçosamente sob a luz de um sol quente e radiante. O vento carregava o perfume do solo molhado e das flores vermelhas que enfeitavam os jardins suspensos do castelo.
Naquela manhã, Aiko despertou com o brilho suave da luz entrando pelas janelas altas de seu quarto. Bocejou e se espreguiçou nos lençóis de seda escura, o pijama roxo que usava amassado contra o colchão acolchoado. Seus olhos, abriram-se lentamente.
“Hmmm…”, ela rolou para o lado e fitou o teto ornamentado, sentindo o calor calmo do lugar que, de alguma forma, agora chamava de lar, “Um novo dia…”
Ela se levantou, caminhando até o guarda-roupa embutido na parede de ébano entalhada. Vestiu sua roupa, prendeu os cabelos e desceu os corredores em silêncio, sentindo os ecos de seus passos reverberando pelas paredes de pedra viva do castelo. O ar estava perfumado com especiarias, o cheiro vinha da cozinha.
Ao entrar no salão de refeições, cumprimentou os cozinheiros com um leve sorriso.
“Bom dia, pessoal. O que temos hoje?”
Um dos demônios, alto e com orelhas pontiagudas, virou-se e respondeu.
“Ah, senhorita Lilith! Hoje temos café preto, pão quente e algumas frutas colhidas do bosque proibido… mas são seguras, garantimos!”
Ela arregalou os olhos, empolgada.
“Café? De verdade? Ah, isso sim é uma bênção!”, riu, aproximando-se da mesa.
Na extremidade oposta do salão, Darkborn, agora em sua forma humana, saboreava lentamente uma espécie de bolo. Seu corpo humano era robusto, com longos cabelos brancos jogados para trás, os olhos violeta intensos e os chifres curvos ainda visíveis, embora reduzidos. Quando a viu, ergueu a cabeça e assentiu silenciosamente.
Aiko puxou uma cadeira ao lado dele, servindo-se com um pouco de tudo. Depois de um gole de café, ela encarou o homem com olhar curioso.
“Ei, Darkborn… ontem você estava bem menor quando pousamos. Você consegue mudar seu tamanho?”
Ele limpou a boca com um pano branco e respondeu, com a voz arrastada, quase grave demais para um humano.
“Consigo. O tamanho que assumi ontem foi apenas para não esmagar as coisas, minha forma real é extremamente enorme.”
“Entendo… então, será que dá pra você manter uma forma menor durante as viagens comigo? Seria mais fácil de lidar, sabe? Uma que possa até caber no meu ombro.”
Ele inclinou o rosto.
“Você não sabe voar?”
Aiko deu um sorrisinho desconfortável.
“Sei… mais ou menos. Voar até uma montanha ou cidade próxima, tudo bem. Mas viajar longas distâncias ainda não consigo manter… fico sem energia.”
Darkborn prestes a replicar, parou subitamente. Os olhos se estreitaram, e a aura ao seu redor ficou densa, como se o ar começasse a tremer.
“O que foi?”
Ele respondeu lentamente, em tom sombrio.
“Sinto a presença do herói… em Vern.”
Aiko pousou a caneca com força sobre a mesa.
“Vern…? Por que ele iria pra lá?”
Darkborn levou um momento para pensar.
“Provavelmente… os dragões.”
Ela ergueu uma sobrancelha.
“Que dragões?”
“Dois irmãos… um controla o fogo, o outro o gelo. Eles mantêm o equilíbrio climático daquela região há séculos. Por isso o clima de Vern é tão perfeito. Se ele está indo até lá, talvez queira destruí-los para quebrar o equilíbrio e provocar êxodo.”
Aiko se levantou de um salto, e se lembra de já ter escutado isso.
“Então eu preciso me preparar.”
De volta ao quarto, Aiko vestiu sua antiga roupa de aventureira. O tecido se ajustava perfeitamente ao corpo, confortável e leve, com reforços mágicos nas áreas vitais.
Olhou – se para o espelho, e sussurrou.
“Heri… Lilith. Estão comigo?”
Heri se manifestou como sombra, na sua forma sem armadura com um sorriso, mas segurando sua espada, Lilith.
Lilith, com sua voz mais calma, completou.
“Sempre.”
“Ótimo. Vai ser uma longa viagem.”
Ela caminhou até a estante onde repousava sua espada de éter. Segurou-a com firmeza e puxou a lâmina em meio a um brilho cintilante. A lâmina era pura energia etérica, vibrante, viva. Ela a observou por um momento, depois desfez a lâmina e prendeu a tsuka no cinto, como de costume.
“Vamos, Aiko. Estou curioso para ver esses dois dragões”, disse Heri, segurando Lilith.
Os dois se dissolveram numa nevoa negra e envolveram o corpo dela, retornando ao interior de sua alma. Por fim, ela coloca a mão no bolso e retirou sua antiga venda negra. A hesitação foi instantânea. Ela se lembrou do dia em que perdeu os poderes da deusa laranja, o dia em que também perdeu sua visão mágica. E agora?
Ela colocou a venda sobre os olhos.
“Vamos ver…”
Por um instante, tudo ficou escuro. Mas então, como se os olhos dela se abrirem por trás do véu, o mundo voltou a surgir, formas, luz, energia. Ela sorriu.
“Funciona de novo.”
Por precaução, invocou uma pequena magia e envolveu os próprios chifres com uma ilusão sutil. Eles desapareceram de vista, embora o peso ainda estivesse lá.
No terraço do castelo, Darkborn e o Rei Demônio já a esperavam. O vento cortava entre as torres, balançando os cabelos de ambos.
O rei a olhou com seriedade, depois abriu um sorriso inesperado e a abraçou com força.
“Vá. E mostre a este mundo por que carrega meu nome.”
Aiko retribuiu o abraço, breve mas intenso. Darkborn, atrás deles, começou a mudar de forma. Sua pele rasgou-se, escamas negras surgiram como placas vivas, e seu corpo cresceu, mas não tanto quanto antes. Ele agora tinha o tamanho de uma casa média, grande o suficiente para carregar Aiko, pequeno o bastante para viajar entre cidades sem causar destruição.
Aiko subiu em suas costas com um salto ágil. Ele ergueu voo com facilidade. Enquanto cortavam o céu, a medida que ganhavam altura, o corpo de Darkborn aumentava sutilmente. Cada batida de suas asas fazia o céu vibrar, e logo estavam numa altitude acima das nuvens.
Aiko segurava firme, sorrindo com o vento batendo no rosto.
Ao longe, invisíveis a eles, quatro olhos se abriam nas sombras das nuvens. Dois olhos vermelhos de lagarto… dois olhos azuis. E no centro das trevas, uma silhueta humana… um sorriso com olhos e boca que brilhavam em branco puro.
Algo estava à espreita.

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