Capítulo 01 - Alvo, o Brilhante
ALVO PRIMEIRO
Em meu trigésimo verão, finalmente consegui o respeito d’Os Cinco. Fui o responsável por uma vitória esmagadora contra um destacamento de mil e quinhentos Magos Elfos, que tentou ultrapassar nossas fronteiras. Até o momento não fazemos ideia do real motivo do ataque.
Uma força como esta poderia facilmente dizimar um local como Arcos, a cidade mais ao sul do domínio humano, com pouco mais de vinte mil habitantes.
Este número de magos não é visto longe de suas terras há, pelo menos, duas gerações. A última vez que dois d’Os Cinco se enfrentaram diretamente, foi na batalha naval no oceano Vazio, entre Anões e os Pelt-Beasts. Os baixinhos levaram a pior, seus navios eram impressionantes, movidos a vapor. Infelizmente o combate a curta distância definiu a vitória.
Eu estava na capital Humana, Porto-Norte, onde o atual Rei, Grenford Oitavo, velho, doente e sem herdeiros, preparou um tipo de eleição para decidir o próximo monarca: A população iria escolher, via votação, três concorrentes em uma lista de prodigiosos senhores feudais, prefeitos e Generais. Os eleitos seriam postos a prova em competições de conhecimento e lealdade.
Entre os cinquenta candidatos, estava eu, um jovem General, Escolhido pela Mana do tipo Energia, com especialidade ramificada em Mana do tipo de Força. Luto como um Gorila-de-Escamas, desenfreado, que não se importa em pular no meio dos inimigos. Meu estilo de luta é extremamente letal, pois alio uma camada de luz protetora, tão quente, que derrete rocha ao toque, com técnicas de artes marciais precisas e muito bem ensaiadas.
Nunca encontrei um oponente à altura!
Meu nome estava no topo das cédulas de votação, carregadas pelo povo — Alvo Primeiro. Recebi esse nome pois, quando nasci, meu corpo todo brilhou com uma luz pura e branca, extremamente quente. Acreditavam que se eu demorasse mais um dia para nascer, mataria minha mãe de dentro do ventre. Mana pulsava conforme meu coração batia, fazendo o ventre em que eu estava, brilhar e esquentar muito, algo fora do comum, mesmo entre Escolhidos pela Mana.
Utilizaram uma técnica para apressar meu parto: abriram o ventre da minha mãe com uma faca, no começo do oitavo mês de gestação. Que prática bárbara… Agradeço aos deuses, pois ela não sofreu sequelas. Minha mãe faleceu quinze verões depois, após uma doença respiratória causar falência em seus pulmões. Nunca me senti tão triste.
Meu pai faleceu antes que eu aprendesse a andar. Ele partiu em uma expedição pelo mar Felpo, ao leste do continente Aurora. Graças a isso não tenho muitas memórias sobre ele. Minha mãe sempre falava de seu falecido marido com muito amor na voz. Fico contente em saber que meu pai foi alguém bom para ela.
Sobre a “eleição”, orquestrada por nosso rei, o momento não poderia ser mais oportuno para mim. Como acabei de voltar de uma vitória, nunca antes vista pela minha raça, não se falava em outra coisa.
Após ponderar sobre os candidatos, a geração atual percebeu que nunca tiveram um Rei Escolhido pela mana, causando uma certa curiosidade na população: Como seria ter alguém com tamanho poder político, e mágico, como nosso monarca?
Três dias após o início da angariação de votos, saiu o resultado: fui o mais votado, seguindo por Henco Pleno, um senhor feudal, que não tive o prazer de conhecer, e, não menos importante, o Ex-Prefeito de Porto-Norte, um senhor Barrigudo, e muito simpático, chamado Rufo Sote Terceiro.
— General Alvo, congratulo vossa excelência pela quantidade exorbitante de votos! Acredito que nem mesmo o Rei Astuto teria tanta popularidade entre a Plebe —
falou Pírio Sote, ao entrar em meu escritório com um sorriso sapeca no rosto.
Pírio é um jovem comandante de regimento, e me ajuda a treinar desde que me tornei oficial das Forças de Proteção, organização militar criada para proteger a nação humana, treinar e capacitar os Magos. Pírio é quatro verões mais novo, medindo um metro e oitenta e cinco, apenas cinco centímetros mais baixo que eu. Suas feições demonstram simpatia. Fora do horário de serviço ele sempre está acompanhado de alguma mulher. Isso significava que, para elas, ele era bonito ou estava pagando bem, nunca soube dizer…
— Agradeço a consideração, amigo, infelizmente isso não valerá de nada se eu não passar pelas provações do Rei — respondi com certo desapontamento na voz.
— Não exija tanto de si, sabemos que o rei te adora… Nossa raça nunca se sentiu tão protegida como atualmente!
— Está me bajulando demais hoje, Pírio. Precisa de algo?
— Você realmente me conhece, hehehe… A verdade é que não sou eu quem precisa de algo, mas sim meu tio, Rufo. Ele gostaria de poder falar com o queridinho do povo. Vocês se conhecem de festas de gala, eu sei, mas nunca conversaram a sós.
Ponderei por um instante. Como já iríamos interagir em algum momento, por sermos ambos “eleitos pelo povo”, achei que não faria mal aceitar o convite.
— Pois bem, que seja logo.
— Meu tio já esperava uma resposta positiva, então um jantar está sendo preparado para hoje. Na primeira sombra ele o espera. Creio que saiba onde fica a mansão dos Sote.
— É apenas o décimo raio do dia, pra quê começar as preparações tão cedo?
— Provavelmente ele está tentando te impressionar. O velho costuma ter o que quer, então não poupa esforços para garantir que as chances aumentem.
Para quem estiver lendo este relato, e não está ambientado com o sistema de marcação de tempo dos humanos, saiba que ele é pouco impreciso. Nosso dia tem trinta ciclos, vinte deles chamados de “raios”, quando ainda está claro, e dez sombras, no período noturno. Conseguimos diferenciar os ciclos usando diversas ampulhetas sincronizadas, espalhadas pela cidade, todas girando simultaneamente a cada ciclo de tempo. Definimos que o primeiro raio do dia seria um ciclo antes do tempo médio que o sol leva para aparecer. Já a primeira Sombra da noite foi definida para o primeiro ciclo médio sem luz.
Parece complicado, mas você se acostuma.
Ouvi boatos que os Lizards medem o tempo pela temperatura e pressão atmosférica, deve ser mentira.
Um som leve de sinos toca a cada ciclo para avisar a população. Soube que os anões criaram uma geringonça para mostrar os ciclos, sem a necessidade das ampulhetas. Se for verdade, os baixinhos ranzinzas merecem meus parabéns. Também temos relógios de Sol, mas, obviamente, não funcionam de noite.
— Mudando de assunto, Pírio, quer treinar antes do almoço? Fiquei sabendo que você perdeu uma disputa de força para um soldado, bem mais novo, enquanto estive fora… É verdade? — Caçoei.
— Esse pessoal não perde tempo… Fui derrotado em um treino de combate sem mana. Vou te falar uma coisa, Alvo, esses novatos estão ficando cada vez maiores, escute o que estou dizendo! — Ele pareceu realmente preocupado enquanto falava.
— Me espere no pátio três, vou terminar esse relatório para o Comandante Geral — posso ser um general, mas existem algumas pessoas nas Forças de Proteção, com patentes maiores que a minha.
Não preciso me segurar ao enfrentar Pírio, pois ele tem uma afinidade incomum com a Magia de Vida, e é um exímio curandeiro. Tão bom que consegue se curar enquanto luta, algo espantoso.
Já no pátio, sem minha armadura, usando apenas o uniforme padrão cinza escuro da corporação, lancei uma provocação:
— Vamos começar com combate sem mana. Quero ver o quão enferrujado você está… Pelos Deuses, Pírio, perder para um novato? Você envergonha seu General!
Sem aviso prévio, o saco de pancad-, digo, Pírio, avançou em minha direção, chutando com a perna esquerda em minha perna direita. O Espertinho foi direto no meu ponto fraco… Apenas levantei a perna, e, quando o chute passou por mim, mirei um soco, especialmente forte, no ombro esquerdo dele, enquanto ainda era afetado pela inércia de seu chute falho. Como se previsse meu movimento, antes do impacto, meu adversário deu uma cambalhota para meu lado esquerdo. Voltamos ao estado inicial, ambos com as guardas levantadas.
Meu adversário tomou a iniciativa dos golpes. Para mim, cada um deles parecia acontecer lentamente, como se o tempo corresse mais devagar que o normal. A mana de força, mesmo inativa, proporcionava ao meu corpo reflexos sobre-humanos, de forma passiva.
Desviei cada investida, cada golpe, com a mesma facilidade que teria enfrentando uma criança.
— General, como foi a batalha contra os orelhudos? — Perguntou Pírio, entre um golpe e outro.
— Surpreendentemente fácil. Não estou me gabando… No meu regimento, de cinquenta homens que participaram da batalha, tivemos menos de dez mortes confirmadas até o momento. Ainda existem alguns feridos.
Chutei seu rosto com a sola do pé direito. Ele deu um rolamento para trás, se afastando e retomando o controle de sua guarda. Antes de continuar ele passou as costas da mão no nariz avermelhado pelo golpe, mas logo já estava curado.
— Isso não parece fazer sentido. Uma investida com tantos Magos, sem um escolhido para dar suporte, e sem um motivo aparente… — Falou meu adversário após bloquear uma cotovelada com ambos os braços.
— Quero acreditar que fizeram apenas um movimento errado, mas sabendo como os Elfos prezam pela vida de seu povo, acho que esse não seria o caso.
Alguns momentos depois, os sinos da cidade tocaram, informando que estávamos no décimo segundo Raio do dia, então decidimos terminar a sessão de tortur-, digo, treinamento. Eu suava um pouco, enquanto Pírio estava cheio de escoriações ainda por serem curadas, e bastante ofegante.
— Usarei o período da tarde para visitar as famílias de alguns de meus homens caídos em batalha, para prestar condolências. Depois vou ver o seu tio — falei enquanto me dirigia à entrada do Batalhão.
— Entendido, General. Agradeço pelo treino. É sempre bom ver que você não se importa em quebrar algumas das minhas costelas… Às vezes amaldiçoo minhas habilidades.
Com uma gargalhada alta pela fala de meu colega, saí do pátio e me dirigi aos meus aposentos.
Pode parecer insensível de minha parte, rir após falar sobre os homens que perdi em batalha, mas eu sentia apenas orgulho deles. Tratamos os mortos com respeito que eles merecem, não apenas tristeza.
Durante a noite fui recebido na mansão dos Sote, família de ricos comerciantes. Entre eles apenas Rufo decidiu seguir a vida política.
Oito verões antes, Rufo havia se tornado prefeito da capital de nossa Raça, sendo muito quisto entre a população. Hoje, aposentado, ele vive como conselheiro de figurões do estado, usando sua experiência para ajudar em momentos de crise.
Fui recebido com sorrisos de duas criadas bonitas, que me ofereceram uma bebida quente e forte, provavelmente feita de maçãs fermentadas. Mesmo que eu não beba nada alcoólico no meu dia-a-dia, não me senti culpado em aceitar uma taça. O sabor estava incrível.
— Grande General Alvo, o Brilhante. É com grande honra que o recebo em minha humilde residência!
Disse Rufo, a plenos pulmões, enquanto descia por uma escada ornamentada com prata, nenhum pouco humilde, diga-se de passagem.
O homem media um metro e setenta e cinco, tendo cerca de cinquenta e cinco verões, bem barrigudo. Devia pesar uns cento e vinte quilos, mas não demonstrava fraquezas físicas pela obesidade. Tenho certeza que não seria fácil derrotá-lo em uma disputa corpo-a-corpo. Os braços dele pareciam toras de carvalho, algo incomum para um político.
— A honra é toda minha Ex-Prefeito. Gostaria de falar sobre a eleição? — Indaguei, despretensiosamente.
— Direto ao ponto, como todo bom militar, hahaha. Não tenha pressa, o jantar logo estará servido e poderemos falar com mais calma.
O Banquete que se seguiu eu experimentara poucas vezes na vida. Apesar de ser um General, eu não recebia muito ouro pelos serviços. Eu não era pobre, mas também não chegava perto de ser rico.
Enquanto o jantar acontecia, simplesmente esqueci que estava na presença de Rufo, mas ele também não pareceu se importar, o homem gostava muito de comer. Várias rodadas de tira-gosto e pratos caprichados depois, eu estava satisfeito.
Após engolir meio Galo-de-Fogo frito, de uma só vez, Rufo tomou um grande gole de licor, pigarreou alto, e disse:
— Então, jovem General, algo me preocupa.
— Outro ataque d’Os Cinco à vista? Algo que eu possa ajudar?
— Não seja tolo, meu rapaz, nenhum deles teria a audácia de nos atacar depois de tamanha demonstração de força. Dizimar aqueles elfos com tanta facilidade, pelos deuses… Quero falar sobre as provações que o rei irá impor a nós.
— Pois bem, prossiga! — Falei com visível impaciência. Politicagem nunca foi o meu forte.
— Fontes me informaram como serão, pelo menos duas, das três provações do rei. Como sei que vossa excelência não gosta de lenga-lenga, a minha proposta é a seguinte: lhe ajudarei a se tornar o próximo rei. Não tenho interesse neste tipo de vida. Estou velho e meu filho, Cádimo, pode ser um bom garoto, mas não acredito que faria bem a ele herdar tal poder.
— Não quero desrespeitá-lo, mas acredito que estes não sejam os únicos motivos para que esta proposta esteja sendo feita — terminei a frase com as sobrancelhas arqueadas.
— Gostaria de me tornar seu conselheiro. Eu não aturaria tanta pompa e sei quanto pagam para alguém neste cargo. Sem contar nos privilégios, que estariam apenas abaixo dos do monarca… E não gosto da ideia de Henco de se tornar rei. Eu quero matar dois Patos com um grito só.
Para aqueles que não estejam familiarizados com os métodos de caça de Patácitos ou “Patos-silenciosos”, aqui vai um resumo: Deve-se ficar em silêncio, durante algumas horas, sem se mover, nas margens dos lagos em que os Patácitos vivem, com sementes ou legumes espalhados no chão a sua volta. Quando eles se aglomerarem, apenas grite, muito alto. Como essa espécie de pato tem a audição muito frágil, eles ficam desnorteados, facilitando a captura. Dependendo da intensidade do grito, alguns até morrem. Daí o ditado.
— Não me parece uma proposta ruim. Sei por minhas próprias fontes que você não é má pessoa. Infelizmente eu não tenho muito tempo para ponderar sobre. Amanhã o rei solicita nossa presença, provavelmente já começaremos as provações… Tem alguma ideia se Henco tem as mesmas informações que a sua fonte?
— Se eu sei, Henco descobriu um dia antes, isso eu te garanto! — Falou Rufo, em um tom de aceitação.
Me empertiguei, enquanto arregalava os olhos.
Passado o espanto, senti-me um pequeno peixe em um tanque cheio de tubarões. Mesmo tendo poder suficiente para dizimar províncias inteiras, eu parecia uma criança entrando no mundo de adultos.
Indiretamente, meu anfitrião estava demonstrando que eu não tinha poder político algum sem uma rede de contatos estabelecida, e, se me tornasse rei, talvez não conseguisse governar. Não sozinho…
Respirei fundo e respondi:
— Ok, prometo fazer o possível para torná-lo meu conselheiro, caso eu vença. Agora poderia me contar sobre as duas provações que teve acesso?
— Com toda a certeza!
— Antes de mais nada, qual é o seu verdadeiro objetivo, Rufo?
— Conforto! — Ao dizer isso seu rosto se iluminou de felicidade.
Olhei em volta, encarando toda aquela riqueza, e falei:
— Mais conforto? Esta é a casa mais luxuosa em que já estive. Criadas, Licores, escadas ornamentadas… Me espantaria se fosse esse seu real motivo.
— Não me leve a mal, Alvo, mas você não faz ideia como é difícil manter esse padrão de vida, já que não sou mais um empregado do estado. Meus dois irmãos fizeram fortuna no comércio, mas são muquiranas e não dividem “o pão”, se é que me entende.
— Sou empregado do estado, mas não sou tão rico. Talvez eu esteja “coçando as costas” erradas.
A gargalhada que Rufo deu fez a casa toda tremer, tamanha a força de sua voz. Eu realmente sentia algo diferente vindo dele, só não sabia o que era…
— Você me diverte muito, General. Creio que nossa parceria será duradoura!
— Pois bem, o senhor não tem problemas em selar esse acordo, correto?
— De forma alguma! — Disse Rufo ao estender a mão direita para mim.
Falamos em uníssono:
— Juro pelo deus Azul!
Com essa frase selamos o acordo com o juramento do deus Azul, o qual apertamos simultaneamente o antebraço direito do outro com as mãos direitas, como um aperto de mão. Selar um acordo desta maneira é um ritual comum entre humanos, quando mostramos seriedade em nossas ações. Aquele que descumprir, intencionalmente, um trato selado com este cumprimento, é afetado por uma maldição. Em alguns casos, raros, a maldição pode causar morte instantânea! Tudo depende da gravidade da promessa feita entre as partes.
Soube de um caso em que uma menina jurou pagar uma dívida de ouro até o fim do dia, mas fugiu com o marido para uma província vizinha. Quando os sinos do primeiro Raio do dia tocaram, seus dois olhos caíram, sem sangue, apenas caíram. Cada maldição é diferente da outra.
Histórias contam que, em torno de quinhentos verões atrás, esse juramento nos foi “dado” pelo deus Azul, como uma forma de nos proteger contra pessoas mal intencionadas. Tal ato fez nascer um sentimento de confiança, nunca antes visto, entre as pessoas.
Para quem se interessa pelos deuses, farei um breve resumo do que me foi ensinado sobre as divindades: Existem quinze deuses, três para cada um d’Os Cinco. Todos foram pessoas em vida. Dos Quinze, dois foram professores, quatro reis, e os nove restantes eram combatentes extremamente poderosos.
Não sabemos ao certo o processo para um deus nascer. O último a se tornar um deles foi o deus Azul, cerca de mil verões atrás. Ele era um rei humano, chamado carinhosamente de Rei Astuto, pois acabou com a fome para nossa espécie, criando sistemas complexos de plantação e irrigação, trazendo fartura e felicidade ao povo.
Próximo do fim de sua longa vida, sua carne, ao invés de apodrecer com a morte, cintilou com uma luz azul-celeste, desaparecendo no ar alguns instantes depois.
De tempos em tempos, sua consciência falava diretamente com todos de nossa raça, nos concedendo graças, como o próprio juramento do deus Azul. Ele não fala conosco a mais de cem verões, o que abre margem para os odiosos ateus ganharem força política.
Os humanos têm outros dois deuses: o deus Roxo e a deusa Amarela. Sei pouco sobre as bênçãos de ambos, mas sei que o deus Roxo nos concede força em batalhas contra outras raças, caso oremos diretamente para ele.
Após o juramento entre eu e Rufo ter sido feito, ele me contou sobre as provações que tinha conhecimento:
— O rei não nos colocará para digladiar como alguns esperam, hahaha, ele apenas precisa entender as intenções de cada um. Dessa forma, foram definidas “provas”. Na primeira ele perguntará como foi nossa vida até agora, apenas isso.
— Entendo, então ele vai usar a ampulheta? — Eu disse, enquanto cruzava os braços.
Todos os humanos sabiam sobre a ampulheta do rei. Um artefato mágico, extremamente poderoso, que detectava se os presentes estavam falando a verdade. Ao mentir na presença do rei, a ampulheta derruba areia vermelho-sangue durante uns poucos instantes.
— Precisamente. Apenas temos que falar o necessário para agradar ao rei, desde que não seja mentira.
— E a segunda prova?
— Será outra pergunta: o que fará como rei?
— Calma, apenas perguntas? Essas são as temidas provações do rei Grenford?
— Você não deve estar familiarizado com o que acontece com quem a ampulheta detecta mentindo… O artefato foi um presente da deusa Amarela, e é um brinquedinho bastante horrendo. Se mentir uma vez, sentirá uma dor enorme pelo corpo, como um aviso — ele fez uma pausa dramática e olhou ao redor. — Mentir pela segunda vez, além das dores, algumas maldições podem cair sobre o mentiroso, como a perda do olfato ou da audição. Mentir três vezes faz com que o azarado sinta, por horas, dores dezenas de vezes maiores que na primeira vez… Depois de muita agonia, o mentiroso morre.
— Eu achava que eram apenas boatos. Como tem certeza disso?
— Meu contato vêm de dentro do palácio. Ele viu isso acontecer mais de uma vez, então garanto a veracidade da informação.
— Entendi, terei isso em mente. Tem mais algo útil para me informar?
— Por ora, apenas tenha cuidado! Não sabemos o quanto Henco quer se tornar rei. Podemos esperar surpresas indesejadas. Se possível esteja sempre acompanhado.
— Neste momento é você quem me diverte, Rufo. Você está dizendo para o soldado mais poderoso da geração andar com seguranças?
— Qualquer ajuda é bem vinda para evitar problemas, não acha?
— Ok, verei o que posso fazer — neste momento os sinos tocaram pela cidade, informando ser a quarta sombra da noite. — Nossa, o tempo passou rápido! Senhor Rufo, me despedirei do senhor agora. Agradeço a hospitalidade e as informações. Amanhã nos encontraremos no palácio real. Agora estarei me retirando.
— Tenha um bom descanso, general. Vai precisar!
Me levantei, fiz uma breve reverência e deixei a mansão dos Sote.
Após andar calmamente pela cidade, enquanto ponderava sobre tudo o que ouvi de Rufo, nem percebi que já havia chegado ao batalhão.
Diferente dos outros oficiais, eu não tinha moradia própria, pois acreditava ser mais prático viver ali. Não tenho familiares, então não tinha motivos para “voltar” a uma casa.
Após um breve banho, deitei para pensar sobre as provações.
Adormeci quase instantaneamente.
“Usem com cuidado, meus filhos. Depender muito da minha graça pode torná-los fracos!”
Deus Azul
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