Índice de Capítulo

    ALVO PRIMEIRO

    Não consegui dormir aquela noite, mesmo que quisesse eu não tinha onde ficar. Metade da cidade passou a madrugada às claras ajudando a conter as chamas que se alastraram pelas construções próximas às explosões.

    Perto do segundo raio do dia, o último foco de incêndio foi contido. Todos estavam em alerta. Como representante das forças de proteção, organizei todos os soldados restantes para iniciar patrulhas mais constantes ao redor da cidade, nos preparando para possíveis novos ataques.

    Ao oitavo raio, um soldado do palácio veio até mim:

    — General Alvo, vossa majestade solicita sua presença. Se puder comparecer com urgência, agradecemos!

    — Tudo bem, soldado, chego lá em instantes!

    Passei o comando para um tenente próximo e fui até o palácio com a mesma pressa que cacei os terroristas na noite passada. Nem parei na entrada, pulei direto até o topo da escadaria e fui conduzido por um criado ao salão que havíamos feito as provas.

    — Alvo, obrigado por ter vindo tão rápido. Como está a situação?

    — Senhor, conseguimos conter as chamas e não temos sinais de novos inimigos dentro ou nas redondezas da cidade.

    — E os atacantes, o que pode me dizer sobre eles?

    — Foram apenas três. Uma humana, um Elfo e um Lizard. Abati o elfo pois ele estava me atrapalhando com suas magia a longo alcance. A Humana e o Lizard estão desmaiados, presos sob nossa custódia.

    — Entendo… Faça o que for necessário para extrair informações deles. Falando nisso, você percebeu o padrão, certo?

    — Sim, um grupo pequeno de fortes magos, todos de raças distintas. Acredito que seja a Rosa-dos-Ventos.

    Nesta época existiu um grupo de magos mercenários, que não pareciam lutar por uma causa além do ouro e da prata. Eles se chamavam de “Rosa-dos-Ventos”. Alguns diziam que este nome era devido aos mercenários se dividirem em quatro grupos pequenos, cada um representando um dos quatro pontos cardeais: norte, sul, leste e oeste. Eu nunca acreditei que o nome deles fosse por este motivo.

    A “Rosa” lutava por quem pagasse mais. A população sabe pouco sobre eles.

    Ouvi histórias de que o líder da Rosa é um escolhido pela mana, mas não devem passar de boatos. Não tem como uma raça deixar de se gabar que algum de seus integrantes nasceu sendo um escolhido. É uma informação muito importante, que ajuda no balanceamento de poderes políticos e militares entre Os Cinco.

    — Se for a Rosa nos atacando, só mostra que nossos inimigos estão sérios. Está mais do que claro: o ataque dos elfos não foi em vão — continuou o rei.

    — Conseguirei o máximo de informações dos prisioneiros.

    — Ótimo. Reporte qualquer avanço.

    — Sim senhor!

    Ao sair do palácio, na parte de baixo da escadaria, encontrava-se um Rufo cabisbaixo, esperando por alguém. Desci e conversei com ele:

    — Rufo, o que faz aqui? Algum assunto com o rei?

    — Na verdade é com você que preciso falar, Alvo. Creio que já tenha percebido, mas não reagiu devidamente…

    — Do que está falando Rufo, é mais algum de seus joguinhos? Seja breve, estou muito ocupad-

    — Pírio, seu idiota, ele foi morto na explosão do batalhão!

    Fiquei sem fala. Como eu poderia ter me esquecido disso? Estava tão ocupado com detalhes de patrulhas, e com o chamado do rei, que nem lembrei que mandei Pírio para o batalhão. Isso significa que… Indiretamente eu o matei!

    — Rufo, eu… Não sabia… Minha condolências… Eu, eu…

    Simplesmente não sabia o que dizer. Queria dizer que a culpa era minha, mas também estava entrando em meu próprio luto. Ele era meu melhor amigo e eu o mandei para a morte!

    — Sei que você se culpa, general. Eu estava ao seu lado quando deu a ordem para Pírio ir até o batalhão. Não se sinta mal, não tinha como prever que o local mais seguro de Porto-Norte seria destruído tão rapidamente.

    Ao falar isso, os olhos de Rufo se encheram de lágrimas. Eu sabia que a relação deles era bem próxima. O pai de Pírio nunca o amou realmente. Rufo o via como um filho.

    — Rufo, farei o possível para que os culpados pelo ataque paguem. Os prisioneiros serão torturados, curados e torturados, até abrirem a boca. Se os culpados forem uma raça inteira, todos pagarão!

    — Não seja ridículo, Alvo. Se for se vingar, que seja apenas dos mandantes, não mate mais inocentes que já foram mortos aqui… Você recebeu a parcial do número de mortos no ataque de ontem? Oitocentos mortos. Quinhentos só no seu batalhão. A humanidade levou um golpe muito forte, apenas com três magos inimigos.

    — O que me deixa mais assustado com este ataque é que, se quisessem, poderiam ter destruído o palácio e o rei. Mas preferiram atacar onde mais poderia doer para mim… Sabe, não acho que as coisas girem em torno de mim, mas estes dois ataques, dos elfos e do trio, parecem estar relacionados comigo.

    — Não acredito em coincidências, general. Acho que você tem razão.

    — Seguirei com o interrogatório dos presos, mas já tenho uma ideia vaga de como prosseguir. Só preciso de mais algumas informações para entender melhor o caso — fiz uma pequena pausa e perguntei. — Poderia me fazer um favor?

    — O que precisa?

    — Sei que ainda tem contatos entre os comerciantes. Poderia me arrumar um tradutor de reptiliano e enviar o quanto antes ao presídio? De preferência um que não vomite com facilidade.

    — Entendo o que precisa. Antes do sol estar a pino, seu tradutor estará lá! — Rufo enxugou os cantos dos olhos, obviamente ainda afetado pela notícia trágica.

    — Fique bem, velhote. Pírio não gostaria que ficássemos tristes.

    Me despedi brevemente do ex-prefeito e continuei a dar orientações aos meus subordinados até o sol estar a pino. Não conseguia tirar a morte de Pírio de minha mente. Percebi que nunca mais falaria com ele, e um sentimento de ódio sem fim cresceu em meu peito.


    Já no presídio, fui recebido por uma figura baixinha e corpulenta, com olhar afiado, como se visse dentro da minha alma. Ele devia ter uns cinquenta verões. Todos tinham medo dele.

    — Guito, obrigado por cuidar dos prisioneiros. Algum deles acordou? — Perguntei ao carcereiro chefe quando cheguei. O conhecia de outras oportunidades em que tortur- digo, em que informação precisava ser retirada de prisioneiros de guerra.

    — Olá, general Alvo. Sim, os dois acordaram. Estão presos com cristais de mana, não irão a lugar algum!

    Os cristais de mana são encontrados na região montanhosa onde os anões vivem. É um material muito estranho, que suga mana de quem toca. Quanto mais pele está em contato com os cristais, mais mana é sugada. Como os dois prisioneiros são poderosos, acredito que estejam sendo contidos com, pelo menos, o triplo de cristais que um mago comum precisaria.

    — Perfeito. Chegou algum tradutor de reptiliano? — Perguntei.

    — Sim, ela nos aguarda perto das celas do Lizard e da humana. Me siga.

    O presídio era grande e cheio de celas. Passamos por diversos tipos de detentos. Entre eles existiam ladrões, assassinos e alguns que cometeram crimes sexuais… Todo o tipo de escória.

    — Tem muitos assassinos presos aqui? — Perguntei.

    — Mais da metade são assassinos. Alguns matam por acidente, outros por maldade… Graças ao juramento do deus azul eles não conseguem mentir para nós no tribunal, então todos que estão aqui são culpados.

    — Isso é bem conveniente… Ah, acredito que você seja nossa tradutora.

    Ao final do corredor, em que havíamos feito a última curva, estava parada uma moça, quase da minha altura, com cabelos muito pretos, presos em um coque. Ela vestia um manto completamente esverdeado, que cobria seu corpo inteiro. Imediatamente identifiquei como sendo o uniforme dos mercadores. Eles se vestiam dessa forma padronizada para facilitar que fossem reconhecidos na multidão, assim aumentavam as chances de negócios acontecerem. Todos eles tinham um documento de identificação, que garantia descontos em pedágios e em hospedarias pelo mundo. São um grupo muito bem organizado.

    — Muito prazer, me chamo Mebura. O senhor Rufo pediu que eu viesse. O senhor é o general Alvo, eu presumo.

    — Obrigado por vir, Mebura. Será de grande ajuda. Guito, podemos começar pelo Lizard?

    — Como desejar, general.

    Entramos na cela e senti um cheiro nauseante de fezes e corpos apodrecidos.

    — Me desculpem pelo mal cheiro do local, ele está sempre ocupado com algum prisioneiro desobediente, então não temos tempo para limpá-lo.

    — Sem problemas. Mebura, pode começar a tradução. Olá, senhor Lizard, creio que saiba quem sou e o motivo de eu estar aqui. Antes de começarmos, poderia nos dizer seu nome?

    Mebura começou a traduzir, com uma voz gutural, cheia de estaladas de língua e puxadas de ar que pareciam completamente aleatórias para mim. Após alguns grunhidos ela parou. O Lizard, que estava completamente acorrentado ao chão, respondeu:

    — Sei falar sua língua nojenta, general. Traduzido meu nome é Faísca-Nova. É um desprazer conhecê-lo!

    — Olha só, falando em conveniências, temos mais esta. Mebura, seus serviços não serão mais necessários.

    — Consigo entender o que fala… Mas não sei dizer tudo… O que suas bocas conseguem… — Percebi certa dificuldade dele completar esta frase longa. Fazendo pausas entre frases.

    — Tudo bem, então. Será necessário perguntar o motivo do ataque ou você irá colaborar conosco?

    — Não (grunhidos e dois rugidos) você, humano!

    — Ele disse que não pretende nos ajudar, general.

    — Me diga, Faísca, o quão resistente a dor os Lizards são? 

    — Bem mais que (um grunhido e duas estaladas de língua).

    — Ele disse que resistem bem mais que raças inferiores como a nossa.

    — Entendo. Guito, Comece pela cauda dele.

    Guito pegou um alicate enorme de uma mesa enferrujada ao canto da sala e posicionou na ponta da cauda do réptil, que nada fez. Guito me olhou, esperando uma confirmação se poderia prosseguir. Acenei a cabeça, e ele apertou bem devagar o alicate, como se espremesse uma noz muito resistente. O Lizard nada fez.

    — Poupe o nosso tempo e a sua vida, Faísca. Você sabe que se você não abrir a boca os outros dois prisioneiros vão. Vim primeiro em você pois gostaria de liberar nossa tradutora o quanto antes. O elfo e a humana não acordaram também… Precisaremos fazer você em pedaços para falar? — Menti sobre o elfo estar vivo. Quanto menos informação os prisioneiros têm, melhor para nós

    — Fazemos esse tipo de (mais grunhidos, com algumas mudanças sutis, como pausas para estalar a língua se seguiram), não pode me intimidar.

    — Ele disse que fazem esse tipo de coisa para viver, e que foi treinado para quando fosse torturado em casos assim, e não podemos intimidá-lo.

    — Se a dor não afeta você, acho que abrirá a boca quando ouvir os gritos dos seus amigos. Deixarei a porta aberta para facilitar que ele ouça. Guito, a humana está na sala ao lado, correto?

    Guito assentiu.

    Abri a porta e segui pelo corredor, onde estava a humana. Entrei e a vi presa com o dobro de correntes em comparação às que prendiam o Lizard. Todo o cuidado é pouco ao se conter um mago do tipo força.

    — Olá, “Humana”, como vai a sua estadia em nossa humilde pocilga? O cheiro é agradável, não? Vou falar alto para que o seu amigo ao lado possa ouvir. Não perguntarei nada a você, por enquanto… Senhor Faísca, lá vai! — Soltei apenas o braço da humana das correntes, peguei um prego, muito enferrujado que encontrei no chão, e enfiei embaixo da unha do dedo indicador dela. O grito que seguiu foi assustadoramente alto, pois não tive pressa em encaixar o metal pontiagudo sob a carne dela.

    — Está ouvindo isso, senhor Faísca? Eu só enfiei um preguinho na unha dela e ela já gritou assim. Imagine se eu fizesse algo mais radical…

    — ESTÁ BEM, seu (mais grunhidos, só que dessa vez muito irritados, vindos da sala do outro prisioneiro), eu falo o que precisa saber, só a deixe em paz!

    — NÃO, FAÍSCA, NÃO DIGA NADA A ELE. EU AGUENTO! — Gritou a humana. Confirmando que ela não aguentava, enfiei o mesmo prego embaixo da unha do dedão, e ela gritou tão alto quanto antes.

    — Seu trabalho aqui é só gritar, e não dar opiniões — deixei o prego embaixo da unha dela e voltei até a cela do Lizard.

    — Não tente ganhar tempo para ela, Faísca, se não falar algo útil, volto lá e machuco muito mais que duas unhas. Comece a falar!

    Dessa vez ele apenas falou em língua reptiliana, pois não queria perder tempo pensando nas palavras. Após falar por um tempo ele parou e olhou para Mebura, que começou:

    — Ele disse que foi contratado pelo verdadeiro rei dos Elfos, para atacar nosso batalhão em um momento em que muitos soldados estivessem lá. Por isso atacou primeiro a entrada da cidade, para todos ficarem alerta e irem até o batalhão se organizarem. 

    — O rei Elfo, ele falou os motivos do ataque?

    — O Lizard apenas negou, balançando a cabeça.

    — O que pode me falar sobre os seus companheiros? Já estava óbvio que vocês são da Rosa-dos-ventos.

    — Nunca me importei com o elfo, ele (mais linguagem reptiliana que eu não entendia).

    — O réptil falou que o elfo era muito exibido, então nunca se importou com ele. O orelhudo se juntou ao seu grupo há menos de seis meses. Já pela humana ele tem muita estima, se conhecem a mais de oito verões — traduziu Mebura, sem expressar reações, como se lesse um livro chato.

    — Sabe algo sobre os motivos do ataque dos elfos no início do mês?

    — Apenas que foi um fiasco — respondeu.

    — Se eu torturar a humana novamente ela confirmará essas informações?

    — Não precisa, não estou mentindo…

    Fiz uma pausa, enquanto olhava o Lizard nos olhos.

    — Eu acredito… O que eu precisava saber você já me contou. Se for mesmo da Rosa, os elfos não teriam por que dizer o verdadeiro motivo do ataque. Obrigado pela cooperação, Faísca. Agora terei uma palavrinha com a humana.

    O Lizard estremeceu, como se estivesse incrédulo que eu ainda fosse torturar a humana, depois que ele disse tudo.

    — Não se preocupe, senhor Faísca, não vou tortura-la. vou apenas “cumprimenta-la”.

    Com isso ele forçou ainda mais as correntes, tentando ir em minha direção, mas sem sucesso.

    — Você não pode fazer isso, humano… Sabe que não pode! — Falou Lizard, com temor na voz.

    Não dei ouvidos e fui em direção a outra cela mais uma vez.

    —  Olá novamente, Humana. Deixe-me tirar isso para você. — E arranquei o prego que ainda estava no dedão dela. Ela chorava e soluçava, extremamente assustada.

    — Por sorte você ainda tem o braço direito, não é? Pode me cumprimentar, por favor? Mas você sabe, não será um cumprimento qualquer… Você promete me falar qual o real motivo do seu ataque, bem como quem te contratou? Juro que não te torturo mais se responder às minhas perguntas.

    Ela pensou um instante e falou:

    — Promete que o senhor Faísca não será mais torturado também?

    — Isso não posso prometer, por que não ficarei aqui. Se torturarem ele depois que eu sair não será culpa minha. Mas prometo que não o mataremos. Está bem assim?

    — Tudo bem então. Juro pelo deus azul! — Ela disse ao apertar meu antebraço.

    — Juro pelo deus azul. Pode começar a falar.

    — Tudo o que o senhor Faísca disse é verdade, nó-

    No momento em que confirmou que o Lizard não mentiu, seus olhos perderam a luz e sua cabeça pendeu para frente. Ela morreu, instantaneamente, de forma indolor. Entendi o que aconteceu.

    — Ela fez um juramento antes de vir até aqui e morreu no momento em que fez outro juramento comigo. A julgar por como a morte foi rápida, ela deve ter prometido muitas coisas nesse primeiro juramento. Bem, pelo menos temos mais uma informação: tem outro humano envolvido no ataque! — Falei tudo em voz alta. Gosto de fazer isso para colocar minhas ideias no lugar.

    O juramento do deus azul foi nos dado por um deus humano, e só funciona entre humanos. Dessa forma, eu tinha tudo o que precisava para dar meu próximo passo. Eu deveria ir até o reino élfico e ter uma “palavrinha” com o governante deles.

    — Mebura, seus serviços não são mais necessários por enquanto. Caso o senhor Guito ache necessário, ele enviará alguém até você, para chamá-la. Obrigado! Senhor Guito, qualquer nova informação que puder tirar dele, me chame ou informe diretamente ao rei, ele gostará de saber. Ah, não o mate, por favor.

    — Entendido, general!

    — Mebura, vamos!

    O Lizard parecia sem reação. Mesmo sem entender as expressões do “rosto” dos lizards, percebi como ele estava chocado. Quase catatonico. 

    Não quis pensar muito nisso.

    Sem mais delongas, saímos do presídio.

    — Vou direto ao palácio, informar o que conseguimos. Pode dar uma notícia ao senhor Rufo? — Pedi a Mabura.

    — Claro, senhor alvo!

    — Avise-o que estarei indo até o reino dos elfos. Estou desistindo da minha candidatura a rei. Ele deve apoiar Henco, como seu conselheiro. Isso é tudo!

    Sem outra palavra Mebura fez uma reverência e seguiu seu caminho.

    Me direcionei até o palácio andando, pensativo. Algumas pessoas me paravam pelo caminho, agradecendo por lidar com esta crise tão rapidamente. Alguns lamentaram as mortes. Outros me culpavam, por não ter sido tão rápido. Ouvi todos que pude.


    No meio da tarde cheguei ao distrito onde o palácio fora construído. Na frente deste monumento imponente, construído pelos humanos, me senti pequeno.

    Os guardas da entrada não me pararam quando subi a escadaria.

    Encontrei o rei onde eu havia o deixado. Falei tudo o que aconteceu no presídio.

    — Sabia que poderia contar com você, Alvo! Conseguiu as informações muito mais rápido que um torturador profissional, que assustador. Tem certeza que desistirá do cargo de rei? Posso adiar minha decisão até você voltar.

    — Tudo bem, senhor, eu pensei melhor e não aceitaria o cargo. Queria ser rei apenas por orgulho, nada mais. Henco é a mais qualificada de nós três, disso eu tenho certeza. Sem contar que fui muito mal na sua “prova de geografia”. Nunca me importei muito com as outras cidades e províncias humanas. Entendi o que queria com a terceira prova.

    — Você é bastante inteligente, para um militar, hahahahaha. Tudo bem, general. Faça o que achar necessário para colocar um fim nesses ataques. Seu povo está com você.

    — Obrigado, senhor!

    As forças de proteção estavam organizadas em galpões improvisados, em áreas abertas dentro da cidade, onde crianças brincavam no passado. Foram erguidos edifícios com magia elemental de terra em minutos.

    Solicitei uma reunião de emergência com exatamente cem tenentes e/ou comandantes de regimento. Não demorou até todos estarem em minha presença. Com todos ali, dei as ordens:

    — Senhores, quero que cada um de vocês separem dez dos seus melhores combatentes que estão sob seu comando. Se possível, metade com boas habilidades de mana elemental. Iremos até a floresta élfica, retaliar os ataques de ontem — olhei nos olhos de cada um enquanto falava. — Partiremos em até vinte dias. Estou no aguardo de uma informante. Caso ela não retorne dentro desses dias de espera, partiremos imediatamente. Entendam que esta pode ser uma missão sem volta. preciso dos melhores e mais dispostos a lutar. Com estes mil soldados, encabeçarei um ataque direto à floresta dos elfos. Se necessário derrubaremos cada árvore até achar a capital do reino deles. Isso é tudo!

    — Sim senhor! — Todos responderam, ficando em posição de sentido.


    Nesse mesmo dia, antes de anoitecer, fui até o que sobrou do batalhão destruído, onde foi feito um memorial para os mortos do ataque. Fiquei de longe, parado, olhando as famílias se acumularem, chorando pelos entes perdidos. Até aquele momento eu não havia derramado lágrima alguma.

    Vesti um capuz para evitar ser reconhecido quando fosse me aproximar.

    A cratera, onde antes ficava o batalhão, estava lá, intocada. Ainda subia fumaça de alguns pontos.

    Em uma parte um pouco afastada, mas ainda perto da área destruída, estava Rufo, com três guarda-costas à sua volta. Ele estava olhando um ponto que saía fumaça aleatoriamente, com uma expressão que não poderia ser decifrada.

    Me aproximei de Rufo, tentando não chamar atenção do público.

    — Não reagi como deveria a notícia de sua perda, meu amigo. Pírio fará toda a falta do mundo! — Coloquei a mão direita no ombro esquerdo de Rufo, que ainda estava fitando as cinzas, de costas para mim.

    — Lembro do dia em que ele aprendeu a usar magia. Era um “pitoco” de gente. Estava tão assustado e maravilhado ao mesmo tempo… Segurava um gatinho de rua, que ele acabara de curar. O coitado do bichano havia quebrado a patinha, depois que um menino levado deu uma paulada nele. Seu olhar, enquanto levantava o animal para eu ver, encheu meu coração de alegria. — Rufo fungou, enquanto limpava a umidade dos olhos — É a primeira lembrança feliz que tive depois que perdi minha esposa… Eu era muito carrancudo até aquela época. Percebi, anos depois, que a presença dele amoleceu meu coração. Ele me tornou uma pessoa melhor! Espero levar para o restante da minha vida o que aprendi com ele, e não voltar a ser uma pessoa amargurada como já fui.

    Fiquei sem palavras.

    Então ele se virou para mim, me deu um breve abraço, que retribuí. Ele se retirou com seus guardas a tiracolo. Fiquei uns momentos olhando as costas dele enquanto se afastava.

    Fui em direção ao pequeno altar de pedra, usado como memorial. Muitas pessoas estavam em volta.

    Ainda não tinham listado cada fatalidade, então não haviam colocado os nomes de todos os falecidos no memorial. Dos poucos nomes que já estavam esculpidos na pedra, um se destacava: “Pírio Sote, Comandante de regimento”.

    Ao ler seu nome, todas as memórias que construímos vieram juntas, e uma onda de tristeza me desnorteou. Minhas pernas fraquejaram com a melancolia, e me ajoelhei.

    Chorei, como nunca antes. Nem com a perda da minha mãe eu fiquei tão abalado.

    Após chorar durante um tempo, enxuguei as lágrimas, me levantei. Coloquei a mão esquerda na parte em que seu nome estava entalhado, e disse:

    — Logo estarei partindo para te vingar, meu amigo! Não volto aqui sem fazer os culpados pagarem! É uma promessa!

    Quando me deitei naquela noite estava tão cansado que nem me lembro de ter fechado os olhos. Dormi no momento em que minha cabeça encostou no travesseiro.


    “Sua falta de conhecimento é tão prejudicial quanto uma adaga perfurando meu coração!”

    Deusa Amarela

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