Capítulo 07 - Altimanus Fluorescente
THERMON AGOURO
Ao passar pela cortina de cipós, ainda no chão, alguns guardas nos pararam.
— Nomes? — Ele usava o uniforme igual aos dos elfos que nos trouxeram até aqui: Verde musgo, com ombreiras marrons e um arco nas costas.
— Sou Thermon Agouro. Este é Baru Arpão e ela é Jouci.
O guarda escreveu algo em uma prancheta antes de continuar:
— Que assuntos querem tratar aqui?
— Eles estão comigo, guarda. Thermon é o escolhido dos elfos-de-gelo. Tem uma mensagem urgente ao rei — interveio Rogi.
— Não os deixe entrar em nenhuma confusão, por favor!
— Perfeitamente. Vamos!
Enquanto andávamos em direção às pontes que levavam ao topo das árvores, Rogi falou:
— Thermon, por que seu sobrenome é Agouro? Ao que parece a tradição do “segundo nome” de nós, elfos da floresta, é igual a da sua espécie.
— Sim, você está certo. Também damos o segundo nome aos nossos habitantes quando fazem vinte anos, de acordo com feitos, qualidades ou defeitos. No meu caso foi uma história sem graça. Meses depois que nasci perceberam que eu era um Escolhido e acreditavam que seria o prelúdio de algo ruim. Quando tinha idade para receber meu sobrenome, lembraram que eu ainda poderia significar problemas aos meus compatriotas, e me nomearam como Thermon Agouro.
— E você, senhor Baru Arpão, ganhou seu segundo nome por que pesca bem? — Rogi perguntou com certa animação para saber a história do meu amigo.
— É por isso mesmo! — Baru falou com muito orgulho enquanto estufava o peito.
— Ah… Legal… — Rogi murchou, perdendo totalmente o interesse em Baru.
Após subirmos por algumas pontes de cipós, estávamos a mais de quarenta metros do chão. As árvores naquela área da floresta eram colossais. Muitos elfos iam e vinham pelas passarelas e pontes.
— O caminho até o senhor Altimanus é um pouco extenso. Nossa cidade é gigantesca, como podem ver. Provavelmente chegaremos no início do jantar. Obviamente estão convidados. Por favor, se lavem nesta estalagem. Estarei esperando aqui fora.
Orientou Rogi, abrindo as portas de uma construção rústica e bem cuidada, feita de raízes e argila, em um árvore um pouco mais alta que as outras.
Ao entrarmos, dois funcionários da estalagem nos receberam com reverências, e nos guiaram até o interior do local. Eu e Baru entramos em um banheiro separado para homens e Jouci em outro, bem ao lado.
— As coisas estão acontecendo um pouco rápido, não? — Falou Baru, se despindo quando entrou no recinto.
— Acredito que o nome do senhor Tomoga foi o responsável por isso. Mensageiros comuns não são convidados para os jantares da realeza.
O cômodo em que entramos tinha quatro banheiras de argila grandes, com água quente soltando vapor.
— Odeio água quente… — Falei ao terminar de tirar a roupa e ir em direção a segunda banheira.
— Nossa pele pode ser sensível ao calor, mas, pelo menos, a água quente facilita na limpeza.
Quando cada um de nós estava submerso em uma banheira diferente, Baru puxou assunto:
— Thermon, muito obrigado pela conversa que teve comigo naquela noite. Agradeço ainda mais como você falou com a Jouci depois.
— Você estava acordado?
— Não o tempo todo, só quando você contou as histórias da Jou para ela. Eu não conseguiria fazer isso… Falar da minha esposa para a Jouci é muito pesado para mim. O buraco que sinto dentro do meu coração parece aumentar com o simples pensamento de falar com ela este assunto… Consigo me abrir com você, mas com ela é diferente. Se tinha alguém no mundo que amava Jou mais do que eu, era a Jouci.
Contemplei o teto por alguns instantes, absorvendo o que meu velho amigo tinha dito.
— Amo vocês dois, Baru. Considero que ambos são do meu sangue. O que eu puder fazer para amenizar suas dores, farei! Não precisa agradecer. Para família nós não cobramos favores.
Poderia ser por causa da água quente, mas percebi que Baru ficou muito vermelho. O que acredito ser preocupante para seres de corpo gelado.
— Ok, chega de sentimentalismo. Vamos terminar logo o banho. Essa água está me deixando completamente tonto.
Terminamos nosso banho e colocamos roupas que haviam deixado para nós na entrada do banheiro. Eram mais arejadas que as roupas pesadas que usávamos durante a viagem: duas camisetas leves, cor de musgo e duas calças acinzentadas. Para seres que vivem no gelo, e sempre usam vestimentas contra o frio, precisávamos mesmo de roupas mais leves aqui.
Quando eu e Baru voltamos a recepção da estalagem nos sentamos e esperamos por Jouci. Ela estava demorando um pouco.
Antes de começarmos a nos preocupar com o atraso de nossa companheira, ela apareceu pelo corredor, só que estava um pouco diferente…
Jouci, que sempre usava roupas grossas, cobrindo todo o seu corpo, apareceu usando apenas uma camiseta branca com manga média e uma calça preta, que combinavam com a cor acinzentada de seus cabelos. Ela estava cheirosa. Nunca senti nenhum odor vindo dela que não fosse de peixes. Isso é novidade.
Ela era magra, mas com o corpo bem definido, provavelmente de tanto andar durante as expedições aqui no exterior. Ela estava falando alguma coisa olhando para Baru e deu um sorriso no meio das palavras. Esse jeito de falar me lembrava tanto a Jou…
— …muito atenciosas comigo — ela falou enquanto colocava seu rabo de cavalo trançado na frente do ombro direito. Percebi que não estava prestando atenção até o final da frase.
— Desculpe, o que disse? — Falei, saindo de meu estupor.
— Eu disse que as camareiras da estalagem me ajudaram a lavar meu cabelo. Eu não o limpava a meses. Elas foram muito atenciosas. Você está delirando ou algo do tipo? Está com “febre do continente”? — E Jouci encostou a testa junto a minha, para sentir minha temperatura. Parecia preocupada.
— O que está fazendo? E-e-eu estou bem, só estava pensando em nossa missão! — Não gosto de admitir, mas fiquei envergonhado. Levantei do banco em que estava sentado, com o susto pelo contato repentino.
— Ah, me desculpe. É comum quando elfos-de-gelo vem ao exterior desenvolverem algum tipo de febre incessante. A mudança de temperatura é muito brusca, como percebeu. Esse é um dos motivos de nossa raça não sair do polo sul. Se está bem, vamos indo.
Jouci passou pela porta de entrada, Baru levantou e a seguiu. Ele parou antes de sair do recinto, me olhou, deu uma piscada com o olho esquerdo e continuou seu caminho.
“O que está acontecendo aqui?”, pensei.
De volta à frente da estalagem, Rogi estava nos esperando, encostado na parede, de braços cruzados.
— Estão todos prontos? Muito bem, me sigam, por favor.
Ele nos guiou por caminhos intrincados de pontes suspensas e passarelas que passavam perto dos topos das árvores. Menos de dez espaços de tempo depois, ao olhar para baixo senti uma tontura forte, seguida de uma pontada na cabeça. Parei para me apoiar em um corrimão ao lado da passarela em que estava. Seria vertigem de altura ou a febre do continente? Talvez Jouci não estivesse se preocupando a toa. Ela estava atrás de mim e percebeu que parei com a mão na testa e ofegante.
— Demorou mais do que o normal. Por você ser mais forte que a maioria de nosso povo, sua resistência evitou a febre do continente por um tempo. Passe essa pomada na testa antes de dormir, em alguns dias seu corpo irá se acostumar — Jouci me entregou um pequeno pote verde. Nossas mãos tocaram quando peguei a pomada.
“Por que eu estou prestando atenção nesse tipo de coisa?”, pensei.
— Obrigado. Por enquanto foi só uma tontura forte, já recuperei o controle das minhas pernas — devolvi um sorriso fraco.
— Não se esforce demais. Tem vários dias que não paramos de caminhar. Por um lado é bom saber que mesmo o grande Escolhido sofre dos mesmos problemas que nós, reles mortais.
Olhei para Baru com uma cara azeda quando ele falou isso. Percebendo minha irritação, ele me deu uma segunda piscada com o olho esquerdo e passou por mim, ficando imediatamente atrás de Rogi, que havia parado para nos esperar.
Continuamos nossa procissão por cerca de um ciclo inteiro quando a parte central da cidade ficou visível.
Era uma versão dezenas de vezes maior que a entrada da cidade. Com muito mais árvores, mais escadas e mais frutas luminosas. Como estava anoitecendo a iluminação por essas plantas estava mais evidente. Olhei para baixo novamente e me veio uma dúvida:
— Senhor Rogi. Desculpe minha falta de conhecimento, mas por que as casa dos elfos ficam no topo das árvores, e não no chão?
— Consigo pensar em pelo menos uns dez motivos. A resposta curta é que nossos ancestrais construíram as primeiras residências nas árvores para evitar predadores. Como todos sabem, algumas bestas de mana são muito problemáticas de se lidar, e a maioria é terrestre. Outro motivo é por respeito. As raízes das árvores são muito importantes para nós. Evitamos causar qualquer dano às raízes ficando simplesmente o mais longe o possível.
Continuamos seguindo nosso guia até que avistamos, no centro de tudo, uma estrutura magnífica, que identifiquei como sendo a morada de nosso anfitrião, o rei dos elfos. A construção havia sido feita em volta de uma árvore não muito alta, mas de tronco com espessura de centenas de metros. Apenas esta árvore poderia suportar tal estrutura.
Ao chegarmos próximos a entrada, dois guardas estavam a postos, com arcos nas costas e lanças nas mãos. O mais alto deles deu um passo à frente e perguntou:
— Olá Rogi, esses são os mensageiros dos nossos primos do sul? Que pele engraçada. Nunca fui muito fã de azul… — O guarda tentou tocar a bochecha de Jouci com o dedo indicador.
Centímetros antes de tocá-la, segurei seu pulso e falei:
— Não somos animais empalhados, para você ficar colocando as mãos, primo — coloquei muita ênfase na palavra “primo”. Meu olhar era duro e meu cenho estava franzido. — Por favor, libere a passagem. O rei nos aguarda.
— Você ouviu ele, Deuquin, libere logo a passagem. Se não percebeu ainda, este que segura seu pulso é o “Escolhido pela mana” dos nossos primos azulados. Eu não ficaria no caminho dele se fosse você — advertiu Rogi.
— Tudo bem, tudo bem. Desculpem meus péssimos modos, eu só estava curioso. Nossa, que pele fria, Escolhido!
— Me chame de Thermon.
O soltei, mas em momento algum deixei de olhar nos olhos do guarda. Pela minha visão periférica deu para perceber que o outro guarda estava tenso com a cena. Em parte era engraçado.
Meus dois companheiros de viagem não disseram uma palavra sequer desde que Deuqui nos parou. Quando olhei para eles era perceptível o quanto ambos estavam irritados com o guarda engraçadinho. Será que é da cultura dos elfos saírem tocando seus visitantes sem consentimento?
— Deuquin, volte ao seu posto, eu continuo daqui. Senhores mensageiros, me sigam — Rogi tomou a liderança do grupo novamente. O guarda enxerido deu meia volta e ficou ao lado da entrada, cabisbaixo.
A ponte da entrada era enfeitada com flores de vários tipos, que nasciam diretamente dos cipós que sustentavam as tábuas. A porta dupla da entrada tinha o dobro da minha altura e estava aberta. Dentro estava iluminado com mais frutas luminosas, que nasciam diretamente das paredes e teto.
Continuamos em direção a entrada e uma voz alta e retumbante chegou aos meus ouvidos. Elfos gostam desse tipo de aparição, pelo visto.
— Mensageiros de Tomoga, sejam bem vindos!
Ainda não vimos quem era o dono dessa voz. Era tão grave que tremia as tábuas da ponte a cada palavra dita.
Olhei para Rogi, aguardando algum tipo de instrução, mas ele já estava ajoelhado. Olhei para cima da porta e lá existia um tipo de sacada, onde um elfo alto, vestido com manto cor de musgo e uma elmo que deixava apenas sua boca e olhos à mostra. No topo do elmo saiam penas enormes que desciam pelas suas costas.
Assumi que aquele era o rei, então também me ajoelhei. Jouci e Baru fizeram o mesmo.
— Levantem-se, primos. O jantar está pronto — falou a voz imponente.
Quando olhei novamente ele não estava mais lá. Rogi percebeu meu espanto.
— Por favor, sigam por esta porta, criados te guiarão até a sala de jantar. Nós nos separamos aqui.
— Obrigado, senhor Rogi. Nos vemos quando voltarmos, está bem?
Ele acenou positivamente e deu meia volta. Eu e meu grupo continuamos nosso caminho.
Ao andar apenas alguns poucos passos após a porta, uma elfa de meia idade apareceu, fez uma reverência, e pediu nossas malas para guardar em um cômodo perto da entrada. A seguimos depois que ela guardou nossos pertences.
Subimos uma escada em espiral no final do corredor de entrada. Passamos por mais alguns guardas no segundo andar. Mais ao fundo era visível a entrada de uma sala muito iluminada, com uma mesa longa, lotada de alimentos diversos.
Ao nos aproximar percebemos o tipo de comida que tinha neste banquete: vegetais. Plantas de todos os tipos, tamanhos, cheiros e modos de preparo. Isso me surpreendeu. Eu não estava esperando um jantar no final da minha jornada, mas, se fosse me banquetear, não queria vegetais. Muito raramente comemos plantas no polo sul, pois nada desse tipo nasce por lá. Somos quase exclusivamente carnívoros.
Na outra ponta da mesa, a mais de dez metros de nós, estava sentado nosso anfitrião. O homem parecia muito alegre.
— Sentem-se, mensageiros. Vamos conversar! Não tenham vergonha, aproveitem esse delicioso banquete!
Fiz uma pequena reverência, me endireitei e falei:
— Olá senhor Altimanus, meu nome é Thermon. Sou o escolhid-
— Eu sei quem você é, meu garoto. Dá para sentir sua aura poderosa a centenas de metros daqui.
— Então o senhor consegue sentir mana? Impressionante! Nem eu tenho essa habilidade.
— É uma benção, mas às vezes é apenas irritante. Quando estou dormindo, se alguém usa mana ao redor do meu palácio ou alguém muito forte está por perto, eu acabo acordando… Não sei se consegue perceber, mas tenho olheiras enormes.
Pelo elmo dele dava para ver olhos fundos de cansaço. Isso deve ser realmente irritante.
A criada que nos guiou até aqui ficou ao lado da parede, como um móvel. Eu e meus colegas nos sentamos à mesa.
O rei retirou seu elmo e revelou cabelos grisalhos, menos brancos que os meus. Suas feições eram elegantes, porém antigas. Eu não sabia se o tempo de vida dos elfos era igual ao nosso. Se fosse, diria que ele tem em torno de 200 verões.
Altimanus, quando percebeu que eu estava prestando muita atenção nele, falou:
— Ah, este elmo velho? É a minha coroa. O “símbolo do poder dos elfos”. Me obrigam a usar esse treco sempre que estou em público. Odeio isso, fede muito.
Não pude conter o riso depois deste comentário.
Após começar a comer, o rei percebeu que nós não havíamos tocado na comida.
— Não estão com fome? É sério, podem comer sem vergonha alguma!
— Senhor Altimanus, não queremos fazer nenhum tipo de desfeita, mas nós, elfos-de-gelo, somos carnívoros. Nem sei se nossos corpos conseguem retirar nutrientes de plantas. A verdade é que a única vez que comi algo parecido com um vegetal foi nesta viagem, quando estava com enjoo.
Neste momento nosso anfitrião deu um tapa em sua testa com tanta força que assustamos.
— Como eu poderia ter me esquecido. Tomoga havia me dito isso no passado. Mil perdões, é que não nos alimentamos de animais. Mas temos queijos. Umas aldeias ao norte daqui cuidam de cabras para usar o leite. Eu gosto bastante.
— Então aceitaremos, com muito prazer.
Depois de comermos um pouco de queijo, aguardamos o rei terminar seu banquete. Não demorou muito.
— Me perdoem por não poderem se alimentar corretamente aqui. Eu teria pedido para meus criados pescarem alguns peixes se tivesse lembrado que vocês são carnívoros.
— Estamos bem, senhor. Temos bastante provisões estocadas em nossa bagagem.
— Lino! — Um guarda saiu de uma porta, às costas do rei.
— Milorde!
— Mande os criados pescarem alguns peixes para o café da manhã dos nossos convidados. Garanta que esteja bem preparado!
— Como desejar, milorde! — E o guarda se retirou.
— Vamos aos negócios. Posso ver a carta de Tomoga?
Entreguei o envelope selado, que sempre trazia comigo, nas mãos do rei. Percebi que quando me aproximava aconteciam alguns movimentos nas sombras, atrás de pilares. Obviamente os guardas não deixariam o rei sozinho com mensageiros estranhos. Ignorei e me sentei a duas cadeiras de distância do rei. Meus companheiros continuavam em seus assentos, calados.
— Vamos ver o que meu velho amigo tem para mim… — Ele gastou bastante tempo lendo. Releu uma vez. Franziu a testa. Pigarreou. — As notícias voam, não é mesmo?
Assenti. O rei continuou
— As informações de nossa humilhante derrota chegaram até o polo sul com tanta rapidez… Vocês vivem afastados, mas sabem das coisas, hein!? Não dividirei os detalhes da carta, pois contém informações pessoais. Espero que entendam.
— Certamente, alteza!
— Pois bem, seu líder pediu para que eu lhe falasse os motivos da mobilização dos meus magos até o território humano, Thermon. Eu sei como vocês, primos gelados, prezam pela vida inteligente, mas entenda, sacrifícios precisam ser feitos pelo progresso!
— Por favor me diga o motivo de ter mobilizado mais de mil magos para atacar os humanos. Foi algum tipo de retaliação ou algum plano maior?
— Novamente os detalhes não posso dar, pois é um segredo de estado. O que posso dizer é que tem a ver com o escolhido dos humanos, Alvo. Precisávamos lidar com ele. Infelizmente nosso plano não deu certo em sua totalidade…
Obviamente eu não concordava com o que ele falava sobre progresso e sacrifícios. Eu estava em um território de cultura totalmente diferente e não poderia intervir diretamente. No momento eu era apenas um mensageiro. Precisava manter meus pensamentos para mim, mas estava ficando difícil…
Tentei tirar o máximo de informações que pudesse.
— “Em sua totalidade”? Quer dizer que parte do seu plano correu bem?
— Certamente.
— Ainda assim, tanta morte… — Ok, não aguentei. Minha indignação estava transbordando em minha expressão.
— Prezamos muito por nosso povo, Thermon. Enviar eles para esta emboscada não foi uma decisão fácil. Acredito que to-
— Um momento. “Emboscada”? Então deram motivos para os humanos colocarem um alvo em suas costas. Vocês não só atacaram primeiro, como sabiam que muitas vidas seriam perdidas! Esse era o pior cenário que eu poderia imaginar! — Me levantei bruscamente, com ambas as mãos apoiadas na mesa. — Atacar de frente um escolhido pela mana… Você sabe como isso é um tabu gigantesco!
— Acalme-se, garoto! — A pressão do ar aumentou e novamente percebi uma movimentação atrás dos pilares. O rei levantou o braço direito, como se fosse dar a largada em algum tipo de corrida. — Por mais que eu respeite Tomoga, quero que se lembre onde está e com quem fala.
— Sei bem com quem falo e também sei que o resultado de suas ações causaram um genocídio sem precedentes. Tomoga me deu total liberdade de como lidar com este assunto. Não tenho medo de seus guardinhas escondidos nas sombras. Eu consigo lidar com eles antes de você abaixar seu braço.
Do canto de seu olho, o rei percebeu que centenas de pontos de água estavam se aglutinando pela sala, como gotas de chuva paradas no ar. Toda água do recinto estava sendo usada para esta magia. Ficou frio com a retirada repentina de umidade do ar. Antes que alguma flecha ou feitiço fosse lançado contra mim, ou meus companheiros, eu poderia lidar com qualquer um destes guardas.
— Entenda onde está e com quem fala, senhor Altimanus!
Todos estavam tensos. O rei continuou com o braço levantado, com uma expressão de seriedade profunda.
Para evitar um incidente diplomático mais complicado, desfiz minha técnica. Toda a água flutuante caiu e deixou o chão completamente encharcado. Dei uma profunda bufada, para aliviar o estresse que sentia.
Sentei novamente na mesa e disse:
— Não entenda errado, Alti. Não quero causar problemas para meu povo, por isso desfiz minha magia. Apenas me confirme uma coisa: valeu a pena o que conquistou com essa chacina?
O rei elfo abaixou o braço devagar, informando aos seus protetores que não precisavam intervir no momento.
— Não ache que esse desrespeito ficará impune, moleque! Não preciso te dizer nad-
— Minha visita, como acredito que esteja descrito na carta que acabou de ler, é para entender se devemos ou não ficar ao lado dos elfos, sendo uma força a mais em sua disputa, se fosse legítima. Você quer mesmo mais um escolhido contra você, Alti? Acredito que a centenas de anos sua raça não dá a luz a um escolhido. É por isso que atacaram os humanos, por inveja?
Altimanus engoliu em seco. Toquei em um assunto sensível para os elfos.
O que falei era sobre uma história muito antiga, que meu avô contava ao meu pai. Os elfos, nossos primos, não tem um escolhido da mana a gerações. O que mantém sua relevância entre Os Cinco é esta floresta imponente, que apenas eles sabem como navegar.
— Basta, Thermon! Você foi longe demais com suas palavras. Em respeito ao Tomoga deixarei que passe a noite no meu palácio, mas quero que parta ao amanhecer!
— Não será necessário, iremos ago-
— SENHOR ALTIMANUS, MENSAGEM URGENTE DE NOSSOS BATEDORES DO NORTE DA FLORESTA!
Fui interrompido por um guarda que passou pela mesma porta que entrei.
— O que é, guarda? Não vê que estou ocupado!?
— É o Escolhido dos humanos, Alvo, meu senhor! Ele está na floresta!
Todos se entreolharam, com visível espanto com a notícia.
— A mensagem fala mais alguma coisa? — Perguntei.
— Sim, diz que ele adentrou na floresta e criou um acampamento. A mensagem informa que se o senhor Altimanus não for até a presença do escolhido humano em menos de dez dias, ele queimará toda a floresta! Ele também tem reféns! O mensageiro levou dois dias para chegar.
— Temos uma semana antes de algo catastrófico acontecer, é isso? — Altimanus falou se levantando da mesa, ignorando minha presença. Também levantei.
O rei estava com a mão direita no queixo, de costas para mim, pensativo.
Dessa vez os guardas escondidos não esperaram aviso, apenas avançaram em mim e nos meus companheiros. Todos estávamos preparando magias ofensivas uns contra os outros.
— CHEGA DESSE JOGUINHO IRRITANTE! — Gritou o rei. Todos, inclusive eu, paramos. — Guardas, levem nossos convidados até seus aposentos. Os tratem como se estivessem cuidando de mim. Preciso pensar. Thermon, descanse, por favor. De manhã te chamarei para uma conversa. Agora vão!
Fiquei atônito. Então era esse o efeito que o nome “Alvo” tinha no rei. Era como se fosse o ponto fraco de Altimanus. Concordei com ele, pois entendi que ele precisaria de mim nesta situação.
— Tudo bem, senhor! Amanhã conversamos.
“Proteja a floresta. Ela é mais consciente do que você jamais será!”
Deus Verde
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