Capítulo 08 - Velha amiga
ALVO PRIMEIRO
Aguardei os dias restantes para que Listro voltasse, mas sem sinal dela. Nesse meio tempo o rei não me convocou, pois não tínhamos novos assuntos a tratar.
Na manhã do vigésimo primeiro dia, após a partida de minha amiga de infância, a caravana que iria seguir comigo até as terras élficas estava a postos fora da cidade. Cem carruagens estavam em campo aberto, prontas para levar meus soldados em nossa longa jornada.
— Onde você se meteu, Listro? — Falei sozinho enquanto encarava o horizonte, em direção ao sul.
— General, o senhor tem visita! — Disse ao se aproximar Ápovus Segundo, o comandante de regimento, que escolhi como vice-comandante desta incursão.
Olhei para trás, e percebi um grupo vários guerreiros, trajados com armaduras pesadas, se aproximava. Diferente de meus subordinados, suas armaduras eram mais resistentes, brilhosas e enfeitadas. As couraças metálicas, que os protegiam, eram dois tons mais escuros que o prateado padrão, que eu mesmo usava. Pelo o que me lembro, são armaduras dos guardas dos feudos. Isso me lembra da…
— Senhor Feudal Henco nos enviou, General Alvo. Somos parte da guarda pessoal dela. Senhorita Henco gostaria que nos juntássemos ao seu grupo de ataque a floresta élfica! — A pessoa que falou por trás do elmo parecia ser o líder deles. Pela voz era bem jovem.
— Vocês têm seu próprio meio de transporte?
— Sim, senhor! Temos cinco carruagens.
— Qual o seu nome, soldado?
— Hendi Pleno, senhor!
— Hen… Você é parente de Henco?
— Sou primo de segundo grau dela, senhor!
— Você sabe que esta é uma missão de risco extremo, e que podemos não voltar, certo?
— Estamos cientes, senhor!
— Henco enviou mais alguma mensagem?
— Claro, senhor — ele pegou um pergaminho que estava enrolado em sua cintura, desenrolou e leu em voz alta. — “Senhor Alvo Primeiro, salvador de Porto-Norte, venho por meio deste agradecer por seus serviços” — claro, indiretamente salvei sua vida. Faz sentido ela se sentir agradecida. — “Entrego sob seu comando estes cinquenta nobres guerreiros. Confie neles com sua própria vida. Aceite-os como um presente por nossa grande amizade” — Que falsidade. — “Aguardamos seu retorno, Henco Pleno”.
— Depois deste belo apelo não posso negar, não é mesmo? Tudo bem, vocês podem nos seguir! Confiarei nossa retaguarda a vocês. Viajaremos em formação de “ponta de flecha”, de cinco em cinco carruagens. Cada “flecha” dessas estará enfileirada, com apenas quinze metros de distância uma da outra. Partiremos após o almoço. Acha que conseguem nos acompanhar?
— Certamente, senhor!
Então Hendi e seus companheiros deram meia volta e saíram de vista.
— Ápovus, não nos conhecemos tão bem, mas espero muito de você. Confio que não me arrependerei em tê-lo como meu vice-comandante.
— Farei o possível para atender às suas expectativas, general — ficou em posição de sentido.
— Daqui para frente não precisa ser tão rígido quando falar comigo. Garanta o pulso firme com os nossos subordinados e já estará de bom tamanho.
— Entendido, general!
— Me chame apenas de Alvo — virei-me novamente em direção ao acampamento, que estava trezentos metros de distância da minha posição. — Como está o moral deles? Alta?
— Muito alta! Todos perderam amigos ou familiares no ataque, e estão motivados em atacar os elfos. Todos são voluntários nesta missão. Na verdade, tivemos que negar muitos soldados competentes que queriam participar, pois já havíamos ultrapassado a quantidade de soldados que o senhor solicitou.
— Perfeito. Partiremos após o almoço. Deixe tudo pronto para nossa partida!
— Entendido!
Fui em direção a cidade, com um sentimento de nostalgia pesando em meu peito. Porto-norte não era minha cidade natal. Quando descobriram que eu era um escolhido, fizeram o possível para minha família mudar para cá. Foi aqui que conheci Listro e sua mãe, Rubía.
Com essa lembrança em mente fui em direção a da casa de Listro, na borda da periferia da cidade. Perto do distrito comercial.
No caminho muitas pessoas paravam ao ver. Dessa vez eu estava mais imponente que o de costume, pois trajava minha armadura completa e uma espada curta em minha cintura. Talvez por isso ninguém veio em minha direção para me agradecer ou pedir autógrafos. Isso estava acontecendo com bastante frequência desde o ataque da Rosa dos ventos. Dois dias atrás uma mulher, bastante voluptuosa, pediu para eu autografar suas roupas de baixo, enquanto ela ainda usava… Pelos deuses, tinham crianças em volta! Apenas dispensei a maluca.
Quando cheguei na frente da casa de Listro, senti mais uma onda de nostalgia. Lembrei de quando brincava de rodar pião ou de esconde-esconde, com ela e seus amiguinhos. Eu era muito bom em me esconder, mas péssimo com os brinquedos que exigiam mais habilidades manuais.
A casa simples, pintada de branco, estava fechada, mas eu sabia que tinha alguém dentro. Minha habilidade de sentir mana era bem útil nesses casos.
Me aproximei da porta de madeira, bati três vezes, e falei bem alto:
— Tia Rubía, tem biscoitos de trigo? Estou com fome!
Não demorou e a porta de madeira abriu com força.
— Alvo? Moleque travesso, você me assustou! Mesmo depois de tanto tempo você continua atrevido, pedindo comida como se eu fosse sua mãe!
— Rubía, você sabe como eu amava seus biscoitos. Só estava lembrando dos velhos tempos…
Dei um sorriso fraco e a abracei. Acredito que não tenha sido muito confortável para ela, por causa da minha armadura de metal.
Ela tinha quarenta e nove primaveras, mas não aparentava. Pouquíssimos fios de seus cabelos estavam brancos, mais pelo estresse do que pela idade. Seu penteado era um coque feito às pressas. Não parecia que havia se arrumado esta manhã, pois ela usava roupas bem largas, como pijamas confortáveis. Sua expressão me lembrava as de Listro, só que mais sérias. Estava nítido pelos olhos vermelhos que ela havia chorado há pouco tempo.
— Listro falou sobre a última missão dela para você, Rubía?
— Sim. Ela disse também que talvez não voltaria… Aquela menina sapeca — ela me abraçou, enquanto chorava e soluçava. — Minha menina sapeca! Onde ela está, Alvo? Não posso ficar sem minha Listro!
Eu não poderia imaginar o quão triste Rubía se sentia. Apenas o pensamento de perder Listro me deixava tonto. Para sua mãe seria milhares de vezes pior.
Ela chorou mais um pouco e me soltou devagar. Percebi que ela carregava um lenço nas mãos, que usou para limpar lágrimas que desciam por suas bochechas.
Quando ela se acalmou um pouco, falei:
— Não gosto de fazer promessas que não sei se consigo cumprir, mas prometo que procurarei sua filha. Estou indo em direção a floresta dos elfos. Espero encontrar ela lá.
— Isso me deixa um pouco mais aliviada, Alvo. Se ela ainda está viva, sei que você consegue trazê-la para casa. Todos estão falando que você está indo até lá matar todos eles, é verdade?
— Apenas rumores de pessoas desocupadas. Obviamente não estou indo em missão de paz, mas matar a todos não é meu objetivo.
— E qual seria?
— Vou dar uma chance para o rei dos orelhudos se explicar. Claro que, não importa o que ele diga, alguém pagará pelas mortes causadas aqui na cidade. O mínimo que exigirei dos elfos é a cabeça de seu rei. Caso eles neguem, estarei pronto para liquidar os que me enfrentarem.
— Tenha cuidado, menino. Podemos ter perdido o contato, mas eu ainda vejo aquele garoto alegre e brincalhão em seus olhos. Não deixe que os problemas desse mundo te levem para um caminho que não pode voltar.
— Infelizmente acho que já não tenho mais como voltar…
Dei um beijo na testa de Rubía e me afastei, pronto para ir embora.
— Onde pensa que vai? Nem pense em sair desse jeito, garoto! Volte aqui e tome um chá comigo.
Mesmo um escolhido não pode vencer todas as batalhas. Tive que aceitar o convite.
Após passar um raio do dia com minha velha amiga, me despedi e fui em direção ao batalhão provisório, onde as forças de proteção estavam instaladas desde o ataque.
Na entrada havia uma pequena comoção. Várias pessoas estavam amontoadas na frente, provavelmente esperando alguém.
— Ah, a pessoa que estávamos procurando. General Alvo, pode nos explicar o que está acontecendo? O que são aquelas centenas de soldados fora da cidade?
— Desculpe, não estou lembrando seu nome. É Fa… “Fa” alguma coisa, não?
Eu realmente não lembrava o nome correto do homem que tinha falado comigo. A única coisa que eu lembrava com certeza era sua posição. Ele era o atual prefeito de Porto-norte.
— Fanum, general, meu nome é Fanum! E poderia responder às minhas perguntas?
— Ah, aquilo? É apenas um exercício de treinamento, que faremos na fronteira das terras humanas. Não precisam se preocupar!
— Não pense que somos idiotas, Alvo. Está óbvio que estão se preparando para atacar os elfos.
— Desculpe o linguajar, mas se está tão óbvio, por que perguntou?
— Sem gracinhas com um assunto sério! Você quer mais retaliações por parte dos orelhudos? Todos sabem que você não perderia para eles, mas e como fica o restante de nós? Até você nos salvar, grande parte de seu povo poderá estar morto. Não ataque eles descuidadamente!
— Não se preocupe, Fanum. Não pretendo deixar pontas soltas. Só voltarei após garantir que este assunto com os elfos esteja acabado.
— E para isso está disposto a matar mais centenas de valiosos soldados?
Respirei fundo, para não faltar com a razão. Após me acalmar, perguntei:
— Sua lealdade é a quem, homenzinho?
Fanum era bem mais baixo que eu, e muito magro. Acredito que seja muito inteligente, para compensar a falta de habilidades físicas evidentes. Chamá-lo de homenzinho lhe coube bem.
— Ao rei e aos humanos, brutamontes!
— Perfeito então! Foi o rei quem autorizou este movimento militar. Se não aceita uma ordem do próprio rei, só mostra como sua lealdade é fraca.
O jovem prefeito ficou sem jeito. Aquela batalha eu havia vencido. Talvez eu tivesse um pouco de jeito para a política, afinal de contas.
— Se nosso rei é quem autorizou, nada posso fazer… Ao menos prometa que não vai agir como se seu coração estivesse no lugar da cabeça. Lembre que a vida de milhares depende de suas ações!
— Todas as noites, antes de dormir, me forço a lembrar disso, Fano. Agora, se me derem licença, preciso organizar minhas provisões para a longa viagem que farei.
Fanum ficou visivelmente irritado por ter errado seu nome propositalmente.
Eu não poderia culpá-lo por se preocupar. Tivemos perdas significativas durante este último mês, e estávamos seguindo com mais de mil soldados para o território inimigo.
Passei pela pequena multidão que acompanhava o atual prefeito. Todos me olhavam, enfurecidos.
— Alvo, no final da tarde de hoje estaremos na borda mais ao norte da floresta dos Elfos — Ápovus cavalgava ao meu lado direito, em seu alazão branco. Estávamos viajando especialmente rápido hoje.
— Ótimo. Avise a todos que faremos um acampamento na parte interna da floresta, assim que chegarmos.
— Senhor, tem certeza? Os elfos poderão nos atacar sem que possamos revidar!
— Em condições normais você estaria certo, mas minha presença vai inibir ataques surpresa.
— Tem certeza disso, general?
— Sim. E não estaremos totalmente indefesos no acampamento. Confie em mim!
Ele fez uma breve pausa e respondeu:
— Sim, senhor!
O restante da viagem correu relativamente bem, mesmo com o caminho não tendo estradas. Nossas carroças eram muito resistentes. Algum pedaço que era mais complicado para os cavalos passarem, eram corrigidos com magia elemental de terra, conjuradas por vários soldados.
Assim que alcançamos a borda da floresta, parei e desci da minha égua, que parecia exausta. Ela era marrom escuro e estava bem mais magra do que no dia em que partimos.
— Não se preocupe, garota. Não exigirei tanto de você na volta. Doze dias cavalgando, quase sem descanso, acredito que não tenha sido nada fácil!
O restante da minha caravana foi estacionando, logo atrás de mim.
— Ápovus, quero em minha presença cem magos elementais que controlem energia ou combustão.
— Atenção, tenentes! Apresentem magos elementais de energia e combustão. Precisamos de cem! — Meu vice-comandante virou para o comboio que ainda não havia terminado de chegar e deu as ordens.
Não precisei esperar muito. Dava pra ver nos olhos de cada um a animação com o que estava por vir.
Comecei a dar as instruções, enquanto andava a frente dos magos:
— Senhores, formem um cordão. Todos lado a lado. Fiquem apenas três passos de distância uns dos outros!
Assim fizeram.
— Ótimo! Ao meu comando, queimaremos todas as árvores que estiverem em nosso caminho. Vamos abrir uma lareira quilométrica a partir desse ponto, terá o formato de um círculo. Vice-comandante — me virei para Ápovus. — Prepare o restante dos magos elementais. Eu não queria ser tão misericordioso com a floresta, mas, por enquanto, não deixe que o fogo se alastre para além do alcance do cordão de magos que estou comandando.
— Sim, senhor! — Então ele começou a gritar ordens aos outros magos.
— Para aqueles que estão no cordão, farei uma demarcação. Não derrubem árvores além do que eu delimitar — esperei que todos estivessem cientes. — Muito bem, COMECEM!
Magias brilhantes, e extremamente quentes, acertaram as bases das árvores. Nesse ponto da floresta elas não eram tão altas, e raramente passavam de trinta metros.
Árvore após árvore caiu, em brasas.
Ativei minha aura e entrei na floresta. Parei onde acreditava ser um bom ponto para iniciar a demarcação, me voltei para onde estavam meus soldados, e comecei a derrubar árvores com as mãos como se fossem facas quentes cortando manteiga.
Cada movimento de meu braço e duas árvores tombavam por vez.
Tudo aconteceu mais rápido e coordenado do que imaginei. Quando o sol estava terminando de se pôr, havíamos derrubado todas as árvores no semicírculo estabelecido por mim.
— Hoje dormiremos na parte de fora da floresta, amanhã terminaremos com a clareira.
— Senhor, acha que os elfos perceberam nossa chega-
Levantei o dedo, silenciando meu vice-comandante.
— Sim, Ápovus, eles perceberam — virei-me, enquanto falava em alto e bom tom — Olá, amigos da floresta, vejo que receberam nosso recado. Sabem quem sou eu, correto?
Não houve resposta. Parecia que eu estava falando com as árvores que ainda estavam em pé na parte mais interna da floresta.
— Não finjam que não sabem nada sobre mim. Sei que tem vinte e quatro elfos espalhados pelas árvores à minha frente. Caso nenhum de vocês se apresente imediatamente, caçarei cada um pela floresta… Quantos dos mil e quinhentos que me atacaram, conseguiram fugir? — Fiz uma pausa. — Isso mesmo, nenhum!
Passaram cinco segundos e ativei minha aura. Nenhum deles se mexeu de suas posições. O clima estava tenso entre os humanos atrás de mim. Todos se preparavam para o pior.
— Espere, eu falo por este grupo de elfos!
Entre eu e a floresta apareceu um elfo de meia idade, vestido com roupas verde-musgo. Ele estava completamente abalado e ofegante.
— Olá, senhor. Poderia me dizer seu nome?
— É Senú. Senú Protetor, senhor — ajoelhou o idoso, provavelmente tentando me agradar. Conseguiu.
— Senhor Senú, chame os outros vinte e três sob seu comando. Preciso que entreguem uma mensagem ao seu rei. Não se preocupe, por enquanto, ninguém será ferido.
Ele hesitou, ficou de pé, se virou e deu um assobio longo. Alguns momentos depois todos os elfos estavam diante de mim. Nenhum me olhava nos olhos.
— Ápovus, pegue as correntes com cristais de mana. Vamos prender todos.
— Mas senhor, não precisa que entreguemos uma mensag-
— Apenas um de vocês será o bastante, os outros serão meus reféns, para garantir nossa estadia na floresta. Todos serão bem alimentados e não serão torturados. Tem a minha palavra! — Interrompi Senú, que não protestou mais.
Após todos os elfos estarem devidamente presos, enfileiramos eles, lado a lado, e perguntei:
— Qual de vocês é o mais rápido?
— Eu senhor! — Disse um elfo pequeno e franzino, que usava um rabo de cavalo loiro e longo. Ele respondeu tão rápido que quase assustei.
— Ótimo. Vá até seu rei e diga que solicito sua presença nesta clareira em até dez dias. Queimaremos toda a floresta se ele não cumprir este prazo. Agora vá!
Um dos meus soldados o soltou e ele partiu, sem olhar para trás.
— Vamos nos preparar. A batalha acontecerá aqui!
No nono dia de espera, após nosso acampamento estar devidamente montado, acordei com um pressentimento ruim. Uma sensação de vazio que nunca experimentei…
Levantei rápido do meu saco de dormir e fui lavar o rosto fora da tenda.
Não se passaram mais que dois raios durante a manhã, quando senti uma onda de mana, vinda de dentro da floresta.
— Eles chegaram. COMO TREINAMOS!
Meus soldados ficaram a postos atrás de paredes de terra, dentro de pequenas trincheiras e atrás de barricadas, feitas com a madeira das árvores em volta. Todos estávamos rodeando os elfos que fazíamos de reféns.
Me direcionei a frente dos anéis defensivos que meus subordinados formavam.
— Algo está estranho. Nem mesmo durante o ataque dos mil e quinhentos eu senti tanta mana aglutinada em um só lugar… NÃO ATAQUEM ATÉ MEU SINAL. VAMOS VER O QUANTO ELES SE IMPORTAM COM OS REFÉNS.
A enxurrada de poder que se aproximava era, de certa maneira, assustadora. Mesmo meus soldados, que não conseguiam sentir mana, começaram a suar e tremer.
Estava tão atento à floresta e a mana que sentia, que não percebi que havia começado a chover.
Instantes se passaram e a aura poderosa estacionou, duzentos metros à minha frente, cerca de cem metros dentro da floresta.
Senti se aproximar um pequeno grupo com dois elfos. Ambos eram apenas soldados rasos. Andei em direção a eles, pois pareciam mensageiros. Parei a três metros de distância.
— Então, o seu rei resolveu aparecer?
— O senhor Altimanus deseja uma audiência com o escolhido dos humanos! — O soldado élfico a direita falou.
— Que coincidência, desejo o mesmo! Avise que estarei esperando ele no meio da clareira, onde não podem nos atacar tão facilmente. E diga para ele trazer seu bichinho de estimação junto.
O espanto de ambos era evidente.
— Senhor, o rei pede que vá até ele dentro da flores-
— Ele tem um ciclo para aparecer. Os reféns começarão a ser mortos, um a um, para cada ciclo que ele não se apresentar.
Ao terminar minha fala, com um movimento rápido, peguei o mensageiro da esquerda e coloquei meu braço esquerdo em volta de seu pescoço. Ele nem conseguiu reagir.
— Este aqui tomarei como refém como pagamento pela audácia de seu rei, ao exigir algo! Volte logo ou será meu próximo refém!
Mesmo espantado, o soldado voltou à floresta.
A água caia do céu cada vez mais forte. Ficava mais difícil se mover pela lama ou ver algo ao meu redor. Percebi que não era uma chuva comum.
Segurei o novo refém embaixo do meu braço esquerdo e dei um salto em direção aos meus soldados, ainda em posição defensiva.
— O ATAQUE DELES JÁ COMEÇOU! AQUELES QUE CONSEGUIREM SENTIR MANA, FIQUEM PERTO DAS PARTES EXTERNAS DE NOSSO CÍRCULO E INFORMEM CASO ALGO ESTRANHO ACONTEÇA! ÁPOVUS, MAIS UM REFÉM PARA VOCÊ.
Joguei o jovem elfo em direção ao meu vice-comandante que prontamente o segurou e o prendeu.
— ESSA CHUVA TODA FEDE A MANA!
Aguardei até a forte chuva diminuir. Como se tratava de uma chuva gerada com mana, em algum momento teria que acabar.
Dito e feito, não demorou até a precipitação rarear e se tornar um fraco chuvisco.
Na floresta senti a aura poderosa se dirigir em minha direção. Percebi que tinha mais alguém vindo.
Assim que ambos entraram na clareira ficou evidente quem estava causando a chuva torrencial, um elfo-de-gelo. Suas orelhas, menos pontudas que as dos elfos, e seus olhos negros, eram uma visão nova para mim. Isso tudo, de certa forma, era interessante.
Me aproximei. Quando estavam a cerca de vinte metros de mim, levantei a mão direita, sinalizando para que parassem. Eles obedeceram.
— Acredito que você seja Altimanus, o soberano dos elfos. O Elmo, com penas grandes é bem chamativo… E esse ao seu lado, um elfo-de-gelo, com quantidades absurdas de mana… Ouvi boatos sobre você, escolhido do sul. O que faz com esses orelhudos?
— Não tenho certeza ainda. Esse encontro com você me dará as informações necessárias para ter saber em que lado estou — cruzou os braços e olhou para o rei.
Altimanus pareceu completamente assustado com a fala de seu capanga. Olhou na direção dele com um olhar que misturava súplica e medo.
— Serei direto com você, senhor elfo-de-gelo. Caso me entregue a cabeça de Altimanus, de bom grado, vou garantir a segurança dos elfos na floresta e dos reféns. Deixarei o assunto por encerrado. Já matei elfos de mais. Mesmo eu não gosto de matar inocentes.
— Tentador… Mas se tem alguém que deve algo aqui, é você, humano! — O rei estava completamente furioso com a minha proposta. O escolhido ao seu lado apenas observava.
— Seja franco, rei, qual o motivo do primeiro ataque fracassado? Dê um motivo plausível para ter enviado tantos dos seus para a morte.
Eu estava ficando visivelmente irritado com cada palavra dita.
Continuei, já que ele não me respondia:
— O seu segundo ataque foi mais bem sucedido… Muitos inocentes morreram! Mas os seus mercenários foram capturados e torturados. Descobri depois que o mandante do ataque era o grande rei dos elfos!
— Espere… — Falou o elfo-de-gelo. — Segundo ataque? Do que ele está falando, Altimanus?
— Ele está tentando te enganar, Thermon. Não teve segundo ataque!
— Vocês sabem o que é o “juramento do deus azul”, correto? Um dos mercenários que nos atacou era uma humana. Tiramos tudo o que precisávamos dela. Thermon, não é? Seu amigo aí não aguentou a esmagadora derrota e contratou a Rosa-dos-ventos para atacar Porto-Norte. Quase mil inocentes mortos, sem chances de defesa. A única coisa que me deixa aliviado nisso tudo é que eles não tiveram tempo de sofrer com as explosões…
— Explique-se, Alti! – O escolhido, de nome Thermon, começou a ficar irritado com esta nova informação
Percebendo que estava em desvantagem o rei respirou fundo, arrumou seu manto, pigarreou e começou:
— Os humanos nos odeiam desde os tempos primordiais. Fazem o possível para nos rebaixar a simples animais! Queremos nos vingar por ataques que os humanos causaram há duzentos anos atrás… Te contaram isso nas suas aulas de história, Alvo? Seus antigos reis dizimaram milhares de minha espécie, enquanto buscavam expandir suas fronteiras. Eu era apenas um garoto quando tudo aconteceu. Perdi dois irmãos e meu pai. O tempo não cura feridas como estas… A dívida que vocês tem conosco é imensurável, estamos apenas tentando cobrá-la!
— Dívida histórica, é isso? Não é possível que essa seja a justificativa! — Thermon estava ainda mais irritado agora.
— O que os reis anteriores fizeram não é da minha conta! Matar seu próprio povo por uma vingança sem propósito… Você é um louco!
— Não cabe a você decidir isso, humano! — Altimanus se afastou dois passos de mim e de Thermon.
— O que vai ser, senhor Thermon? A cabeça dele ou carnificina?
— Não tão rápido, Alvo! — Falou o rei élfico. — Não é só você que tem reféns! GUARDAS, PODEM TRAZER! — Ele se virou para a floresta ao gritar.
Um pequeno grupo de guardas trazia alguém com um saco de pano sujo na cabeça. Suas roupas eram apenas um grande saco marrom, provavelmente usado anteriormente para guardar batatas. Os pés do refém arrastavam no chão enlameado, enquanto era trazido. O grupo parou dez metros atrás do rei.
— Se ainda quiser continuar com essas ameaças, creio que não poderei garantir a segurança dela!
— “Dela”? Quem poderia… Listro!?
Um choque passou pela minha mente ao lembrar da minha amiga desaparecida. O ódio que eu estava contendo ao falar com o rei dos elfos explodiu, e minha aura ativou inconscientemente.
— PEDIR SUA CABEÇA PARA FINALIZAR ESSA DESAVENÇA MOSTROU COMO EU ESTAVA SENDO MISERICORDIOSO… AGORA NÃO EXISTE ACORDO! EU DERRUBAREI ESTA FLORESTA ATÉ O ÚLTIMO GALHO SE NÃO LIBERTÁ-LA IMEDIATAMENTE! — Eu estava enfurecido como nunca antes. Minha aura respondeu as minhas emoções, e se expandiu com muita força, vibrando e queimando meus arredores.
— Acalme-se, Alvo, ou a refém não sobreviverá! — O rei disse isso com um sorriso no canto de sua boca. A pressão de meu poder fez o ar girar ao meu redor, como um redemoinho.
Concentrei toda minha mana em avançar até onde mantinham Listro como refém. Antes que alguém pudesse reagir, os seis guardas que estavam mantendo ela presa foram desmaiados por minhas mãos. Tudo aconteceu num piscar de olhos.
Após derrotar os guardas, olhei para o monarca dos elfos e disse:
— Você não entendeu a posição em que está, Altimanus! Sou eu quem dita as regras aqui!
Peguei Listro no colo. Dava para sentir que ela estava muito magra. Todos que viram a cena nada fizeram, tamanho o assombro com o que presenciaram.
Com outro salto voltei até o círculo em que meus homens estavam a postos. Entreguei Listro ao primeiro soldado que encontrei.
— Cuidem dela como se suas vidas dependessem disso, porque dependem!
Ao longe, Altimanus gritou:
— BASTA! Thermon, nos ajude a lidar com ele. Você viu do que ele é capaz! Se o deixarmos à solta, todas as raças estarão em perigo! — O desespero na voz dele era palpável.
Por mais que minha aura impedisse que eu sentisse frio ou calor, percebi que a temperatura ao redor caiu drasticamente.
— As outras raças ficarão bem. Vocês, elfos da floresta, que não terão futuro! — Apareci entre Thermon e o rei, pronto para matar ambos.
“Aqui será nosso campo de batalha. Não deixem nem mesmo um galho em pé!”
Alvo Primeiro
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