Capítulo 12 - Em Petras, faça como os Petranos
ALVO PRIMEIRO
Tive pressa ao me retirar da floresta dos elfos. Lá me sentia sendo observado por entre as árvores desde o momento em que cheguei.
Fiz nosso acampamento ser desmontado às pressas. Em menos de um ciclo estávamos fora das terras élficas.
Os machucados em meu corpo começaram a doer depois que a adrenalina da batalha foi diminuindo, tornando cada vez mais difícil ficar em pé sem ajuda de apoio.
Montei meu cavalo e segui à frente do comboio de soldados. Listro, minha amiga que acabara de ser resgatada, estava dormindo em uma das carroças, logo atrás de mim.
Percorremos algumas dezenas de quilômetros quando começou a escurecer. Pouca conversa aconteceu entre os soldados. Eles não sabiam o que pensar sobre os resultados dessa missão.
Uma parte dos meus comandados sabia que nosso objetivo foi alcançado, já outra parte estava irritada, já que não mataram um um elfo sequer. Não fazia diferença agora. Todos me seguiam quietos, aguardando novas ordens.
— Acampamos aqui por esta noite. Ápovus, organize sentinelas, como de costume! Vocês, na carruagem, montem minha barraca e coloquem Listro lá dentro. Menina, que está tentando curá-la desde que saímos, pode descansar! Pedirei a outros curandeiros para cuidarem dela daqui em diante.
A soldado que chamei atenção estava vidrada em Listro, com as mãos por cima de seu plexo solar, lançando constantemente algum tipo de magia de cura. Ela era bastante pequena para os padrões militares. Tinha um cabelo negro e liso, que mal chegava aos ombros. Seu rosto exalava cansaço, enquanto suava bastante. Fiquei realmente agradecido pela garota ter feito isso por tanto tempo.
Quando desci do cavalo senti o preço da luta que tive com Thermon sendo cobrado. Minhas pernas fraquejaram e quase tropecei para frente. Sem o apoio de minha montaria eu estaria de joelhos nesse momento.
Alguns soldados ao meu redor perceberam.
— General, o senhor precisa de tratamento urgente! Por favor, se sente aqui na carroça que o ajudaremos.
— Estou bem, garoto. Só preciso tomar um pouco de ar. Esses machucados são apenas arranhões… — Minha visão ficou turva ao tentar me manter em pé e minha pernas voltaram a fraquejar. — Ok, talvez um pouco de tratamento faça bem…
Dois outros soldados vieram até mim e começaram a usar magias de cura pelo meu corpo. As partes mais afetadas eram as pernas e os braços.
Não muito tempo depois, um deles falou:
— Senhor, se não tivéssemos tratado essas feridas teriam infeccionado. Está vendo essa cicatriz no seu braço? — Ele apontou para o meio do meu antebraço direito. — Um tendão estava completamente partido. Como o senhor estava conseguindo mexer a mão?
— Força de vontade? — A piada não fez efeito, o rapaz estava muito sério. — Está tudo certo agora, soldado. Já estou bem! Vá descansar e coma alguma coisa.
Ele respirou fundo, balançou a cabeça positivamente e partiu.
Fui até onde estavam preparando o sopão que seria o jantar de todos e pedi:
— Poderia levar dois pratos para minha tenda quando terminarem?
— Claro, general. Logo estará pronto!
— Obrigado.
Andei até minha tenda. Minha perna não falhava mais, mas senti meu corpo um pouco fraco.
Quando entrei no cômodo improvisado com panos e pedaços de madeira, vi dois soldados tentando cuidar da Listro. Um dos soldados era outra garota, que estava se levantando.
— Ah, senhor Alvo. Terminamos o tratamento preliminar. Não parece haver nenhum tipo de machucado no corpo de sua amiga. Ela está apenas dormindo.
— Agradeço pela atenção de ambos. Podem se retirar por enquanto. Caso algo aconteça, serão chamados.
— Sim senhor! — Falaram os dois enquanto ficavam em posição de sentido. Os dois saíram enfileirados.
Meu saco-de-dormir ficava no chão, sob uma base de palha, para não entrar em contato direto com o solo. Listro respirava devagar. Tirei a parte de cima de minha armadura, e pendurei em um pequeno gancho no meio da tenda.
Sentei diretamente no chão, ao lado da minha amiga.
Eu não sabia o que fazer. Queria acordá-la, e perguntar como estava. Queria perguntar como ela foi pega. Queria garantir que ela estivesse bem. Decidi não fazer nada. Dei tempo para que ela acordasse sozinha.
Me levantei para pedir algum saco de dormir extra aos meus subordinados. Quando a parte de baixo da armadura, que eu ainda usava, tocou uma na outra, fez um barulho metálico e alto.
Listro acordou assustada, com pânico no olhar.
Eu parecia tão assustado quanto ela, mas só fiquei parado, observando o que ela faria a seguir.
E nada.
Ela pareceu ter entendido a situação em que estava imediatamente, pois respirou fundo, deitou sua cabeça na cama improvisada, e perguntou:
— Por quanto tempo dormi?
— Não sei dizer. Quando te resgatei hoje mais cedo você já estava desmaiada.
— Lembro quando me tiraram da jaula e me desmaiaram. Então foi você quem veio… Devo admitir que perdi a esperança depois de alguns dias. Ainda mais depois que disse para me dar como morta. Onde estamos?
— Alguns quilômetros ao norte depois da floresta. Como está se sentindo? — Tentei parecer calmo, mas eu não estava.
— Meu corpo está leve e meus olhos pesados. O que aconteceu?
Contei brevemente sobre o que aconteceu até aquele instante.
— Espera, houve um segundo ataque à nossa capital…? Minha mãe! Alvo, como está minha mãe?
— Ela está bem. Perdemos centenas no ataque. Rubía estava muito longe das áreas afetadas. Infelizmente Pírio morreu no ataque.
Ela ficou em silêncio.
— Não precisa se preocupar. Vinguei a morte dele.
— Mas… Entendo. Tomara que ele não tenha sofrido… — Ela fez outra pausa e continuou. — Então, como a luta na floresta terminou?
— O rei elfo percebeu que não tinha mais esperanças contra mim e se deixou ser morto… Pelo menos este assunto acabou. Lidamos com os elfos. Não vinguei todos os mortos, mas pelo menos evitei mais mortes.
— Talvez você ainda tenha uma chance de se vingar apropriadamente…
— Como assim? O causador dos ataques está morto.
— Do primeiro ataque sim, não do segundo.
— O que descobriu enquanto estava com os elfos?
Ela sentou no saco-de-dormir com um pouco de dificuldade. Eu queria ajudar, mas antes que eu pudesse me aproximar ela já estava com as pernas cruzadas.
— O falecido rei tinha uma boca maior que as orelhas. Descobri, ao me infiltrar em seu palácio, que ele mantinha contato com alguém. Não faço ideia de quem era. O que eu descobri é que ele se comunicava por um artefato que parecia um espelho de mão. Ele falava com o espelho e o espelho respondia. Infelizmente nunca consegui entender nada que saia do espelho. Escutei exatamente duas conversas como essa.
— Como conseguiu chegar tão longe sem ser notada?
— Você menospreza minhas habilidades de disfarce, não é, Alvinho?
Se ela começou a me chamar assim, significava que estava melhorando.
— General, trouxe os pratos que solicitou! Posso entrar?
Uma voz masculina falava pela entrada da minha tenda.
— Entre.
Ele passou pelos panos que bloqueavam a entrada e me entregou os pratos com duas colheres pequenas de madeira. O estômago de Listro roncou muito alto quando ela sentiu o cheiro do ensopado.
— Soldado, acredito que vamos precisar de mais um prato para a dama, poderia trazer?
— Sem problemas, general!
Ele conseguiu evitar dar risadas, enquanto Listro enrubesceu, um pouco envergonhada. O rapaz saiu, nos dando privacidade novamente.
— Não como de verdade há vários dias. Desde que fui capturada só me deram um pequeno pedaço de pão e uma xícara de água por dia.
Só agora percebi o quão magra ela tinha ficado desde a última vez que eu a vi.
O mesmo rapaz trouxe o terceiro prato de ensopado e logo se retirou.
Ela comeu sem fazer cerimônia.
Esperei que ela terminasse os dois pratos para continuar perguntando qualquer coisa.
Quando terminei minha refeição ela já havia terminado a parte dela a bastante tempo.
— Está melhor agora, Li?
— Dê uma promoção ao cozinheiro. Nunca comi um ensopado tão delicioso!
Não pude deixar de rir.
Após alguns instantes retomei o assunto anterior:
— Das vezes que ouviu ele conversando com o espelho, sobre o que ele falou?
— Não parecia uma conversa, e sim um monólogo. Altimanus apenas concordava com a cabeça. Poucos momentos ele perguntava algo. Era como se estivesse falando com alguém superior a ele, o que não faz sentido, já que ele era um soberano entre os elfos.
— O que conseguiu decifrar desses monólogos?
Listro olhou para a direita com os olhos, vasculhando sua mente:
— Uma vez ele disse “Fiz tudo o que pediu” e na conversa seguinte falou “Enviou a rosa dos ventos para atacar Alvo?”. Essa segunda frase foi dita com espanto, como se não concordasse com o que o espelho dizia. Foi aí que ele me descobriu.
— Você foi descoberta por que ele falou meu nome?
— Ao que parece o falecido rei dos elfos tinha uma habilidade de sentir mana esplêndida. Muito mais sensível que a sua, Alvinho. No momento em que ele falou seu nome, por reflexo, deixei um pouco de mana cobrir minha pele. É algo que aprendi a fazer em momentos de tensão. É um costume proteger meu corpo de antemão. O problema é que dessa vez, ao invés de me proteger, entregou minha posição. Se não fosse essa habilidade assustadora de Altimanus, eu não teria sido pega. Nem mesmo você parece notar essas sutilezas com a mana.
— Como tem tanta certeza que eu não conseguiria fazer o mesmo?
— Eu acabei de cobrir minha pele com mana quatro vezes, e você nem reagiu… — Listro fez uma expressão de vitória. Fechou os olhos enquanto empinava o nariz.
— O que fizeram com você quando foi pega?
Mesmo após a piadinha de Listro, me mantive sério. Precisava saber que nada “ruim” ocorreu com ela, se é que me entendem…
— Felizmente só um pouco de espancamento, privação de luz do sol, alimentação quase inexistente… Ah, não me violentaram, se é com isso que está preocupado.
Senti um alívio imenso quando ela disse isso. Eu nem queria pensar na possibilidade, pois o que eu tinha mais medo que acontecesse. Listro continuou:
— Fico contente em saber que está aliviado, Alvo!
— Eu nem disse nada…
— Sua cara não mente. Não fique preocupado com essas coisas, Alvinho. Ainda estou me guardando pra você.
— Vejo que melhorou bastante, já que está brincando tanto… Continue, por favor. O que aconteceu depois?
Ela voltou ao seu tom sério.
— Me deixaram em uma cela escura, sem contato com ninguém durante o que pareceram cinco dias. Depois o próprio Altimanus veio até mim, com um tipo de poção. Me forçaram a bebê-la. Era uma poção que me fez falar a verdade. Foi assim que descobriram que eu tinha alguma relação com o grande escolhido dos humanos. Pensaram em me usar como moeda de troca, caso existisse algum problema com você no futuro. O lado bom é que os efeitos da poção não eram absolutos. Se me perguntassem algo que eu pudesse omitir, eu omitia.
— Como assim?
— Por exemplo, perguntaram qual a minha relação com você. Ao invés da poção me forçar a falar que eu era sua amiga de infância, sua futura esposa e coisas do tipo, eu podia dizer apenas: “O general Alvo é meu superior”. Mas não serviu de muita coisa. Depois de uns dois ciclos me fazendo perguntas já tinham tudo o que queriam, e voltaram a me manter em isolamento.
— Não te machucaram mais depois disso?
— Enquanto enclausurada, não. Só saí de lá para ser carregada até onde você me libertou. Não vi muito do caminho, pois colocaram um saco de pano na minha cabeça. Ah, esses farrapos que estou usando como roupas me deram quando fui capturada.
— Oh, me desculpe. Estava tão preocupado com sua saúde que esqueci que estava vestida desse jeito. Vou perguntar para se alguma garota pode emprestar uma muda de roupas. Você precisa tomar banho também. Pedirei que as magas elementais da água te deem um banho.
Listro não protestou. Ela estava realmente incomodada com o saco de batatas como roupa e os dias sem se limpar devidamente. Saí e preparei o que informei a ela.
Cerca de um ciclo depois ela voltou à tenda. Agora Listro estava limpa e vestindo roupas simples, camiseta cinza com mangas curtas e uma calça preta, cedidas por uma garota com um tamanho parecido com o dela.
— Ficou bem melhor assim, Li. Agora deite-se, partimos muito cedo, precisamos chegar logo à capital. Dormirei com os soldados, sob as estrelas. Pode ficar com a minha “cama”.
Ela estava de pé, ao lado do meu saco de dormir. Seus braços estavam à frente do corpo, com as mãos juntas. Listro não olhava em meus olhos.
— Então, Alvo… Poderia dormir comigo?
Quando estávamos a um dia de distância da capital, em nosso último acampamento noturno, solicitei a presença do líder dos guerreiros cedidos por Henco em minha tenda. Listro estava longe, conversando com alguns soldados.
— Olá, Hendi! O que achou da nossa missão semi-bem-sucedida? — Perguntei ao jovem guerreiro quando entrou.
— Serviu como uma boa experiência, general. O senhor Ápovus disse que o general queria me ver?
— Direto como sua prima… Sabe informar onde Henco está no momento?
— Ela encontra-se em nosso Feudo. Fica ao sul de Ferti-Pastos.
— Você me levaria até ela? Quero aproveitar sua comitiva como guia e conhecer sua terra-natal. A propósito, qual o nome que deram ao seu feudo mesmo?
— Pleno! Feudo de pleno!
— Ah, que original…
Hendi Pleno deu risadas.
— Minha família não é conhecida como a mais inteligente, mas somos justos! Acredito que o senhor entenderá quando conhecer o povo que lá vive.
— Estamos combinados então. Amanhã, quando seus guerreiros partirem para o Feudo de Pleno, seguirei com vocês.
— E seus soldados?
— Ápovus pode cuidar deles. Todos seguirão até a capital, normalmente.
— Combinado, general.
Após liberar o rapaz, se seguiu o jantar. Eu e Listro comemos junto com os soldados, e voltamos à minha tenda. Lá nos sentamos frente a frente, na minha cama no chão. Cruzei as pernas e comecei a falar:
— Li, amanhã partirei com os soldados de Henco. Preciso ter uma palavrinha com ela antes de voltar à capital.
— Tudo bem, irei com você.
— Em circunstâncias normais eu não me importaria, mas pense em sua mãe, Rubía. Ela estava tão preocupada…
Listro arregalou os olhos, provavelmente imaginando como sua mãe estava triste.
— Você está certo, como sempre… Ok, voltarei à capital! Só não demore muito com a “lambisgóia” da Henco!
— Li, você nem conhece ela, como pode dizer isso?
— É só um palpite. Coisa de mulher — ela cruzou os braços, com uma expressão séria.
— Tenho que admitir, Henco costuma ser odiosa quando o assunto sou eu, mas isso não importa agora… Espero ter uma conversa sincera com ela, já que será nosso novo rei.
— Uma mulher sendo rei… Por que não param com essa idiotice a chamam logo de rainha?
— Não faço regras, apenas as sigo. O que importa é que ela será nossa nova governante. Tenho que confirmar certos tópicos com Henco, de preferência longe do rei Grenford.
— Qual o motivo de querer ficar “sozinho” com ela, Alvo? Já a vi à distância, e é linda… Seria esse o motivo?
— Pare de brincadeiras, Li. Quero saber se toda a pompa que ela mantém quando está em público é a mesma quando está sozinha. Caso eu veja alguma fraqueza nela, posso intervir em sua “candidatura”.
— Acha que tem força política para tal?
— Não tenho certeza… Novamente, só quero confirmar algumas suspeitas. Percebi em meu contato com Altimanus que eu sabia muito pouco sobre o peso de ser um governante, e como é ter vidas inocentes nas mãos — fechei as mãos em punho, prestando atenção nas cicatrizes. — Controlar soldados é fácil. Eles fazem o que fazem sabendo dos riscos. Cidadãos comuns não têm essa escolha…. Um rei precisa estar à altura de quem governa. Vou confirmar se Henco está.
— Você é muito sábio em suas ações, Alvo. É difícil acreditar que foi o mesmo pirralho que cresceu comigo…
— Esse pirralho morreu quando se tornou um instrumento do estado.
Listro vestiu uma máscara de seriedade.
— Entendido, general! Tenha uma boa viagem.
Ela se levantou, de coluna ereta, tentando mostrar o máximo de modos que seriam possíveis enquanto se levantava do chão. Não queria irritá-la, mas é difícil lidar com mulheres. Principalmente comigo sendo tão ruim com as palavras.
Listro foi em direção a saída.
— Não precisa sair. Me desculpe pelo modo que falei.
— Não estou irritada, Alvo, só percebi que não estamos em sintonia. Tento levar nossa interação com brincadeiras para amenizar o peso em nossas costas, mas está óbvio que você não precisa disso… Vou dormir com as garotas, não me espere acordado.
Não protestei.
Pela manhã meus soldados já sabiam que não seguiria viagem com eles. Ápovus ficou no comando.
Segui os guerreiros de Henco, quando fizeram uma curva para a esquerda, em direção a uma pequena área arborizada, que logo deixamos para trás.
A viagem até o Feudo de Pleno durou dois dias a mais em comparação ao que faltava para chegar na capital.
Passamos por uma dezena de pequenos feudos e fazendas.
Perto do final do segundo dia, em companhia de Hendi, chegamos ao Feudo de Pleno.
Haviam postos de guarda em guaritas feitas de madeira em cima de muros.
As plantações eram vastas e frondosas.
Não nos pararam até chegarmos na entrada de uma propriedade enorme, com uma mansão no centro. Ao redor dela ficavam plantações de trigo, pronto para ser colhido.
— Alto lá..! Ah, olá senhor Hendi, voltou da missão que a senhora Henco lhe incumbiu?
— Olá, Zonte, demorou quase um mês, mas voltamos. Trago o general Alvo. Ele quer ter uma conversa com minha prima.
— General Alvo? Pensei que nunca ia vê-lo! Onde ele está?
Eu estava atrás das carroças enquanto ouvia tudo. Um senhor de meia idade apareceu por entre as carroças, segurando uma lança. Vestia proteções de couro, que imitavam o formato de uma armadura de metal.
— Minha nossa, ele é exatamente como eu imaginei! — Deduzi ser Zonte falando. — Por favor senhor Alvo, aguarde um momento. Avisarei que está aqui!
— Eu aguardo, bom homem!
Então ele sumiu novamente. Se não me engano o vi ficar corado com o que eu disse.
“Existe todo tipo de tiete, não é mesmo?”, pensei.
Continuei em cima do cavalo e o conduzi até a frente do comboio, onde Hendi estava.
— Senhor simpático. É o porteiro?
— É o chefe da guarda da mansão. Ele não se aguentou quando falei seu nome.
— Que bom que tem alguém animado aqui. Sua prima é sempre tão…
— Ranzinza? Brava? Mandona?
— É. Exatamente isso…
Não muito tempo depois, vi Zonte voltar correndo. Ele fez questão de abrir o portão para nós. Algo me dizia que sua posição como chefe da guarda o isentava desse tipo de trabalho braçal, mas estava fazendo mesmo assim, provavelmente para estar mais próximo de seu ídolo… Eu nunca me acostumei com tanta atenção por parte dos meus “fãs”.
Zonte seguiu ao meu lado enquanto eu adentrava na propriedade. Hendi não avançou conosco
— Não vem comigo, Hendi?
— Não, senhor! Preciso reportar minha chegada ao meu pai. Nos vemos em uma próxima ocasião. Boa sorte com minha prima! — Hendi, e sua comitiva, deram meia volta e sumiram pela estrada.
Apontei meu cavalo em direção a mansão, e perguntei ao chefe da guarda, enquanto seguíamos sem pressa:
— Zonte, seu nome não é estranho… E sua armadura toda de couro… Espere um momento, como eu poderia ter esquecido? O senhor é o cavaleiro-de-couro? Pelos deuses, eu o idolatrava quando era mais novo.
— É muito lisonjeiro de sua parte falar isso, general. Eu não passava de um capacho do rei… Muita coisa aconteceu desde aquela época.
— Que tal me dar um autógrafo depois, hein? — Perguntei sem um pingo de vergonha.
Meu antigo ídolo não sabia como reagir, apenas fez que sim com a cabeça.
Chegando mais perto da construção, Zonte parou.
— É aqui que me despeço, general! Caso eu não o veja depois que for embora, acredito que nos veremos novamente apenas na capital.
— Claro, senhor Zonte. Obrigado pelos seus serviços! — E ele retornou a entrada da propriedade.
Quando cheguei na frente da porta da mansão, lá estavam em torno de dez serviçais, cinco moças e cinco rapazes, dispostos em pares em cada degrau da escada de entrada.
A mansão era imponente, toda pintada de branco, com detalhes cinza-escuro. Tinha dois andares, com mais de quinze cômodos em cada.
“Para quê tamanha demonstração de riqueza?”, pensei.
Um serviçal mais velho estava sozinho no topo da escada, com olhar esnobe. Ele proclamou:
— Chega em nossa propriedade o grande general Alvo Primeiro, escolhido entre os humanos! Seja bem-vindo, senhor!
— Seja bem-vindo, Senhor! — Os outros dez serviçais disseram em uníssono. Era tudo muito bem ensaiado.
— Uau, obrigado pela recepção, senhores. Sua chefe está?
— A senhora Henco solicita que o senhor Alvo se limpe antes de estar sua presença. Por favor, me siga!
— Se é assim que ela quer…
Eu pensei em protestar, mas não valia a pena. “Em Petras, faça como os Petranos!”, dizia minha mãe. Como eu estava na casa de Henco, segui suas demandas.
A verdade é que eu queria muito um banho. Desde que saí de Porto-Norte eu não tirei toda minha armadura, muito menos me lavei.
Desci de minha égua, e entreguei a um rapaz, dois palmos mais baixo que eu. O vi partir em direção aos estábulos.
O serviçal-chefe me guiou por corredores, subimos um lance de escadas e ele abriu uma porta. Senti o vapor quente tocar a pele do meu rosto. Era um banheiro enorme, no meio do cômodo tinha uma banheira com quatro garotas ao redor dela. Três delas seguravam esponjas e davam risadinhas.
— Não preciso de ajuda, posso me lavar sozinho! — Falei dando alguns passos para trás.
— Não se preocupe, senhor, estamos aqui para tornar tudo mais rápido! — Interveio uma das garotas, enquanto me puxava para perto da banheira.
Oras, em Petras, faça como os Petranos!
Deixei elas tirarem minha armadura e minhas roupas. Ocorreram risadinhas enquanto me viam nu. Me concentrei para que algo de “estranho” não acontecesse, além do banho dado por belas garotas.
Entrei rápido na banheira e logo começaram a esfregar minhas pernas, braços e costas.
Percebi que a mais velha delas pegou minhas vestes e armadura, e saiu do recinto.
— Ela foi limpar suas roupas. Um ferreiro limpará e polirá sua armadura. Apenas aproveite, senhor.
A garota que estava à minha frente começou a afundar sua esponja mais perto das minhas coxas.
— Minhas partes íntimas eu mesmo posso cuidar, obrigado.
As três riram enquanto se olhavam.
Não demorou muito para terminarem.
Fiquei em pé na banheira e joguei uma bacia enorme de água limpa por cima de mim, para tirar a espuma do corpo.
Me entregaram toalhas e prontamente me sequei.
— No cômodo ao lado tem mudas de roupas limpas, para usar enquanto as suas não secam, senhor. Iremos ajudá-lo a se trocar.
— Não será necessário, já volto!
Logo entrei no outro quarto, fechei a porta e vesti as roupas que estavam dobradas em cima de um criado-mudo.
O tecido era leve e agradável ao toque, todo azul-escuro com detalhes em vermelho perto das costuras. Parecia um conjunto de camiseta e calça, como um pijama, nada formal.
“Ela deve estar querendo me ridicularizar…”, pensei.
Em Petras, faça como os Petranos…
Voltei ao banheiro em que as serviçais estavam aguardando. Elas deram palminhas de alegria quando me viram com o pijama.
— Vamos acabar logo com isso… Me levem até Henco, por favor!
O serviçal-chefe entrou no recinto, se curvou e disse:
A senhora Henco o aguarda!
“A paz só pode existir pelo medo. Mãos de ferro são necessárias para reinar! Queime todos que se opuserem a mim!”
Deus Marrom
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