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    THERMON AGOURO

    — Só quatro barris por tonelada? Que tipo de piada é essa? Não fazem nem seis meses que uma tonelada valiam dez barris! — Jouci estava indignada.

    — Nóis pede disculpa, minina, mais tá tudo caro! Ocês que mora no polo sul num ficou sabendo dos ataque terrorista? — O humano vendedor de vinhos, que ficava ao lado do cais, tinha um jeito próprio de falar. Cada frase errada dava mais vontade de corrigi-lo.

    — Sim, ficamos… Olha, não sabíamos que poderia atrapalhar nossas trocas aqui no sul do Sáfaro. Pode fazer seis barris por tonelada, só dessa vez? Por favorzinho, senhor Kurisupi! — A garota fez uma cara de súplica, tão forçada, que eu precisei segurar o riso.

    O velhote coçou a parte de trás da cabeça, olhou para ambos os lados, e disse cochichando:

    — Tá bom… Só num conta pa ninguém, ok? A deusa Amarela colocaria uma maldição ni mim se eu isplorasse alguém qui acabou de perdê o pai… Vô sinti muita falta do Baru… Aqui, fica cum essa garrafa, por conta da casa!

    — Muito obrigada, senhor Kurisupi!

    Jouci deu a volta na bancada que o senhor usava para atender os clientes e deu um forte abraço nele. O velhote ficou todo vermelho.

    — Cuida bem da guria, tá? Gostu muito dela — dessa vez ele falou olhando para mim.

    — Pode deixar, senhor Kurisupi. Obrigado pelo desconto!

    Entregamos cerca de três toneladas de peixe, que estavam em um pequeno iceberg, que criei para trazermos até o continente Sáfaro. Coloquei o bloco maciço de gelo no local que Kurisupi indicou, em terra firme.

    Jouci agradeceu mais uma vez, enquanto pegávamos os dezoito barris lotados de vinho. Guardamos a mercadoria no interior de nosso barco.

    — Um momento, vou aumentar a proteção.

    Controlei a água do mar e criei estacas de gelo que saíram do solo oceânico para envolver o barco. Ladrão algum tentaria se aproximar descuidadamente de nossa embarcação.

    Continuamos andando pelo porto.

    Todo tipo de vendedor estava ali. Tinha gente vendendo mariscos, carnes de tubarão, frutas… Onde a vista alcançava tinham vendedores.

    Uma quantidade considerável de pessoas caminhava pelas docas. Crianças corriam em várias direções. Algumas brincando, outras roubando… Pelo o que Jouci me disse, isso é comum aqui no mundo exterior.

    — Nunca tinha visto Anões… Ou Pelt-Beasts… Ou Lizards! Nossa, eles são enormes!

    Jouci parecia contente com meu comentário.

    As pessoas que andavam pelas barracas eram de raças variadas. Um quarto deles pareciam humanos, outras duas porções maiores eram Lizards e Elfos. As raças que menos vi eram anões e Pelt-Beasts.

    — Não guardou a garrafa que o velhote te deu, Jouci?

    — Ah, estava pensando em aproveitar o presente. Quer dividir?

    — Não bebo em serviço.

    — Você não é mais um guarda. Aproveite um pouco nossa viagem!

    Suspirei e aceitei:

    — Se você insiste… Vou arrumar dois copos então.

    — Não precisa ser tão certinho! — Ela retirou a rolha com extrema facilidade, deu um grande gole, limpou a boca, e me entregou a garrafa.

    Por um breve instante fiquei sem reação. Eu achava que sabia tudo sobre ela.

    — Só não vá ficar bêbada, hein! Não vou limpar nada se vomitar! — Dei um gole na bebida doce, porém forte. — Meu deus, o que o velhote coloca nesse vinho?

    — Não é vinho. O velho apenas envasa esse treco em garrafas de vinho. Não faço ideia do que tem aí, mas sempre que vinha com meu pai, dávamos um jeito de conseguir uma dessas, e dividíamos. Claro, isso depois que eu já tinha idade para beber.

    — E quando foi que você ficou velha o suficiente para beber?

    — Com uns quinze? Ou foi com quatorze? Não me lembro muito bem… Nunca fiquei bêbada, meu pai não deixaria! Hahahahahha.

    A bebida fez efeito rápido nela. Já estava mais animada que o comum.

    Andamos mais um pouco e Jouci apontou na direção em que estávamos indo:

    — Óia, Thermu, uma barraquinha de colares de conchas. Vamu lá vê?

    De pouco em pouco a fala de Jouci começou a ficar comprometida pela bebida. Fazia sentido o velhote não conseguir falar corretamente. O que me fez imaginar: ele estava sempre bêbado?

    Quando iniciamos nossa caminhada, já era final da tarde, agora estava escurecendo.

    As barracas começaram a fechar enquanto as tavernas acendiam suas luzes.

    — Qual o nome dessa cidade mesmo? — Perguntei antes de dar mais um gole na bebida forte.

    — Lires, a cidade livre! — Ela pegou a garrafa da minha mão e finalizou o conteúdo de uma vez. — Nossa, agora tô cum fomi. Thermu, vamo achá o que comê!

    Fui arrastado por ela até uma taverna enorme, cheia de todo o tipo de gente. Anões resmungavam em um canto. Pelt-Beasts mostravam os dentes com raiva para humanos, elfos e lizards se entreolharam, mas ninguém brigava.

    Sentamos em uma mesa vaga. Jouci fez um sinal com as mão. Uma bela garçonete elfa veio até nós.

    — Tão servindu janta hoje? — Perguntou Jouci.

    — Claro. Temos javali assado, tartaruga ao molho roxo e uma variedade de peixes grelhados.

    — Vô querê um javali. E você, Thermu?

    — O mesmo, por favor. Ah, se puder trazer uma jarra de água junto, agradeço. Alguém aqui bebeu demais! — Apontei com a cabeça na direção de Jouci.

    — É pra já, senhor! — A garçonete me deu uma piscadela e saiu por entre a multidão. Jouci viu tudo.

    Eu e minha companheira ficamos em silêncio aguardando a comida, ela de cabeça baixa, e eu olhando em volta. Não demorou muito e a mesma garçonete trouxe nosso pedido. Mais uma vez ela piscou para mim antes de sair.

    — Num pode vê um rabo de saia que já vai se engraçando todo, né?

    — Aqui, bebe isso!

    Ela pegou o copo de água da minha mão e tomou de uma vez.

    — Melhorou agora?

    Ela balançou a cabeça, como quem espanta o sono, e disse:

    — Muito melhor! Nossa, como chegamos aqui?

    — Você que nos trouxe… Estava tão bêbada, que não se lembra?

    Ela comeu um pedaço da carne dura, pensou um pouco, e disse:

    — Bêbada? Nunca fiquei bêbada! Você está inventando coisas.

    — HAHAHAHAHHAHAHA! — Minha gargalhada ecoou pelo estabelecimento. Se não tivesse tanta gente fazendo barulho, teria parecido estranho.

    — Bem, eu lembro de você trocando olhares e piscadelas com a garçonete…

    — Eu não teria chances — entrei na brincadeira.

    — Ah, é? Por que diz isso?

    — Para começar, somos de espécies diferentes, isso já seria estranho o bastante. Segundo que não sou lá essas coisas…

    — Eu não acho. É só arrumar esse cabelo e você fica perfeito.

    Deu para perceber pela expressão da Jouci que ela daria um braço para poder voltar no tempo, e não ter dito aquilo. Ela abriu a boca para tentar se explicar e cortei:

    — Não ouvi o que você disse, aqui está muito barulhento — menti pela sanidade da minha amiga. Ela entrou no teatro.

    — Eu disse que acho que dormi de mal jeito.

    — Ah, que chato…

    O clima ficou estranho na nossa mesa.

    Cada vez mais isso acontecia. Entre comentários aleatórios, ou em momentos que pensávamos em voz alta, nós acabávamos enaltecendo um ao outro. Seja por alguma característica física, como beleza, ou de personalidade, como o modo que cada um pensava e agia. Em todas as vezes o clima entre nós ficava estranho. Demorava um tempo até tudo se normalizar.

    — Já está anoitecendo e não quero dormir no barco. Que tal dormirmos aqui hoje? — Mudei de assunto.

    — É uma boa ideia. Tô cansada de dormir balançando no barco o tempo todo. E não estou a fim de dormir no chão, em um inglu… Vamos comer e perguntar por quartos vagos.

    Terminamos a refeição pouco tempo depois.

    Vendo todos ali, convivendo em certa harmonia, perguntei a Jouci:

    — “Lires, a cidade livre”… Como é possível tantas espécies convivendo sem quererem se matar?

    — Esse é o único lugar de Mundo que vai ver algo assim. É tudo graças ao dirigente da cidade. Não conheço ele pessoalmente, mas dizem que seu pulso firme mantém as coisas no lugar.

    — Ele é forte?

    — Como governante sim, fisicamente não sei. Lires nunca esteve sob jurisdição de nenhuma nação ou raça, era tudo uma bagunça. Antigamente era uma vila à beira mar. Então essa pessoa chegou e colocou ordem nas coisas.

    — Fascinante. Gostaria de poder conhecê-lo.

    — Talvez amanhã… Vamos atrás de um quarto, antes que sua namoradinha retorne e você se apaixone por ela.

    Fomos até a bancada do bar, falar com o dono do estabelecimento. Ele era humano, muito calvo, e com um bigode enorme. Limpava um copo com um pano amarelado.

    — Boa noite. Foram dois javalis e uma água.

    — Quatro peças de prata!

    — Que caro..! Aqui está o dinheiro… Senhor, tem quartos vagos para passar a noite? — Jouci perguntou depois de deixar o pagamento na bancada.

    — A cidade está lotada, mas temos um quarto pequeno disponível. Se os dois se espremerem, dá pra dormir na mesma cama — uma expressão pervertida apareceu no rosto do dono da taverna. Ele ficava levantando as sobrancelhas, o que deixava a cena mais constrangedora.

    — É, não vai dar então Thermon. Vamos ter que passar a noite num iglu como de costume.

    — Bem… Sabe… Nós já dormimos perto um do outro sem estranhezas… Não acho que seja um problema dividir um quarto… — Eu falei isso olhando para o chão, pateticamente.

    — Ah… Já que insiste. Quanto é o quarto, senhor?

    Uma moeda de ouro por cabeça.

    — Mas isso é um roubo!

    O dono da estalagem passou a mão no bigode e falou:

    — Olha, fui com a cara de vocês. Faço por uma moeda de ouro e duas de prata. O que me dizem? Está tudo lotado na cidade.

    — Podemos pagar? — Cochichei no ouvido da Jouci.

    — Sim, mas quase estoura nosso orçamento — ela respondeu no meu ouvido, no mesmo tom de cochicho.

    — Provavelmente amanhã já estaremos retornando, então acho que dá pra gastar um pouco mais agora — Jouci mexeu na bolsa, que sempre carregava ao lado de seu corpo, e entregou o valor solicitado ao atendente.

    — Me sigam.

    Ele pegou uma lamparina de vidro que estava em cima da bancada e entrou por uma porta. Subimos um lance de escadas e alcançamos um corredor mal iluminado, com duas portas em cada lado. Tinham quatro quartos no andar.

    — O quarto de vocês é o último à direita. Aqui está a chave. Se quiserem usar o banheiro, fica lá fora, na parte de trás. Não quebrem a cama! — Então ele voltou sozinho, pelas escadas, enquanto ria como um velho tarado.

    — Vamos ver o que nos aguarda.

    Enquanto passamos pelos outros quartos, dava para ouvir gemidos saindo de dentro deles. Majoritariamente gemidos de mulher. No penúltimo quarto ouvi batidas regulares, como se alguém batesse palmas, numa frequência contínua. Decidi ignorar.

    — Va-vamos logo para o quarto! — Jouci gaguejou.

    Abri a porta com dificuldade, pois estava emperrada.

    Entramos sem ver o que tinha dentro, para “fugir” o quanto antes dos barulhos dos outros quartos. Fechei a porta atrás de mim.

    Acendemos uma vela ao lado da porta com nossa pederneira.

    Era bastante silencioso. A cama pequena só daria para a Jouci deitar.

    — Pode ficar com a cama, Jou. Eu usarei minha bolsa como travesseiro, e durmo no chão.

    — Mas… Você não precisa… Gastamos demais nesse quarto para só eu usufruir.

    Ponderei um pouco, com a mão esquerda no queixo:

    — Ok, mas nada de me chutar se eu roncar durante a noite.

    — Tem minha palavra! — Ela levantou a mão direita como quem fazia um juramento.

    Arrumei uma bacia média com o dono da taverna e usei minhas habilidades para tornar a água um pouco morna. Entrei no quarto com a bacia, e disse:

    — Aqui, se limpe com isso! Estarei lá fora me lavando. Volto logo.

    — Obrigada.

    Fui até a parte de fora da estalagem, dando privacidade a Jouci. Encontrei uma área discreta, para que pudesse me limpar.

    Com minhas habilidade era muito rápido. Ficava molhado e seco com um simples movimento.

    Como não demorei nada para ficar limpo, decidi dar uma volta pela área, para conhecer melhor o local.

    Essa parte do planeta anoitecia bem mais cedo que o na minha terra natal, então eu ainda não havia me acostumado com a escuridão tomando tantos ciclos do dia. No polo sul tinham meses inteiros que não anoitecia, então, para nós, era comum dormir com claridade extrema.

    Uma rua acima da minha estalagem, era visível um prédio circular no meio de pequena cidade. “Lá deve ser onde o líder deles fica”, pensei.

    Quando entendi que já tinha ficado fora tempo o suficiente para Jouci poder se limpar, voltei. No caminho fitei o horizonte infinito do oceano, com saudades de casa.

    Ao passar novamente pelos quartos, com barulhos e gemidos, fiquei novamente envergonhado. Tentei pensar em qualquer outra coisa para me livrar de pensamentos sórdidos, mas isso se voltou contra mim.

    Imaginei Jouci.

    Uma Jouci que, obviamente, eu nunca vira. Sensual e com expressões que apenas mulheres “adultas” faziam. Bem, ela é adulta, mas você me entendeu… Essas expressões eu nunca aceitei de mulher alguma, mas, estranhamente, aceitaria se viessem dela.

    — O que está acontecendo comigo? — Falei em voz alta, ainda fora de nosso quarto.

    Bati três vezes na porta, e falei:

    — Jou, posso entrar?

    — Claro — respondeu uma voz abafada.

    Ela destrancou a porta e quase levei um susto com o que vi.

    Ela trocou de roupas. Estava com algo mais leve e simples. Era um conjunto de camiseta sem mangas e shorts curto que nunca a vi usando.

    — Ah, isso? Eu uso quando estou com muito calor antes de dormir. O clima aqui no Sáfaro é muito mais quente que em Aurora, sugiro arrumar roupas mais leves também.

    — Entendi… Ficou bom em você!

    E deu início a mais uma sessão de “Ambos constrangidos e o clima ficando estranho”. Dessa vez ela quem tentou quebrar o gelo.

    — Olha aqui, puxei um pouco a cama. Se usarmos essas caixas de madeira por baixo do colchão cabe nós dois sem problemas.

    — Ótima ideia! — Sem dar muito tempo para mais pensamentos sórdidos, continuei. — Vamos nos deitar? Quero sair bem cedo amanhã.

    Ela assentiu.

    — Deitei primeiro, ficando mais perto da parede. Ela sentou ao meu lado.

    Jouci olhou em direção aos pés da cama. Ficou assim por alguns instantes e falou:

    — Thermon, você já teve alguém em sua vida?

    — Alguém? Se refere a uma namorada ou algo do tipo?

    — Isso…

    Foi uma pergunta repentina, mas respondi sem pensar muito sobre.

    — Não exatamente… Eu era muito novo e não tinha como nada sério acontecer. Perdi ela muito cedo… Depois disso nunca fiquei com ninguém.

    — Meu pai conhecia ela?

    — Ah, sim. Ele adorava ela — eu queria desconversar. Aquele era o único tópico que eu não queria tocar naquele momento. Principalmente com Jouci.

    — O que aconteceu com ela?

    — Faleceu…

    — Meus pêsames… Desculpa tocar nesse assunto.

    — Sem problemas — virei-me para a parede. — Boa noite, Jou! — Falei mais para mim do que para ela.

    — Boa noite…

    Ela se deitou de costas para mim.

    Eu nunca tive problemas para dormir, ainda mais depois de um dia cansativo como aquele. Infelizmente a noite passava devagar. Eu tinha tanta coisa correndo pela minha cabeça, que não conseguia dormir.

    Após o que pareceram dois ciclos, sentei na cama para ficar na altura da janela do quarto. Olhei para as ondas e as poucas pessoas que ainda transitavam de bar em bar.

    — Não consegue dormir também? — Perguntou Jouci, me dando um baita susto.

    — Pelos deuses, Jouci, meu coração quase saiu pela boca!

    — Desculpe, hehe… Não consigo dormir. Muita coisa passando pela minha mente…

    — O que, por exemplo?

    — Bem, meu mundo mudou muito depois da nossa última viagem. Perdi meu pai, muitas responsabilidades aqui fora, nossa interação cada vez mais estranha com o passar dos dias… Essas coisas…

    — Eu não sei o qu-

    — Eu gosto de você, Thermon!

    Eu ainda olhava para fora quando ela revelou isso. Fiquei paralisado, como uma animal empalhado numa posição estranha.

    — Jou, eu…

    — Deixa eu continuar! — Falou a garota, num tom muito sério. — Não quero que as coisas continuem estranhas entre nós, então preciso tirar esse peso das costas, ok? Me rejeite logo e seguirei minha vida normalmente!

    Engoli em seco.

    — Não posso negar que sinto algo por você também… Infelizmente não é tão simples assim, te rejeitar ou aceitar…

    — Claro que é! Apenas diga o que você sente.

    — Estou confuso. Muito confuso!

    — É porque eu sou muito nova?

    — Com a maturidade que você lida com as coisas, às vezes parece até que é mais velha que eu… Não é isso.

    — Seja direto comigo, ok? O que é então?

    — A pessoa que eu amava era sua mãe, Jouci. Como pode ser simples uma situação como essa?

    — Calma, você não disse que perdeu sua amada muito cedo… Eu não entendo… — A expressão de dúvida em seu rosto estava nítida com a luz da lua em seu rosto.

    — Foi no início da minha infância. Eu e Baru éramos apaixonados por ela. Eu tomei atitude primeiro e Jou aceitou ser minha “namoradinha”. Só ficávamos de mãos dadas… Um certo dia, não lembro exatamente o que eu disse de errado, mas ela resolveu desfazer nosso namorico — dei uma risada sem alegria. — Que situação ridícula, não? Pra ela era apenas uma brincadeira, mas, para mim, era real..! Conforme fomos crescendo, ela e Baru ficaram mais conectados. Fui me tornando cada vez mais apenas “o amigo do casal”, mas meu amor por ela nunca diminuiu — suspirei, sem pressa de continuar. — Quando adultos tomamos caminhos diferentes. Ela se uniu ao seu pai, e vivia fora em viagens, e eu decidi ficar onde poderia ter mais contato com os dois.

    — Por isso sempre te encontrávamos quando voltávamos das viagens? Você se ofereceu justamente para aquele posto de vigia?

    — Patético, não é? Meu trabalho como guarda de fronteira era apenas para poder ver Jou com mais frequência… Por isso essa situação é tão difícil, Jouci! Além de você ser filha dela, eu ainda tenho o espinho do amor não correspondido machucando meu peito. Prometi a mim mesmo que nunca ficaria com mais ninguém, por mais que eu nunca tenha ficado nem mesmo com ela…

    Jouci ficou calada.

    Enquanto contei minha história, não olhei para ela em momento algum. Estava com a cabeça quase enfiada entre meus joelhos, ainda sentado na cama. Nunca me senti tão pequeno e frágil.

    — É uma desonra para a imagem da sua mãe eu estar perto de você, Jouci. Pedirei ao Lorde Tomoga que arrume outra pessoa para viajar contigo, depois que voltarmos.

    Ela puxou meu rosto para fora da minha concha encolhida e patética, colocou meus olhos na altura dos dela, e me deu um tapa, muito forte.

    — Não seja ridículo, seu idiota! Você fez uma promessa ao meu pai, e ficará comigo, não importa o que pense!

    Eu ouvia mais nitidamente depois do tapa que levei.

    Meus olhos se encheram de lágrimas de pena de mim mesmo. Abracei a garota na altura do tronco e ela abraçou minha cabeça. Chorei como uma criança dentro de seus braços.

    Eu me sentia fraco e desolado, porém feliz, por estar ao lado de Jouci.

    Dormimos abraçados aquela noite.


    “A noite é minha irmã! Se quiserem me encontrar, apaguem suas fogueiras!”

    Deus Preto

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