Capítulo 18 - Vespas-da-noite
THERMON AGOURO
Após a luta com Talamaris, voltamos à cidade, comentando nosso embate.
— Sério, foi incrível você ter sobrevivido! — Talamaris brincou.
— Pelo jeito que fala, parece que estava tentando, e muito, me matar…
— Não fique assim, Thermon. Eu sabia que não morreria só com aquilo.
— “Só com aquilo”? Se não me engano o nome da sua técnica era “Furação comprimido”… Como você poderia ter certeza que eu sobreviveria?
— Palpite..?
— Quase morri por causa de um palpite. Compreendo…
Jouci apenas riu enquanto andava ao meu lado.
Não demorou até alcançarmos a entrada da prefeitura de Lires.
Quando estávamos prestes a nos despedir de Talamaris, ouvimos uma voz entre as construções, chamando nossa anfitriã:
— Procuro a senhora Talamaris! Poderiam me ajudar a encontrá-la?
Tala apressou o passo, virou a esquina e viu o garoto montado em um cavalo magro e cinza.
— Calma rapaz, eu sou Talamaris. O que precisa?
— Venho de Solgos, a pedido do senhor Penur. Precisamos de seu auxílio!
— Pode dizer, estou ouvindo! — Ela cruzou os braços, prestando atenção no menino. A espada divina embainhada, balançando ao lado do seu corpo.
— Outro ataque da calamidade… Estamos presos a mais de sete dias sem conseguir sair de nossas casas. Consegui uma brecha, para montar no meu cavalo, e vir até aqui. Por favor, nos ajude!
— De novo? Mas não faz nem seis meses que cuidei disso…
— Nós não temos a quem recorrer!
O menino quase chorava a cada frase que completava, genuinamente desesperado.
— Está bem, garoto. Não posso negar um pedido desses… Fique aqui na prefeitura, pedirei para minha assistente te hospedar por hoje. Amanhã volte para Solgos. Quando chegar já terei lidado com o problema.
— Muito obrigado, senhora Talamaris! — Ele segurou a mão direita de Tala com ambas as mãos, encostou sua testa contra os dedos da elfa e derramou lágrimas de alívio.
Tala e o rapaz entraram na prefeitura, enquanto aguardamos que novas informações nos fossem passadas. Não demorou até a prefeita voltar.
— Deixei Ouna cuidando de tudo até eu voltar. O rapaz tomou um chá e já está mais calmo.
— O que está acontecendo? Podemos ajudar? — Jouci perguntou.
— Algo um pouco estranho, na verdade… Sim, podem ajudar. A cidade de Solgos é justamente a próxima parada da missão de vocês. Posso explicar tudo no caminho. Partiremos daqui um ciclo, terão tempo de comer alguma coisa e se preparar. O que me dizem? Vou buscar dois cavalos e já volto.
Sem nos dar tempo para concordar, Tala se embrenhou por entre as vielas de Lires e desapareceu de vista.
Com bastante pressa, fomos até o cais e pedimos ao senhor Kurisupi, aquele que nos vendeu o vinho, para tomar conta de nosso barco em nossa ausência.
— Craru, quiridus. Oceis podi contá cumigu!
— Obrigada!
Mal deu tempo de agradecermos o velho e já estávamos organizando nossa pouca bagagem para a viagem à Solgos. Desfiz o gelo que ainda estava em volta da embarcação, pegamos o que poderia ser necessário dentro do barco, e renovei os pilares de gelo.
Comemos ensopado de javali na mesma estalagem que passamos a noite. Tudo com muita pressa.
Quando voltamos à prefeitura, encontramos Talamaris segurando dois belos alazões. Não devia ter passado nem meio ciclo.
— Vocês já comeram e se prepararam em tão pouco tempo? Ótimo, estamos de partida!
Talamaris subiu no cavalo branco enquanto eu e Jouci dividimos o de pelagem escura.
Parei ao lado do animal sem saber o que fazer para subir.
— Thermon, você já andou a cavalo? — Perguntou Tala, ao ver minha dificuldade em escalar minha montaria.
— Não, mas sei um pouco da teoria…
— Que pé no saco… Tá! Coloca a perna esquerda no estribo… Digo, nessa alça aqui! — Ela apontou para uma peça de metal ao lado esquerdo do cavalo. Fiz o que ela pediu, — Isso! Agora joga sua perna direita por cima do cavalo, enquanto usa suas mãos para levantar seu corpo até a sela… Viu, não é tão difícil!
Consegui, com certa facilidade, depois que recebi as instruções dela. Para Jouci subir foi mais fácil, já que estendi minha mão para ela se apoiar.
— Continuando: está vendo essa corda? Essa é a rédea! Segure-a, mas não muito justo. A rédea controla um ferro que vai dentro da boca do animal, se chama freio, então tome cuidado…. Com a rédea você vai dar duas ordens ao cavalo: virar ou parar. Puxando um pouco para o lado ele vira, puxando para perto de você ele para. Em ambos os comandos não use muita força ou vai machucar o animal. Com os estribos bem encaixados nos pés é só dar uma batida nas laterais do animal que ele começa a cavalgar para frente… Quanto mais rápido e continuamente você bater, mais rápido ele irá. E, de novo, tenha cuidado para não machucá-lo!
— É muita informação, não sei se…
Antes de terminar minha frase, Talmaris virou seu cavalo para o norte e bateu com ambos os calcanhares nas laterais da montaria.
Já estava muito à frente de nós.
— O que está esperando, Thermon? Vamos logo! — Jouci falou com impaciência.
— Falar é fácil!
Bati com cuidado meus calcanhares na lateral do cavalo, que começou a cavalgar muito devagar.
— Ela disse que se continuar batendo os pés ele vai mais rápido… — Jouci estava com muita pressa. Talamaris quase não era mais visível.
Continuei batendo os calcanhares na lateral do animal, que começou a aumentar o ritmo. Mas, ainda assim, estava muito mais devagar que o cavalo de nossa guia.
Depois do que pareceram dois ciclos, Talamaris havia diminuído a velocidade para emparelhar conosco.
— Desculpe a pressa… Não tinha como me acompanharem, seu cavalo está com muito peso. Seguirei ao lado de vocês. Quando estivermos perto de Solgos, eu vou na frente, para cuidar da situação.
— E qual seria a situação? Ouvi o rapaz falando sobre uma calamidade. É isso mesmo?
— Sim. A algumas dezenas de quilômetros de distância de Solgos, fica a colmeia de vespas-da-noite.
— Nunca ouvi falar disso. Vespas são uma das calamidades?
— Bem, se cada uma das milhões de vespas tiver o tamanho de um gato, sim…
Atônito com a informação, demorei responder Talamaris:
— Já tive contato com uma calamidade. Foi na lu-
— Na luta contra Alvo, nós sabemos! Estava tudo escrito naquele papel, lembra?
— Ah, o papel que espalharam sobre minha luta… De qualquer forma, estar na presença de uma calamidade, e ler sobre ela, são coisas distintas. O mímico era tão silencioso e intimidador… Espero que seja mais simples lidar com essas vespas.
— Não sei quanto a lidar com um mímico, mas lidar com as Vespas é realmente um tanto problemático…
— Espera, se sabem onde é a colmeia, por que não a destroem? — Jouci perguntou.
— Primeiro que poucas pessoas conseguiriam chegar perto o suficiente do local sem morrer. Segundo que esses insetos não fizeram nada além de existir, por que matá-los?
— Bem, não sei o que está acontecendo em Solgos, mas parece que as vespas estão causando sérios problemas… Já não seria motivo o suficiente para exterminá-las? — Jouci completou.
— Cerca de cinquenta anos atrás tentaram queimar a colmeia com algumas dezenas de magos de combustão. Isso só irritou elas… Morreram tantos magos que simplesmente desistiram de tentar. Então, Solgos se adaptou a isso. Sempre que veem alguma vespa se aproximando da cidade, eles acendem diversas piras para criar fumaça e então todos entram em uma pequena quarentena, e ficam dentro de suas casas. Geralmente em um ou dois dias o enxame se dispersa e volta à colmeia. No caso da vez, elas não estão se dispersando, e, pelo apelo do garoto, parece que tem bem mais insetos que o normal.
— Como você lida com isso sozinha? — Perguntei.
— Com a minha espada, obviamente.
— Então o ponto fraco das vespas-da-noite é magia elemental de vento? Até que faz sentido.
— Sim, eu basicamente disperso elas à força. Para minha espada é um trabalho bem simples.
— Como sempre sua espada não derrota o inimigo, apenas garante um impasse… Interessante.
— Ha-ha-ha, muito engraçado, Azulzinho!
Menos de um dia de viagem depois, logo após amanhecer, estávamos nos arredores de Solgos. A quilômetros de distância era visível uma nuvem negra e espessa cobrindo a cidade.
— Pelo deus Aéreo, o que é isso? — Talamaris estava boquiaberta, assim como eu.
— Tala, me diga… Nas outras vezes em que isso aconteceu, tinha tantas vespas assim?
— Nunca vi nada parecido! Esse enxame é maior que a própria cidade, como eu poderia lidar com isso sozinha?
— Por sorte estou aqui e posso ajudar, mas não sei se conseguimos lidar com elas sem matar milhares de vespas… Tem algum plano?
— Geralmente a cidade cria fumaça nos arredores para adiantar o processo e espantar os insetos, dessa vez não vejo nenhuma fumaça. Podemos criar fogueiras contra o vento e a fumaça pode dispersar a calamidade.
— Boa ideia! Vamos precisar de muitas folhas verdes, assim a fumaça será maior — falou Jouci.
— Ok, vamos nos separar. Nos encontramos antes do início da tarde naquela clareira a direita! — ela apontou para um ponto ao lado da cidade, mas longe do enxame. — Traga o máximo de galhos com folhas verdes que puder, Thermon!
Assenti.
— Boa sorte! — Jouci falou, ainda montada atrás de mim.
Talamaris seguiu pela esquerda e fui com Jouci pela direita, ladeando o perímetro da cidade, mas sempre longe o suficiente para não irritar nenhuma vespa.
Como não estávamos muito longe de córregos e do mar, ainda existia uma certa quantidade de vegetação nos arredores de Solgos, bem como um pequeno bosque, para o qual Tala se dirigiu.
Depois de alguns ciclos, o sol estava quase a pino.
Jouci e eu juntamos um enorme monte com galhos longos, cobertos de folhas muito novas, ótimas para nosso plano.
Como não estávamos tão longe da cidade, o barulho das vespas voando em todas as direções era ensurdecedor. O ar vibrava intensamente. A sensação dessa vibração não era das melhores.
Passando por trás da cidade, vimos Tala arrastar quase a mesma quantidade de galhos que eu e Jouci havíamos reunido usando seu cavalo. A corda que segurava tudo estava incrivelmente tensionada, como se não fosse capaz de aguentar tanta tração. O cavalo protestava por carregar o peso, mas conseguia executar a missão.
Não demorou muito para ela nos alcançar.
— Aqui está ótimo para iniciar o fogo. Sinto uma leve brisa passando por cima de nós, indo em direção à cidade. Com a minha espada consigo conduzir o restante da fumaça para as vespas. Acho que vai dar certo!
Usando uma pederneira, palha seca e alguns gravetos velhos, Tala iniciou o fogo após empilharmos todos os galhos frondosos. Antes de nos afastarmos a fumaça já era muito forte.
— Precisamos ser rápidos. Essa quantidade de folhas pode gerar muita fumaça, mas não vai durar muito tempo — Tala informou.
Com sua espada em punho, ela fechou os olhos e um redemoinho nasceu ao seu redor. Ela apontou a espada para a fumaça branca que subia.
Se tivéssemos calculado não teria sido tão perfeito. A primeira lufada de ar que Talamaris direcionou empurrou toda a fumaça bem no meio da cidade. Depois de viajar poucas dezenas de metros a fumaça estava menos espessa, o que foi ótimo, já que espalhou com facilidade.
Tentei manter o fogo vivo. Usei a umidade do ar e fiz uma lâmina de água para derrubar uma pequena árvore perto de nós. Criei anéis de gelo ao redor do tronco da planta caída para conseguir levantá-la no ar e colocar sua copa na fogueira.
O resultado não foi outro senão mais fumaça branca e muito fedorenta.
Jouci evitava que o fogo se alastrasse pela grama rala, com um pouco de água que controlava.
Entre os tipos de magia elemental, a água é a mais complicada de se controlar, pois, diferente de ar e terra, não existe água em abundância em todo lugar. Por eu ser um escolhido, consigo influenciar até a pouca umidade do ar, assim tenho acesso a água sempre que necessário. Já, magos elementais de água, como Jouci, eram reféns da água líquida ao seu redor para poderem usá-la.
Depois de meio ciclo, com Talamaris continuamente direcionando a fumaça, eu adicionando árvores pequenas e Jouci evitando que o fogo se alastrasse, era perceptível uma grande diferença no enxame ao redor de Solgos.
Antes eram tantos animais que não conseguíamos ver os prédios da cidade, agora já era possível diferenciar cada vespa no céu. Elas estavam se dispersando em direção a oeste, com bastante urgência.
— Está dando certo, Tala! Vamos continuar um pouco mais! O que sobrar das vespas sua espada consegue lidar! — Jouci sugeriu.
— Beleza!
Uma gota de suor desceu pela têmpora da Elfa, que não parava de direcionar lufadas de ar desde que a fogueira foi acesa. Fiquei um pouco preocupado com ela.
“Tomara que Tala ainda consiga usar a espada depois que terminarmos com a fogueira”, pensei.
Quando poucas vespas eram visíveis na cidade, nossa fogueira se extinguiu. Talamaris caiu de joelhos, muito ofegante.
— Está tudo bem, Tala? — Jouci se ajoelhou ao lado da elfa.
— Sim… Só preciso… Pegar… Um pouco… De ar…
Menos de dois espaços de tempo depois, ela usou a espada como apoio e se levantou.
— Vamos logo. Temos que terminar o que começamos! — Tala falou, com bastante determinação no olhar.
Corremos em direção a cidade, quando percebemos que fumaça escura subia de diferentes pontos de Solgos.
— Ótimo, nosso trabalho aqui está quase concluído! — A elfa falou, aliviada.
— O que aconteceu?
— Como muitas vespas foram espantadas, algumas pessoas conseguiram sair das casas e acenderam piras para gerar fumaça. Agora precisamos nos livrar das vespas que restaram nos arredores.
— Posso matar essas poucas que sobraram?
— Nesse caso, não vejo problema.
— Ótimo!
Não teve vespa feliz naquele dia.
Criei centenas de pequenas lanças de gelo, que perseguiam as vespas desgarradas. Matei mais de duas mil.
Talamaris deu um assobio longo, com surpresa.
— Então é isso que um escolhido consegue fazer se partir pra ofensiva? É bom eu me lembrar disso na próxima vez que tentar chutar o seu traseiro.
Com um olhar de soslaio para a Elfa, continuei atacando qualquer ponto negro que aparecesse voando pela cidade.
Aos poucos as pessoas saiam de suas casas. Todos começaram a se abraçar, tamanho o alívio.
— Senhora Talamaris, eu sabia que você viria! Muito obrigado por nos salvar! — Um garotinho, com menos de dez verões de idade, veio até nós, agradecendo com os olhos cheios d’água.
— Não seja por isso, menininho! Sabe onde está Penur? — Talamaris se abaixou na altura do garoto para falar com ele. Achei aquilo fofo, de certa forma.
— Sim, por aqui!
Seguimos o garoto pela pequena cidade. Logo nos aproximamos de um grupo de pessoas que conversava perto de uma pira acesa.
— Tala, minha amiga, que bom que nos salvou! Teríamos morrido de fome se não fosse por você!
— Agradeça não só a mim. Esses dois me ajudaram muito. Este é Thermon, o escolhido do sul, essa é Jouci, sua… O que a Jouci é sua? — Tala me perguntou cochichando.
— Minha companheira de viagem. Acredito que a cidade estará em paz por ora. Estão todos bem?
— Sim, obrigado. Foi você quem matou as vespas restantes? Elas servirão de adubo para nossas plantações, agradeço duplamente!
Quando o desespero pela calamidade passou, percebi que as pessoas da cidade eram humanos. Todos nos tratavam como iguais, o que é estranho, já que humanos são conhecidos por serem extremamente preconceituosos com outras raças.
Olhando com mais calma as vespas mortas entendi por que eram tão perigosas: Eram cada uma quase do tamanho da minha cabeça, com corpos extremamente negros, com poucos detalhes amarelos, e ferrões enormes. Se um enxame daqueles fosse direcionado, propositalmente, para atacar algum exército, haveria pouca coisa que poderiam fazer para se defender.
— Penur, por que não acenderam as piras quando as vespas começaram a se aglomerar? — Tala perguntou ao prefeito humano.
— Foi tudo muito rápido. Era de noite quando as primeiras milhares de vespas já cercavam nossa cidade, há oito dias atrás. Muitas pessoas tiveram que se abrigar em casas de desconhecidos. Preciso verificar os danos. Espero que ninguém tenha morrido picado…
— Tudo bem, daremos tempo para vocês se organizarem. Eu e esses elfos-de-gelo ficaremos aqui por um tempo. Eles precisam falar com você, Penur.
— Ao anoitecer podemos falar com mais calma.
— Obrigado, senhor! — Agradeci.
Penur não era idoso. Deveria ser um pouco mais velho que Alvo. Querendo ou não, meu padrão para identificar a idade de humanos se tornou o escolhido que conheci.
Tomamos a liberdade para ajudar as pessoas de Solgos a reunir as vespas mortas em um monte, fora da cidade. Fiz um ótimo trabalho, pela quantidade de insetos recolhidos.
Um garoto, muito novinho, chegou perto de mim com os braços à frente do corpo, aparentando extrema vergonha. Ele puxou minha camisa para baixo três vezes, chamando minha atenção.
— Tio, o senhor que matou elas, certo? Como fez isso sozinho? É algum tipo de guerreiro mágico? — Se ele fosse mais velho, acharia que ele estava fazendo uma piada. Como não vi malícia no menino, respondi com seriedade.
— Não sei quanto a parte do “guerreiro mágico”, mas sim, eu matei elas. Você está a salvo agora, rapazinho — agachei-me para ficar na altura dele. — Qual é o seu nome?
— Rike… Minha mãe disse que você é muito poderoso! Pode me mostrar?
— Mostrar o que? Meus poderes..? Hmm… Não sei, isso não parece algo muito responsável a se fazer…
Pegando o garoto de surpresa, criei milhares de cristais de gelo no ar, e os fiz girar, como se dançassem com o vento. Retornei o gelo ao estado líquido e o derrubei como chuva ao redor da cidade. Uma demonstração boba de minhas capacidades, mas eu sabia que aquilo faria o dia do menino.
Os olhos de várias crianças ao nosso redor brilhavam, como se não tivessem preocupações na vida além de apreciar o show.
Jouci se aproximou de mim.
— Você tem jeito com crianças, Thermon. Não sabia que tinha esse lado.
— A maioria delas está com fome pelo período enclausurado. Só fiz isso para distraí-las, até os adultos prepararem o ensopado comunitário — apontei para uma mesa grande, lotada de ingredientes, que as cozinheiras tiveram acesso depois de saírem do enclausuramento de oito dias.
— Sabe, Thermon, aqui em Solgos os humanos nos tratam tão bem, até melhor do que em Lires… Na cidade de Talamaris eles não nos causam problemas por medo das regras que ela criou, mas aqui é diferente, parece que somos parte da comunidade. Não é estranho?
— Nunca ouvi falar de humanos não próximos de outra espécie… Espero que esse bom tratamento continue.
Tala ajudava alguns rapazes a carregar tábuas para consertar casas quebradas pelas vespas, enquanto eu e Jouci procurávamos ajudar quem pedisse.
Anoiteceu antes que percebêssemos.
— FORMEM UMA FILA! O JANTAR ESTÁ PRONTO! — Gritou uma das mulheres que preparava o ensopado. Eram quatro enormes panelas, que borbulhavam e exalavam cheiros incríveis.
— Mulheres e crianças primeiro! Nada de furar fila, Grimp! — Penur, fiscalizava para que ninguém ficasse sem comida.
Todos conversavam, com enormes sorrisos nos rostos, externando o alívio de estarem bem.
— Infelizmente não sobraram muitos animais vivos na cidade, então a carne do ensopado é quase toda carne-seca. Ah, também tem galinha, pois algumas foram mantidas dentro das casas. Levará muito tempo para eles conseguirem novos animais para criar… — Penur comentou para os adultos.
— Faremos o possível para ajudar — Tala se aproximou, estava toda coberta de suor e poeira.
As pessoas comeram sentadas no chão, sem demonstrar problema com isso. Eu e Jouci fizemos o mesmo. Talamaris comeu em pé.
Depois que todos se alimentaram, pouco a pouco, os cidadãos começaram a se dispersar e dar boa noite para quem ainda estava conversando. Uma grande parte das pessoas vieram cumprimentar Tala e eu por termos salvo a cidade. Fiquei envergonhado com tantos elogios.
Quando o que sobrou foi apenas louça suja, Penur veio até nós.
— Desculpe pela demora. Como viram, tínhamos muito a fazer. Por favor, venham ao meu escritório.
“A calamidade mais caótica é, com toda certeza, o enxame de ‘vespas-da-noite’. A espécie só existe no sul do continente Sáfaro. O tamanho médio de cada uma varia entre 20 a 30cm de comprimento. Extremamente agressivas, essas vespas se alimentam de frutas, outros insetos e pequenos animais silvestres. A picada de um desses animais mata em menos de um minuto. Perdemos dois de nossos exploradores, ao tentarmos nos aproximar da única colmeia catalogada. Descansem em paz meus amigos…”
Passagens do livro ‘Descobertas de Mundo’, por Godur Ametis
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