Índice de Capítulo

    JOUCI “NÃO-NOMEADA”

    Já na cela, fomos recebidas com muito alimento. Pareceu até um banquete.

    “As palavras de Geir tem muita força dentro desta organização.”, pensei.

    A jaula em que nos puseram era estranhamente espaçosa, mas com barras finas. Isso facilitaria nossa fuga quando chegasse o momento.

    Pouco antes de iniciarmos nosso plano para escaparmos, Geir apareceu acompanhado de um humano, soldado de Vanir. Ele parou do lado da jaula e abriu sua porta com uma chave.

    — Mudança de planos. Precisamos partir imediatamente! Nada de tentarmos tomar a base antes — ele entregou nossos pertences enquanto falava. Olhei nervosamente para o rapaz ao seu lado. — Ah, esqueci de mencionar, ele e mais dois vão seguir viagem conosco.

    — Como assim? Estou confusa. Tudo bem não termos que matar para sair daqui, mas incluir mais pessoas em nosso grupo? Como poderemos confiar em alguém que trabalhava para Vanir? — Falei após a chuva de informações.

    — Vocês confiaram em mim, não é..? Não se preocupem. Esse é Elear. O rapaz e seus amigos compartilham de minha aversão a Vanir — Geir fez uma pausa antes de continuar. — Vocês acham mesmo que conseguiríamos invadir a base mais segura de Vanir, salvar Thermon, e sair sem problemas, apenas nós três? Precisaremos de toda ajuda que dispusermos. Meu objetivo não é apenas salvar Thermon. Quero desmantelar toda a organização no processo.

    Sacudi a cabeça para espantar o fluxo de informações novas. Eu estava um pouco tonta com tudo isso. Tala me trouxe para a realidade, perguntando algo:

    — Por que decidiu que não tomaremos a base? Tem muita gente para enfrentar?

    — O problema é que Primeiro está aqui. Enfrentar um exército não seria tão problemático.

    — Primeiro? — Falamos eu e Tala ao mesmo tempo.

    — É um dos sete “braços-direitos” de Vanir. É alguém que eu não gostaria de enfrentar sem a ajuda de um escolhido.

    Elear olhava em direção à entrada. Ele estava bem apreensivo com algo.

    — Espere. É por isso que quer salvar Thermon? Para ele ser um peão em sua luta contra Vanir? — Minhas palavras saíram com irritação.

    — Se fosse só isso já seria motivo suficiente para salvá-lo. Mas não. Libertá-lo é prioridade. Se ele quiser me ajudar depois, tudo bem. Garanto não exigir nada dele. Nem de vocês duas.

    — Chefe, vamos logo. Maso e An’u estão nos esperando na saída com búfalos.

    — Vocês duas, vistam esses mantos. Jouci, cubra seu rosto como eu faço — entregou um pedaço do pano, que usava em seu próprio corpo. Achei aquilo nojento. — Não temos tempo, como Elear me lembrou. Primeiro pode aparecer aqui a qualquer momento.

    Eu e Talamaris vestimos os mantos pretos entregues por Geir. Enfaixei meu rosto com os panos escuros. Não tive problemas para ver através dele. Respirar era um pouco difícil, mas me acostumei sem problemas.

    Seguimos Geir e Elear pelos corredores de pedra escavada. A estrutura era muito parecida com a da base onde as Vespas-da-noite ficavam. Provavelmente quem construiu aquele lugar também passou por aqui.

    Geir nos deu algumas instruções:

    — Fiquem quietas atrás de mim. Tentaremos sair sem fazer alarde. Caso encontrarmos Primeiro, provavelmente teremos que enfrentá-lo. De todo o modo, evitem atacá-lo diretamente. Seriam mortas antes de perceberem.

    — Já te vimos atacar tigres gigantes, e derrotar dez capangas sem ajuda, mas você teme alguém como este tal Primeiro? — Tala falou.

    — Se pensam que apenas os escolhidos podem ser monstruosamente poderosos, vocês precisam aprender mais sobre o mundo. Hierarquicamente eu e Primeiro temos o mesmo peso dentro da organização, mas ele é muito diferente de tudo o que já vi, ou lembro de ter visto… Eu não teria a mínima chance contra ele — Geir falou com pesar na voz.

    Continuamos seguindo eles a passos largos. Pensei um pouco e falei:

    — Espere. Se vocês dois têm a mesma “patente”, significa que você é um desses sete braços-direitos, Geir?

    Ele continuou andando em silêncio. Elear olhou para ele e depois para nós. O jovem rapaz falou para seu chefe:

    — Se vamos levá-las, acho que elas precisam saber, chefe.

    — Você não tem que achar nada, Elear..! Mas sim, você tem razão.

    Andamos mais alguns metros e Geir explicou:

    — Sim, sou um dos sete “arautos” de Vanir. Ele adora glorificar as coisas, e nos chama assim. Arautos… Trabalho com ele há, pelo menos, vinte e cinco anos. Fiz muita coisa ruim em seu nome. Pretendo me redimir acabando com todos os planos dele.

    — E quais seriam esses planos?

    — Se resumem numa coisa bem clichê: Dominar o Mundo. Claro, o plano geral que ele tem em mente não é tão simples. Tem diversas etapas. Infelizmente ajudei em muitas delas até me lembrar… — Ele parou, como se estivesse prestes a revelar um segredo.

    — Se lembrar de quê? — Tala perguntou por mim.

    — De quem eu sou… De quem eu era, na verdade. Não sou mais o mesmo, depois da lavagem cerebral. Acho que nunca mais serei…

    Senti que estávamos recebendo uma informação muito importante. Demos tempo para ele falar.

    Assim que tomou ar para continuar a sua história, ele e Elear pararam abruptamente. Eu e Tala quase esbarramos nos dois.

    — Ele está por perto. Voltem pelo corredor e se escondam… Esqueçam, ele já chegou.

    Suor desceu pelo meu pescoço. Senti uma presença se aproximar calmamente pelo corredor à nossa frente. Estava escuro demais para vê-lo. Um cristal brilhante estava ao nosso lado, então com certeza ele podia nos ver.

    — Caso conversar não for suficiente para persuadi-lo, tentarei segurá-lo aqui. Elear, se conseguir uma brecha, saia com elas. Não esperem por mim.

    Nossos guias estavam tremendo. Não pude deixar de me preocupar também.

    Passos lentos e calmos ecoaram pelo corredor. A cada passo meu coração dava um pequeno pulo, como um susto.

    Quando Primeiro entrou na luz, o que vimos antes foram seus pés. Ele usava botas escuras de couro. Sua roupa estava entre um traje de gala e uma armadura leve de combate, com tons parecidos com as cores dos uniformes dos capangas dessa organização.

    Assim que seu rosto apareceu na luz do cristal, vimos um elfo, quase idoso, mas muito elegante. Cabelos, lisos esbranquiçados, penteados para trás, acabavam no meio de suas costas. O olhar dele era inquisitivo e pedante, como se desaprovasse estar respirando o mesmo ar que qualquer pessoa.

    — O que o trás aqui, Geir, meu velho amigo?

    Uma lufada de vento gelado nos acertou, era muito parecido com o frio da noite ao relento. Isso nos tirou de nosso estupor. A voz do elfo era suave, e transmitia calma.

    — Há quanto tempo, Primeiro. Pensei que estivesse em missão em Aurora — Geir se esforçou para não gaguejar.

    — Ah, aquilo? Voltei há uns dois dias. Você sabe, voar facilita esse tipo de missão.

    Pelo silêncio de Geir, ele pareceu pensar: “Droga, como não previ algo tão óbvio como isso?”.

    — Fico contente em saber que está bem. Se nos dá licença, preciso seguir viagem. Senhor Vanir requisitou minha presença. Não posso deixá-lo esperando ainda mais. Já descansei o suficiente.

    — Que coincidência… Eu estava indo até ele agora mesmo. Posso acompanhá-los?

    — Não será necessário. Eu o atrasaria. Nosso assunto não é tão urgente a ponto de atrasar o primeiro arauto de nosso pai.

    A fala pareceu ter surtido efeito. Um olhar triunfante passou pelo rosto de Primeiro. Ele parecia gostar desse tipo de bajulação.

    — Tem certeza? Com minha presença vocês poderiam passar pelas Escavadoras sem problemas.

    — Agradecemos a oferta, irmão. Mas pode seguir seu caminho.

    — Pois bem… Vou indo então. Vejo você em alguns dias, “irmãozinho”…

    Primeiro deu meia volta, andou dois passos e parou. Sem se virar disse:

    — Em sua peregrinação até aqui você viu algo de estranho? Fiquei sabendo, por alguns capangas, que a base ao sul foi tomada por mulheres… Voei até lá, mas não encontrei nada além de corpos.

    — Atacaram nossa base ao sul? Como é possível terem encontrado aquele lugar? Nem eu lembro como chegar lá — Geir começou seu teatro, fingindo não ter sido ele quem liquidou todos.

    — Tenha cuidado, irmão. Parece que alguém de dentro de nossa organização está agindo contra nós.

    O arauto de Vanir seguiu pelo corredor. Pouco depois, quando já não era possível vê-lo, sua presença desapareceu.

    Esperamos alguns instantes antes de falar qualquer coisa. Geir foi o primeiro a se manifestar.

    — Essa foi por pouco… Então os dois que ficaram vivos conseguiram chegar antes que nós aqui. O lado bom é que nenhum deles me viu. Já estaríamos mortos se Primeiro soubesse o que fiz naquela base.

    — Não podemos mais voltar atrás, não é, chefe? Você até acabou com um bando de guardas que não tinham nada a ver com nossa vingança… — Elear falou ofegante. A presença de Primeiro o afetou bastante.

    — Eu não voltaria atrás nem se tivesse mil “segundas chances”. Vanir precisa pagar! — A voz de Geir saiu amarga.

    Deixei para continuar nossa conversa sobre o passado de Geir com Vanir para depois. Precisávamos nos apressar e sair daqui.


    Demorou muito para encontrarmos os outros dois soldados. Eles nos aguardavam com os búfalos. A base em que estávamos era muito maior do que qualquer outra em que estivemos.

    — Jouci, Talamaris, esses dois são An’u e Maso. O baixinho é An’u. O magricela é Maso. Espero que se deem bem, pois vamos estar juntos por bastante tempo daqui em diante — Geir fez as introduções.

    — Prazer, sou Jouci. Essa é Talamaris — apertei a mão do anão, que estava mais próximo.

    Tala deu uma bufada, irritada por termos um anão na equipe.

    — Prazer em conhecê-la também, senhorita Talamaris. Ouvi muito sobre seus feitos no sul. Gosto bastante de Lires — O anão falou primeiro. Ele parecia jovem, mesmo com a barba volumosa. Sua voz não parecia a de um adulto ainda. Devia estar no final de sua puberdade.

    — Você precisa parar com isso, Tala. Lembra que você comanda a cidade da “liberdade entre espécies”? Como pode ficar irritada por estar na presença de um anão se na sua cidade existem tantos?

    — Aceitar a presença deles em minha cidade não é o mesmo que gostar. Nunca confie em anões! É o único ensinamento que aprendi com meu pai e mantenho até hoje.

    — Essa história antiga de novo? Sério, a única coisa boa que Vanir fez foi nos ensinar a esquecer essas briguinhas entre espécies… — Maso quem falou. Ele era um elfo, um pouco mais alto que Geir. Não era especialmente bonito ou forte. Seus cabelos eram incrivelmente curtos. Nunca vi um elfo que o comprimento de seus cabelos ficasse acima dos ombros.

    Tala olhou seu irmão de espécie como se julgasse o que seria melhor fazer com ele: dar umas palmadas por ser tão petulante, ou xingá-lo por falar tamanha baboseira. Ela não fez nenhum dos dois.

    Antes que voltássemos a perder tempo com conversas sem sentido, Geir interviu:

    — Não temos a noite toda. Cada um suba em um búfalo. Precisamos sair daqui antes que nos notem.

    Todos decidimos cooperar. Sabíamos que a missão era mais importante que discutirmos entre nós.

    Depois que todos estavam montados, An’u ergueu as mãos e as abaixou. Uma passagem se abriu do teto, e uma rampa de pedra desceu, mostrando o céu noturno.

    Geir não perdeu tempo e seguiu na frente do grupo. Seus capangas foram atrás. Olhei para Tala e respirei fundo. Mais uma etapa de nossa viagem estava prestes a começar. Fiz carinho em minha montaria e seguimos o grupo improvável que nos guiava.


    Um dia depois, ainda não estávamos completamente entrosados com nossos novos companheiros. Tala ficou à minha direita, o mais longe possível de An’u. Geir deu poucas brechas para perguntarmos mais sobre seu passado.

    Montamos nosso primeiro acampamento, no final da tarde. Tentei tirar algumas informações de nossos guias.

    — Sabem quantos dias demoraremos para chegar até essa última base?

    Elear respondeu pelo grupo:

    — Como estamos em muitas pessoas, e precisamos parar com mais frequência que o normal, devemos demorar um dia a mais que a média. A última vez que fiz esse caminho, demorei duas semanas para chegar lá.

    — Mais duas semanas então… Geir, será que conseguimos fazer menos pausas, para chegarmos antes?

    — Não recomendo. O deserto começa pra valer agora. Precisamos tomar cuidado com a nossa saúde. Duas semanas seria em linha reta. Infelizmente precisaremos fazer um desvio para evitar as escavadoras.

    — É verdade, da última vez o mestre Primeiro estava conosco, e não precisamos nos preocupar com elas. Erro meu — An’u e Maso olharam com raiva para Elear. — O que foi..? Ah, eu chamei Primeiro de “mestre”… Desculpem-me, é que ele praticamente me criou. Hábito antigo.

    — Poderiam nos explicar o que são escavadoras? Também gostaria de saber mais sobre suas desavenças contra Vanir, se possível… Vocês entendem nossa curiosidade, não é mesmo? — Pedi.

    Os três capangas se entreolharam e depois olharam para Geir, esperando algum tipo de aprovação. Seu chefe apenas acenou, dando o aval para que contassem suas histórias.

    — Vamos por partes. As escavadoras são a calamidade do deserto. São como minhocas gigantes, com bocarras enormes, grandes o suficiente para engolir uma casa inteira. Elas são muito sensíveis a mana, pois se alimentam de lagartos ou outros animais ricos em mana que vivem no deserto. São as melhores rastreadoras de mana conhecidas em todo o Mundo. Precisaremos desviar a noroeste daqui, onde existe uma cadeia de rochas que seguem por quilômetros. As escavadoras evitam esse tipo de formação rochosa. Nossa viagem demorará, pelo menos, uns cinco dias a mais, devido a este desvio — Maso deu a breve palestra sobre a nova calamidade.

    — É a terceira calamidade que atravessa meu caminho. A primeira levou meu pai, a segunda praticamente levou Thermon… Não estou gostando nada desse padrão, Tala.

    — Não se preocupe, Jouci. Eu não vou a lugar nenhum — Talamaris entendeu o que eu estava falando. Se eu sempre perdia alguém querido quando me aproximava de uma calamidade, ela poderia ser a próxima.

    — Obrigado pela explicação sobre a calamidade. Agora podem falar sobre vocês?

    — Claro, mas queremos que falem de vocês antes — An’u exigiu essa “compensação” para contar suas histórias. Achei justo.

    Resumi meu caminho até ali. Contei sobre a floresta, meu pai falecido. Sobre Thermon vir comigo ao Sáfaro, atrás de informações sobre os atentados. Sobre como conheci Talamaris, e como Geir nos salvou. Eles pareciam bem animados com a história.

    — Nossa, seu trabalho é viajar pelo mundo? Que legal. Eu amo viajar — Falou Elear.

    — Você passou por muita merda, hein, Jouci. Meus pêsames, prima — Maso tentou me consolar.

    O jovem An’u apenas chorava em silêncio.

    — Não liguem para ele. Anões podem parecer marrentos por fora, mas são um poço de empatia — Geir comentou, quase caçoando.

    Uma fungada depois, An’u falou:

    — Ela perdeu o pai tão abruptamente, isso me fez lembrar de nós. Desculpem… — Mais uma fungada.

    — Me conte sobre você, An’u. Como veio parar nessa bagunça? — Tala estava tentando aceitar a companhia do jovem anão. Quase me assustei com ela falando diretamente com ele.

    Ele secou os olhos com as mangas da camisa e limpou a garganta antes de começar.

    — Irei adiantar a história dos meus outros dois amigos aqui. Somos órfãos criados por Vanir. A maioria das pessoas que trabalha para ele é órfã. A diferença é que alguns de nós somos órfãos pois ele nos tornou assim… Minha família vivia em um vilarejo perto do mar, a leste daqui — Ele fez uma pausa e olhou para o horizonte. — Soube muitos anos depois que Vanir ordenou que nosso vilarejo fosse queimado até virar cinzas, pois ele estava atrás de pessoas fortes. Como não encontrou ninguém assim, ele matou todos e ficou apenas com os bebês, que não poderiam lembrar do que ele fez. Fomos criados para sermos soldados perfeitos, que nunca desapontam seus comandos. Quando Geir me contou o que Vanir fez, meu mundo caiu sob meus pés. Tudo pelo o que lutei era uma mentira! Eu preciso fazer ele pagar. Todos nós precisamos! — As lágrimas de An’u se tornaram lágrimas de ódio. Ele fungou mais uma vez e limpou o rosto.

    Maso colocou a mão nas costas do amigo. Era uma cena que nunca pensei em ver: Um elfo consolando um anão. O jovem elfo falou.

    — Nossas histórias são idênticas. Vanir matou nossos pais, pois estava atrás de pessoas fortes para recrutar. Provavelmente ele devia fazer com essas “pessoas fortes” o mesmo que fez com o Chefe Geir. Só assim para alguém seguir um tirano depois que esse matasse sua família.

    Olhei para Geir e pedi:

    — Poderia terminar sua história? Eu gostaria de saber sobre essa tal “lavagem-cerebral” que comentou.

    Ele respirou fundo e começou a desenrolar as faixas de pano que envolviam sua cabeça. Se eu já não estivesse certa do que tinha embaixo, teriam me espantado.

    Um elfo-de-gelo, como eu e Thermon, olhava em minha direção. Suas feições eram severas e marcadas, como se ele tivesse vivido dez vidas a mais que eu. Seus cabelos eram curtos e muito brancos. Devia ter uns cem anos a mais que Thermon, já que seus olhos eram escuros como uma noite sem estrelas.

    — Você acertou quando perguntou se eu era como você. A verdade é que eu não me importo que nenhum de vocês saiba o que eu sou. Só inimigos que não podem saber, para evitar que usem nosso ponto fraco contra mim em uma batalha.

    Nisso eu tinha que concordar com ele. Elfos-de-gelo são muito sensíveis ao calor. Dependendo dos tipos de inimigos que formos enfrentar, se for criada uma área com muito calor, poderíamos não conseguir lutar.

    Ele continuou falando:

    — Não sei como Vanir fez, só sei que acordei sem lembranças aos pés dele, uns vinte e cinco anos atrás. Eu sabia poucas coisas, como falar ou escrever. Minhas memórias estavam ou embaralhadas ou simplesmente apagadas… Vocês sabem como é fácil persuadir uma pessoa que não lembra de nada? Tudo o que for dito para você se torna uma verdade absoluta. Lutei por Vanir durante vinte anos antes de lembrar algo concreto. Foi apenas um fragmento de memória. Lembrei de um nome e um sentimento. Lembrei de Thermon…

    — Thermon? Espere, as datas batem… Você é…

    — Meu nome verdadeiro eu lembrei um pouco depois disso. É Regi. Infelizmente não acho que seja possível que eu lembre de tudo antes da “lavagem cerebral”.

    — Você é pai de Thermon! — Me levantei com o susto devido a nova informação.

    Ele fez uma pausa, olhou para o chão aos meus pés e falou:

    — Regi era pai de Thermon. Eu sou Geir. Um assassino implacável, que matou centenas a mando de Vanir. Eu sequer lembro do rosto de Thermon, ou se eu tinha esposa… Só o que lembro e da sensação que tive quando ele nasceu. De quando peguei ele no colo pela primeira vez. Essa breve lembrança foi o suficiente para eu me rebelar contra Vanir. Claro, tenho mexido os pauzinhos por debaixo dos panos da organização há cinco anos, juntando forças para derrubarmos ele na hora certa.

    — Eu não me importo com isso agora, Geir. Não, Regi! Quando tudo isso acabar, eu juro te levar de volta. Sua esposa te espera em casa! Ah, Chandici, como você vai ficar feliz…

    Uma lágrima solitária desceu pelo rosto de Geir ao ouvir o nome de sua esposa.

    — Chan-Chandici? Minha Chandici? Eu- Eu me lembrei de algo. Não é muita coisa, mas me lembrei. Pelos deuses, como ela era linda — Ele colocou as mãos no rosto e começou a chorar. — Eu lembro de você, minha querida. Agora eu lembro!

    — Vai gostar de saber que ela ainda espera por você, Regi.

    Ele fungou um pouco antes de falar:

    — Fico feliz em ouvir isso, Jouci. Infelizmente ainda sou Geir. Os fragmentos de memória que tenho são tão frágeis, e pequenos, que nem posso chamá-los de memórias. Eu poderia estar na frente dela agora e ainda assim não faria diferença, sou outra pessoa…

    — Isso não importa. Você vai voltar para casa comigo, nem que eu te arraste pelo mar.

    Os três capangas e Talamaris começaram a rir com o que eu disse. Percebi só agora que todos eles ou choravam ou tinham os olhos cheios d’água com a história de Geir.

    — Temos mais um motivos para acabarmos logo com isso, pessoal. Vamos chutar a bunda de Vanir, para o chefe ter sua família de volta. Devemos isso a ele! — Maso falou por seus amigos.

    Decididos continuar a viagem imediatamente. Desfizemos nosso acampamento e voltamos a peregrinar pelo deserto.


    “As primeiras palavras de Thermon foram ‘papa’, de tanto que eu reclamava de Regi para ele, enquanto o ninava. Eles eram tão grudados… O sumiço do meu marido foi um baque muito forte para mim, mas nem consigo imaginar o quão ruim deve ter sido para Thermon.”

    Chandici Bela

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