Índice de Capítulo

    ALVO PRIMEIRO

    Silêncio.

    Quase consegui ouvir minha respiração de tão quieta que a plateia ficou.

    Um sorriso nefasto surgiu dos lábios de Cecena.

    Vaias.

    — O QUE? VIM PARA VER UM MASSACRE, NÃO ISSO! — Um garoto gritou.

    — BUUUU! — Vaias em uníssono.

    — CORTA ESSA! QUERO VER A LUTA!

    A plateia estava irada, e com razão. Se eu tivesse atravessado o continente, para ver um torneio, e, na última luta, um dos lutadores apenas desistisse, também estaria descontente.

    O narrador gritou por cima da plateia.

    — E POR DESISTÊNCIA, CECENA, DE SOUTO-CENTRAL, VENCE A ÚLTIMA RODADA DE “COMBATE DESARMADO COM MANA”!

    As vaias aumentaram.

    Dei meia volta e entrei pelo corredor por onde vim.

    Atrás de mim o Narrador falou:

    — A CERIMÔNIA DE ENTREGA DAS TAÇAS DOS CAMPEÕES VAI ACONTECER EM SEGUIDA, NÃO SAIAM AINDA!

    Antes de entrar no corredor percebi muita gente se levantando irritada, se amontoando para saírem da arena.

    Percebi também algo vindo em minha direção, virei meu rosto para ver o que era. Um tomate se aproximava de mim.

    Não desviei.

    O interior do vegetal estava podre, e escorreu pelo meu rosto e tórax.

    Acendi minha aura e vaporizei o alimento. Olhei irritado na direção que o tomate veio, mas era impossível saber quem arremessou. Desativei minha aura e continuei a “caminhada de derrota”.

    Já nos corredores, umas quatro pessoas, que eu já vi zanzando por ali, me pararam com papel e pena nas mãos.

    — Alvo, por favor, nos diga por quê desistiu de uma luta ganha? — Uma moça desse grupo falou primeiro.

    — Senhor Alvo, Senhor Alvo. Nos dê uma entrevista para relatamos o ocorrido em nosso jornal, por favor! — Um rapaz franzino, com menos de quinze verões, falou depois da moça.

    — Não tenho o que relatar. Eu não merecia vencer, só isso!

    — Ah, entendi! O senhor não queria vencer o torneio. Só estava aqui para evitar os planos do anões, correto? Que humilde de sua parte, não roubar o prêmio de quem se registrou para lutar de forma justa…

    “Lutar de forma justa? Que piada!”, pensei.

    Dei um murro na parede à direita, que estava mais próxima a mim, assustando os repórteres. Não fortaleci meu punho com mana, pois queria sentir a dor. O ponto do impacto rachou um pouco. Não olhei diretamente para meu punho, mas eu tinha certeza que estava sangrando.

    A fala da moça tentava montar um quebra-cabeças com peças erradas. Aquilo me irritou, mas não a desmenti. Era melhor assim.

    Continuei andando em silêncio, deixando o grupo de jornalistas assustados para trás.

    Algumas pessoas dos bastidores me viam no caminho, mas ninguém fez menção de se aproximar. Eu não devia estar com a melhor das expressões no rosto.

    Chegando no meu vestiário, Listro, Mendir, Pírio e Tobin já estavam lá. O Senhor Ujikar entrou logo depois de mim.

    — Que merda foi aquela, Alvo? Não tínhamos um trato? — O Velhote fez menção em avançar em minha direção, mas percebeu contra quem estava lidando, e se reteve.

    — Peço desculpas, Ujikar. Algo apareceu, e não pude continuar com a luta… Listro, pode dar ao senhor Ujikar umas quinhentas moedas de ouro, pelo incômodo?

    — Mas… — Listro tentou protestar.

    — Por favor! — Olhei irritado para ela, que percebeu que não era exatamente um “pedido”.

    — Tudo bem. Trouxe um valor próximo a isso por precaução. Aqui está, senhor.

    Listro pegou a algibeira que trazia consigo, retirou um punhado de moedas e estendeu o saco todo para Ujikar.

    — Isso não cobre nem as despesas da hospedaria da equipe…

    — Prefere não receber nada, então? — Falei, rispidamente.

    O velho respirou fundo e engoliu a raiva.

    — Está bem… Mas fique longe de Laguna-Oeste. Não quero mais me envolver com você e essa sua patota…

    O velhote apenas pegou a algibeira, deu meia volta e saiu do recinto.

    Pírio cortou o silêncio assim que Ujikar saiu.

    — Que porra foi aquela?

    — Olha a boca, Pírio… Mas sim, que porra foi aquela? — Listro também falou.

    Tobin fez menção em me cobrar, mas levantei os braços em rendição. Ele não falou.

    Sentei num banco, bati a parte de trás da minha cabeça contra a parede, e falei:

    — Cecena ameaçou falar “mal de mim” para todos se eu não desistisse.

    — “Falar mal”? Como assim? — Mendir participou da conversa.

    — Cecena iria me acusar de ter tido relações íntimas à força com ela…

    Eles ficaram em absoluto silêncio. Listro falou depois de um tempo.

    — E você fez isso?

    — Não que eu me lembre… Comecei a beber ontem e acordei com ela deitada em minha cama. Ainda estávamos vestidos, então não acredito que tenhamos feito alguma coisa além de dormir.

    Olhei para Listro. Ela não conseguia sustentar meu olhar.

    — Olha, eu sou o tipo de bêbado com amnésia, tá? Não sei mesmo o que fiz ontem… Ela falou que tinha testemunhas, que me viram com ela no bar e travei… Fiquei sem opções.

    — Aquela vaca! Ela se aproximou de mim só para te afetar? Como pude ser tão ingênua?

    — O que aconteceu com vocês ontem a noite? É só eu me afastar um pouco que vocês fazem burrada! — Pírio tentou brincar com a situação.

    — Não é hora para isso, Pírio! — Mendir falou.

    — Com uma desconhecida ele se deita… — Listro quase sussurrou esta frase, mas todos a ouviram bem.

    — Ahem! — Forcei uma tosse — Enfim, fui pressionado e não sabia o que fazer, então desisti.

    — Ven’e não vai ficar nada feliz com isso… Ele vai ser obrigado a dar a armadura de cristal para Cecena agora — Tobin nos lembrou.

    — Bem, nosso trato não foi quebrado. Falei que se vencesse a armadura seria dele. Os anões terão que ceder o artefato para ela…

    Listro se sentou do lado oposto da sala, o mais longe que podia de mim. Ela suspirou e disse:

    — Há males que vem para o bem.

    Eu, Mendir, Pírio e Tobin nos entreolhamos.

    — O que quer dizer com isso? — Pírio perguntou.

    — Agora que o artefato vai estar em posse de Cecena, não terá ninguém que possa evitar que ele seja, misteriosamente, roubado…

    — Você é um gênio, Listro! — Pela expressão dos rapazes, todos concordavam com o que falei.


    Fomos a cerimônia de premiação. Ficamos na arquibancada, apenas observando.

    Haviam pouquíssimas pessoas presentes.

    O vencedor de cada categoria estava no centro da arena, recebendo um buquê de flores e uma pequena taça dourada.

    Quando chegou a vez de Cecena receber seu prêmio, um anão se aproximou e entregou a ela uma caixa de metal, não muito maior que a cabeça dela. Havia uma expressão de nojo estampada na face do anão, quando este entregou o artefato. Ele se afastou o mais rápido que pôde.

    Consegui encontrar onde o grupo dos anões se amontoaram para assistir. Tentei encontrar Ven’e ali, mas ele não estava.

    Cecena acenou para o pouco público presente, e me encontrou na plateia.

    Ela deu um sorriso travesso, e mandou um beijo em minha direção.

    Estava prestes a xingá-la mentalmente quando ouvi Listro dizer atrás de mim:

    — Vaca! Você não perde por esperar…

    Ignorei a idiotice de Cecena e continuei assistindo a premiação.

    Depois dos prêmios entregues, o Narrador falou:

    — COM ISSO, FINALIZAMOS A SEXAGÉSIMA SÉTIMA EDIÇÃO DO “TORNEIO OLANA”. ESPERO VÊ-LOS NA PRÓXIMA EDIÇÃO… MAS, SEM ESCOLHIDOS DA PRÓXIMA VEZ!

    O narrador olhou em minha direção com uma expressão irritada, pois eu estava a poucos metros à esquerda do palanque onde ele fazia as apresentações. Olhei para ele, levantei os braços em rendição, pela terceira vez no dia, e parte do público deu gargalhadas.

    Com isso o torneio acabou, e todos se dirigiram às saídas. Cecena olhou mais uma vez em nossa direção e deu um “tchauzinho” com a mão que não segurava a caixa da armadura.

    — Concordo com Listro. Ela é uma vaca! — Tobin cochichou ao meu lado.

    Com todos saindo, algo me dizia para continuar ali, então pedi para que meu grupo não saísse.

    Quando o que restou foi apenas o pessoal da organização do torneio, meu grupo, e um grupo de anões, que identifiquei como os anciões que davam ordens para Ven’e, decidi levantar.

    Nesse momento senti uma onda de mana bruta à minha esquerda. Eu sabia de quem era antes de olhar.

    — Olá, meu mais baixo amigo. Como está? — Me virei para Ven’e, que parecia muito irritado.

    — Você prometeu que ia vencer! Seu calhorda!

    — Calhorda? O que isso significa? — Tentei brincar.

    — Não se faça de bobo, Alvo. Por quê fez aquilo? — Ven’e começou a subir os degraus da arquibancada em minha direção com muita mana acumulada ao seu redor.

    — Eu posso te contar depois, meu amigo. Por agora, você pode baixar suas defesas?

    — Não sou seu amigo, humano estupido!

    — Ei, ei, ei. Calma lá. Estamos no mesmo barco aqui. Acha mesmo que eu iria desistir daquela “bolada” em ouro que me prometeu? Posso não ser o mais inteligente, mas não sou tão burro assim.

    Ele ficou cara a cara comigo, a menos de um palmo de distância. Para mostrar que não queria hostilidades, não me protegi nem com mana nem com a mãos. Estava mesmo querendo ser sensato.

    — Então fale, “humano”. Por que fez aquilo? Por qual motivo me desgraçou de tal forma? — O Anão cruzou os braços, mas não parou de me oprimir com sua mana. Isso estava afetando mais o pessoal do meu grupo do que a mim.

    — Como é um assunto delicado, te conto no meu vestiário. Você vai entender — comecei a descer as escadas e falei — Me siga. Pessoal, fiquem aqui por enquanto.


    Já no vestiário, contei tudo a Ven’e. Desde a noite anterior, onde me embebedei, até o momento em que Listro teve a ideia de roubar a armadura de Cecena.

    — Pelas barbas da minha mãe… Que merda você se meteu, hein! Então, tem um plano para roubar a armadura da bruaca que te enganou?

    — Sim. E para isso precisamos da sua ajuda.

    — O que quer de mim? Lembre-se que ainda preciso da armadura de volta, Alvo.

    — Eu sei, eu sei. Por mais que eu queira o artefato, é mais útil ficar com você, por enquanto…

    — Hunf, o que quer dizer com “por enquanto”? — O anão parecia desconfiado.

    — Estou só querendo te irritar, meu “mais baixo amigo”. Venha, precisamos ser rápidos.

    Ofereci uma das cadeiras para ele.. Depois de nos sentarmos, ele disse:

    — Desembucha!

    — Precisamos de uma réplica da armadura. Algo que caiba naquela caixa pequena que deram a ela e que, obviamente, a engane, fazendo-a acreditar que é a armadura de cristal. Acha que consegue fazer algo assim?

    — Hmmm… Talvez. Acho que consigo fazer uma em uns três dias, se tiver acesso a uma forja boa.

    — Três dias? Precisamos de uma réplica nos próximos ciclos.

    — Ciclos? Nunca vou entender esse jeito de contar o tempo dos humanos… Seria para hoje então?

    — Depois você reclama das minhas tradições. Sim, seria para hoje… Não consegue fazer algo mais simples, mas que possa enganar os olhos de um humano não treinado?

    Ele pensou um pouco e falou.

    — Consigo, mas o valor do material usado será removido da sua parte do pagamento…

    — Tá… Quanto isso vai me custar? — Comecei a ficar irritado.

    — Vejamos, para enganar um humano não preciso de muito esforço, mas terei que usar um ferridium mais puro, e isso é bastante caro… Creio que será necessário descontar três mil moedas de ouro do seu pagamento. Isso sem incluir a mão de obra.

    Levantei da cadeira antes de reclamar:

    — Três mil?? Está achando que sou idiota?

    — Sim, eu te acho um idiota… Quem bebe antes de uma final de campeonato? Pelo deus vermelho, que maluquice…

    — Faça a réplica por dois mil, baixando minha parte no acordo para oito mil, e trato feito!

    — Não acredito que vou dizer isso, mas tudo bem. Vamos pôr as mãos na massa! — O anão se levantou também e começou a se alongar.

    — Nós?

    — Oras, você tem força. Isso vai ser muito útil na hora da forja. Me siga.


    Percorremos alguns quarteirões até encontrarmos uma forja, nos arredores da pequena cidade de Kelcor. Eu e Ven’e éramos seguidos por Mendir e Tobin.

    Listro e Pírio não estavam conosco, pois a missão deles era conseguir informações sobre Cecena antes que ela saísse da cidade.

    Entramos na pequena forja onde dois homens estavam trabalhando. Ven’e olhou ao redor e falou:

    — Vai servir! Ei, quem dos dois é o dono dessa pocilga?

    Os humanos pareciam confusos. O mais velho deles disse:

    — Eu, por quê?

    — Queremos alugar o local durante o restante do dia. Aqui, isso deve facilitar sua decisão.

    Ven’e arremessou um pequeno saco com moedas de ouro. O humano pegou e conferiu quanto tinha.

    — Trezentas moedas!? Usem como quiserem, só não quebram o lugar! Roan, vamos!

    Assim os dois saíram, sem mais perguntas. Provavelmente o lugar todo valia menos que aquilo.

    Antes de virmos a esta forja, passamos no mercado e Ven’e gastou boas quantias de ouro em dois sacos pesados com pedras. O escolhido dos anões nos falou que estas pedras são a base do que se tornará ferridium.

    — Ei, magrelo. Arrume o máximo de carvão que conseguir e traga aqui — Ven’e apontou para Mendir, que suspirou, mas foi atrás do que foi solicitado. — Garoto, precisaremos de água sem impurezas. Seu trabalho é conseguir o máximo que puder e colocar neste barril.

    — Como vou fazer isso? — Tobin protestou.

    — Se vira!

    Assisti tudo calado. Ali eu era apenas mão de obra.

    Ven’e tirou a couraça de couro que usava na parte de cima da cintura, deixando à mostra sua pele. O anão era barrigudo, porém muito musculoso. Haviam diversas cicatrizes espalhadas irregularmente pelo seu tórax e braços,

    — Vamos trabalhar! Alvo, pegue aquela marreta e quebre as rochas que compramos dentro deste buraco — ele fez um movimento de socar o ar para baixo e apareceu um buraco côncavo a minha frente, não era fundo ou muito grande. — Precisa ser feito manualmente. Ferridium puro não é muito reativo a mana, então minhas habilidades não seriam muito úteis para isso.

    — Perfeito, mãos na massa!

    Marretei e marretei. As rochas eram especialmente resistentes, mas não duravam mais que duas marretadas para se esmigalharem em pedaços menores e menores.

    Ven’e focou no forno da forja. Ele olhava as chamas como Tobin olhava o rio ao pescar. Era como estar em transe. Mendir trazia carvão, e Ven’e alimentava o forno. Ao seu lado, havia um fole quase do seu tamanho, que soprava lufadas de ar periodicamente sempre que uma corda presa a uma roldana era puxada.

    Eu também havia tirado minha camisa, devido ao calor intenso do local. Eu e Ven’e suávamos profusamente.

    — Está bom assim? — Perguntei.

    Ven’e se aproximou, olhou o buraco em que as pedras estavam esmigalhadas e me olhou com cara de desgosto.

    — Chama isso de marretar? Me dê isso aqui!

    Ele puxou a marreta da minha mão e começou a fazer meu trabalho. Devo admitir que a técnica do anão era muito melhor que a minha. O que ele fez com três marretadas eu não fiz com dez.

    — Aprendeu? Agora continue, o forno está muito frio ainda… — E me devolveu a marreta.

    — O que? Estamos quase derretendo aqui, como ainda está frio?

    — Ah, não sabia que você tinha uma técnica melhor para forjar ferridium puro. Pois bem, me mostre!

    — Tá bom, desculpe por me intrometer… Vou continuar aqui.

    Depois do que pareceu um ciclo quebrando as pedras, Ven’e se aproximou e falou:

    — Até que enfim, agora está bom. Pode parar.

    Ele pegou um grande molde de metal com formato retangular e deixou ao lado do buraco com ferridium em pó. O anão usou suas habilidades e fez com que todo o buraco saísse do chão, como um prato de pedra. Todo o ferridium ali foi colocado no molde.

    Com cuidado Ven’e colocou o molde diretamente nas chamas e falou:

    — Ainda está muito frio. Esta forja é muito pequena. Acha que consegue ajudar a derreter o ferridium com sua aura?

    — Posso tentar.

    Com o molde ainda no forno, acendi minha aura apenas na mão e me aproximei do ferridium.

    — Isso, continue assim. Vou aproveitar e fazer os moldes de barro.

    Ven’e controlou um pouco de barro que estava no fundo do recinto e fez com que eles ficassem com formatos que, para mim, pareciam abstratos, sobrando pequenos buracos em cada um deles. Contei pelo menos trinta destes moldes.

    Quando o anão entendeu que o metal havia derretido o suficiente, ele gritou:

    — MOLEQUE, ONDE ESTÁ MINHA ÁGUA?

    — Estamos chegando. Mendir está me ajudando aqui.

    Tobin e Mendir trouxeram o barril com dificuldade pela porta. Com minha ajuda colocamos o barril perto das chamas.

    Ven’e criou o que pareciam luvas de pedra e segurou o metal incandescente, apoiando em uma bigorna a forma quase gelatinosa de rocha derretida. Com a habilidade de um mestre, o anão martelava e martelava.

    — Estou pulando algumas etapas do processo. Só preciso facilitar a retirada de impurezas e logo estará pronto. Alvo, pegue aquela marreta e me ajude. Acerte qualquer bolha, pedaço escuro ou qualquer parte que pareça diferente…

    — Isso foi muito vago…

    — Só martele!

    Continuamos a acertar o metal e algo começou a acontecer. Parecia que a cada batida o ferridium expelia impurezas de dentro de si, como possíveis bolhas de ar, ou pedaços de rocha ainda não derretida.

    — Pare de bater!

    Ven’e puxou o metal retorcido e mergulhou no barril. A água chiou, como se reclamasse por estar sendo perturbada com aquilo.

    Então o anão colocou o metal novamente dentro do forno.

    — Vamos continuar com este processo mais algumas vezes. Tente ajudar a derreter o ferridium como fez da última vez. Isso está dando mais certo do que imaginei…

    Muito suor, marretadas e vapor d’água depois, Ven’e disse:

    — Está puro! Agora preciso derreter a ponto do metal ficar quase líquido. Acha que consegue?

    Não havia percebido, mas eu ofegava bastante. Este processo me desgastou mais do que imaginei.

    — Consigo. Vamos lá!

    Intensifiquei minha aura, quase tocando diretamente o metal incandescente. Ferridium estava quase borbulhando quando Ven’e gritou:

    — PERFEITO! MINHA VEZ.

    Eu, Mendir e Tobin nos afastamos. Os moldes de barro flutuam ao redor do anão, colocados enfileirados, suspensos no ar.

    O metal líquido foi delicadamente derramado dentro de cada molde de barro, um a um. Nem uma gota foi perdida.

    Assim que o último molde de barro foi preenchido com o ferridium, Ven’e suspirou profundamente, aliviado:

    — Deu tudo certo. Agora só precisamos montar o quebra cabeças.

    Ele desfez os moldes de barro revelando pedaços perfeitamente lisos, em formatos que ainda não faziam sentido para mim. As peças caíram no chão Ven’e coletou uma a uma e as jogou no que sobrou da água no barril. Tanto para limpar os restos de barro, quanto para terminar de resfriar o metal.

    — Sentem no chão, façam um círculo. Vão aprender a montar um quebra-cabeças de metal em três dimensões.

    Ele entregou uma quantidade fixa de peças para cada um e nos orientou o melhor que pode para cada um conseguir unir os pedaços, formando o exterior do que, no final, se tornaria uma armadura em escamas metálicas.

    Com a ajuda do anão o processo foi, de certa forma, divertido.

    — Está pronto. Esse lixo, todo impuro e mal feito, foi o melhor que consegui fazer em menos de um dia.

    — Do que está falando? Esta armadura é incrível! Nunca usei nada que chegasse perto dessa qualidade — falei.

    — Chama esse lixo de “incrível”? É, humanos tem olhos muito ruins mesmo.

    — E agora? — Mendir perguntou.

    — Vai ser a vez de Listro. Ven’e, consegue construir uma caixa de metal parecida com a que vocês entregaram a armadura para Cecena?

    — Faço isso de olhos fechados.

    Ele, que estava sentado, se levantou e começou a remexer os metais e ferramentas da forja. Ele criou a caixa metálica tão rápido que mal acreditei.

    Com a caixa pronta, e a armadura perfeitamente encaixada lá dentro, nos despedimos da forja.


    Ainda não havia escurecido quando voltamos para a pousada. Ven’e voltou para seu grupo, então o restante do plano estava por nossa conta.

    Listro estava no seu quarto, e parecia ansiosa.

    — E aí, conseguiram?

    — Sim, aqui, uma réplica de armadura de cristal — mostrei a caixa metálica fechada para ela.

    — Ótimo. Eu e Pírio descobrimos onde Cecena e seu grupo estão. Eles vão voltar para Solto-central amanhã cedo. Se vamos fazer, precisa ser hoje!

    — Onde está o Pírio? — Tobin perguntou.

    — Ele ficou perto de onde Cecena está. Assim temos vantagem se algo de estranho ocorrer.

    — Sabe como vai enganar a vaca? — Mendir perguntou

    — Quando ela me enganou para se aproximar de Alvo, falei muita coisa ruim dele. Acho que ela não vai estranhar se eu for lá, parabenizá-la…

    — Que coisas ruins falou de mim?

    — Isso fica para depois, não temos muito tempo!

    Ela pegou a caixa do meu braço, colocou um lençol por cima e abriu a porta. Segurando o embrulho, falou:

    — Não me esperem acordados. Eu mesma resolvo isso!


    “Ferridium é mais raro que diamante. As cores das pedras que escondem o metal são muito aleatórias, podendo causar confusão até no anão mais bem treinado. O preço do quilo do ferridium varia entre mil e quinhentas a duas mil moedas de ouro”

    Ven’e Ametis

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