Capítulo 43 - Carona inusitada
THERMON AGOURO
A adrenalina e o desespero para sair logo daquele lugar desprezível, me fez não questionar nada até aquele momento. Quando um anão abriu um buraco na parede da caverna, e falou que Vanir e todos os seus seguidores, fugiram da base, não consegui me conter, e perguntei:
— Sei que estamos com pressa e muita coisa está acontecendo, mas alguém pode nos contar como nos acharam?
Eu e Fenda, o escolhido dos Lizards, não sabíamos muito sobre o que estava acontecendo.
— Resumindo, de maneira bem simplificada, nosso amigo aqui, Geir, nos guiou por entre algumas bases da Rosa-dos-ventos, reunimos aliados, e libertamos vocês dois — Talamaris, a Elfa de olhar sério, me respondeu.
— Não sei se precisamos ter pressa… Nenhum soldado de Vanir ficou para trás. A base está vazia! — O anão, que vinha em nossa direção, falou. Ele parecia muito jovem para fazer parte disso.
Neste momento ouvimos uma explosão contida, e um tremor forte, como se todo o lugar estivesse entrando em colapso.
— Achei que nunca veria isso… Vamos correr, antes que sejamos soterrados! — O homem todo enfaixado, que, se não me engano, se chama Geir, alertou.
— Depois nos explique o que está acontecendo. Vamos! — Jouci começou a conduzir nosso grupo pelo túnel, aberto pelo anão.
Corremos e corremos. O corredor era estreito, então precisamos nos locomover enfileirados.
Pouco tempo depois, percebi uma brisa gelada, algo que achava que nunca mais poderia me dar ao prazer de sentir.
Estávamos fora da base de Vanir!
Era de noite. Saímos diretamente em um deserto gigantesco, que seguia até onde a vista alcançava.
— Continuem correndo! A base toda vai implodir. Podemos ser pegos pelos destroços! — Geir alertou.
Mais um barulho de pedra explodindo, e mais tremores por parte da estrutura rochosa atrás de nós.
Nos afastamos uma centena de metros, o suficiente para vislumbrarmos a base inteira sucumbir pelo seu próprio peso. O que antes parecia uma montanha alaranjada em meio ao deserto, agora não passava de um gigantesco amontoado de pequenos pedregulhos.
A poeira que a implosão deste lugar causou, poderia ser vista a quilômetros dali.
Nos afastamos um pouco mais de onde antes era a base de Vanir, e Geir falou:
— Isso tudo foi o sistema de “segurança” da base. Quando a construíram, Vanir pediu para ter algum meio para “destruir tudo”, caso ele ficasse sem opções — Geir parecia bastante contemplativo ao falar, mesmo com o rosto enfaixado. — Acabou que ele estava certo. Se a base não tivesse esse sistema, poderíamos coletar diversas informações sobre a Rosa-dos-ventos, em documentos espalhados por lá… Mas isso não importa agora. A metade mais importante do plano deu certo. Thermon está a salvo!
— Obrigado, eu acho — falei.
— Então, Thermon — Jouci falou, ao meu lado. — Quero que conheça melhor nosso guia, Geir.
— “Melhor”? Como assim?
— Jouci, agora não! — Geir protestou.
— Mas Geir… Ele é… E você…
Antes que ela pudesse continuar, ouvimos algumas pessoas ofegantes, vindo em nossa direção. Ainda havia bastante poeira, então não tínhamos como saber exatamente quem eram até se aproximarem o suficiente.
— Maso, Elear, estão bem? — Talamaris falou com os rapazes, que vinha em nossa direção.
Ao se aproximarem o suficiente, ambos aparentavam bastante cansaço.
— Senhor Geir, temos um problema. A Calamidade nos ajudou com Primeiro, mas agora ela está por aqui. Precisamos encontrar um lugar seguro! — O rapaz, que provavelmente se chama Elear, falou.
— Eu havia me esquecido! Retraiam suas manas para perto de seus corpos, imediatamente! — Geir falou, em tom de desespero.
Antes que pudéssemos seguir com as orientações de Geir, o chão abaixo de nós começou a vibrar, cada vez mais forte.
— Corram! Se afastem o máximo que puderem uns dos outros! — O jovem anão gritou.
Sem tempo para pensarmos, nos afastamos o máximo que conseguimos, antes de uma explosão de areia e detritos surgir bem onde estávamos, alguns poucos instantes atrás.
O barulho da areia e das pedras subindo aos céus, enquanto um ser gigantesco emergia, fez cada fibra do meu ser estremecer de medo.
— Thermon, gelo. Ataque a criatura com o máximo de gelo que conseguir! — Jouci falou ao meu lado.
A minhoca voltou a cavar o chão, então tive tempo de reunir água da atmosfera, pronto para a próxima investida do ser colossal.
Novamente o chão sob meus pés vibrou, e eu sabia que era hora de correr. Quase fui engolido dessa vez.
Criei diversas estacas de gelo e empalei a cada segmento do anelídeo gigante, enquanto ele emergia do solo. A criatura soltou um guincho agudo e rouco, que parecia muito um protesto desesperado.
Assim que a criatura voltou ao chão, não sentimos mais as areias do deserto vibrarem abaixo de nós. Consegui afugentar a calamidade.
Fenda, meu novo amigo e escolhido dos Lizards, se aproximou antes do restante do grupo, e disse:
— Nem mesmo eu conseguiria afugentar esta minhoca com tanta facilidade (estalo de língua). Parabéns pelo feito!
— É, devo admitir que aquilo foi incrível! — O garoto elfo, de nome Maso, falou quando o restante do grupo se reuniu.
Todos nos olhamos, ainda não acreditando em tudo o que havia acontecido. Nosso grupo tinha oito pessoas no momento. Tantas pessoas que não conhecia tão bem, mas, mesmo assim, algo me dizia que eu poderia confiar minha vida a eles.
Ter eles ao meu lado fez eu me sentir a salvo, pela primeira vez em muito tempo.
Quando percebi isso, falei:
— Estou livre! — Uma lágrima solitária desceu pelo meu rosto.
Jouci, me abraçou e começou a chorar junto comigo.
— Sim, bobão, você está livre! Tenho tanta coisa para te contar!
Acampamos a alguns quilômetros de distância da destruída “Jóia do deserto”. Não tínhamos quase nenhum suprimento, além de poucos pedaços de carne seca, que Jouci e Geir traziam em suas bolsas.
Estávamos ao relento, mas conseguimos criar uma pequena fogueira, com gravetos secos, que encontramos espalhados pelo deserto.
— Precisamos definir qual será nosso próximo passo. Libertamos Thermon, mas Vanir ainda está à solta, e ele sabe que sou um traidor! — Geir trouxe o assunto à tona. — Thermon, claramente não quero te forçar a nada, mas poderia nos ajudar a caçar e dar um fim a Vanir?
— Que bom que perguntou. Iria atrás dele mesmo que não me chamasse. Jouci, nosso lar corre perigo! — Avisei minha companheira de viagem.
— O que quer dizer com isso? — Ela indagou.
— Nas longas semanas que estive com Vanir, fui torturado diversas vezes… Às vezes ele só queria saber coisas triviais, como minha idade e o que já vi em minhas viagens, mas na maior parte do tempo ele queria informações mais “privilegiadas”, por asism dizer.Ele buscava informações sobre os elfos-de-gelo, senhor Tomoga, e afins.
— Certo… — Jouci parecia cada vez mais aflita, conforme as luzes bruxuleantes da fogueira iluminavam seu rosto.
— Ele arrancou de mim uma informação, que o fez ficar extremamente animado… Lembra, na última reunião que tivemos, com todos os chefes de aldeias, lá no polo sul?
— Lembro.
— Então, nessa reunião o senhor Efab comentou daquela descoberta, sobre “mana bruta infinita”, ou algo do tipo… Fui torturado por dias, para que Vanir conseguisse extrair cada mínimo detalhe sobre isso. Ele me machucava, e me curava. Machucava, e depois curava. Não sei como consegui manter minha mente sã, depois de tanta dor…
— Thermon, me desculpe, eu não sabia… — Jouci ficou consternada com esta informação.
— Não se preocupe, Jou. Estou bem agora. Ainda estou meio em choque, pois não achei que veria o céu novamente — dei um abraço forte em minha amiga.
— (Estalo de língua, e dois chiados seguidos) Então, o que acha que Vanir vai fazer com esta informação? — Fenda me perguntou.
— Ao que tudo indica, ele quer tomar o controle desta descoberta feita pelos “Magos Gelados”, no polo sul. Se me lembro bem, ele comentou algo como “Com isso não precisarei dos mais dos escolhidos”. E, além disso, ele parecia com pressa, como se precisasse chegar no polo sul o quanto antes.
— Então temos uma direção a seguir: O polo sul! — Geir exclamou.
— Fenda, você vem conosco? Precisaremos de toda ajuda possível para defender o polo sul — pedi ao escolhido dos lizards.
— Farei o possível para ajudar (um pequeno rosnado, e três chiados). Antes, preciso voltar à minha aldeia, e falar sobre tudo o que aconteceu.
— Precisa de companhia até lá? — Talamaris perguntou por mim.
— Não, o deserto é minha casa (alguns estalos de língua). Sei onde estamos. Não vai demorar para encontrar minha aldeia. Farei o possível para levar o máximo de guerreiros da minha terra para sua casa, Thermon.
— Vou te passar umas coordenadas, para facilitar sua viagem ao polo sul — Jouci se aproximou do Lizard, começando a falar sobre direções, bússolas e orientações usando as estrelas. Eu mal entendia o básico disso.
Todos do grupo pareciam determinados, o que me motivou bastante.
— O que falta agora é voltarmos para Lires. Temos uma viagem muito grande pela frente… — Falei.
— Por agora, vamos tentar descansar. Tivemos uma noite muito cansativa — O anão, que agora eu sabia se chamar An’u, falou.
Tentamos descansar o máximo que fosse possível naquela madrugada ao relento. Jouci deixou eu apoiar minha cabeça em seu colo, enquanto ela apoiou suas costas em uma formação de pedra, que lembrava uma pequena mureta. Dormi com ela fazendo carinho em meus cabelos.
Branco.
Tudo estava branco em meu sonho. Uma sensação de frio, que deveria ser mortal para mim, acontecia o tempo todo, mas não me causava dor ou incômodos.
Eu não entendia o que poderia estar acontecendo, só sabia que, neste momento, eu não era eu, e sim algo maior e mais complexo. Eu era tudo e tudo era branco.
O sonho durou o que pareceram vários dias, até eu acordar, com a claridade extrema do sol do deserto, acertando o meu rosto.
Todos haviam se levantado, mas não sabíamos como prosseguir. O deserto de dia era um inimigo, que não poderíamos derrotar.
— Thermon, faça isso com o gelo sob sua pele, assim conseguirá aguentar o calor daqui.
Jouci me ensinou a usar gelo para proteger meu corpo contra as altas temperaturas daquele ambiente. A fina camada de gelo, que poderia derreter a qualquer momento, precisava ser mantida com mana. Era uma tarefa difícil, pois exigia concentração constante. Agora eu sei como ela conseguiu chegar até aqui, após tantos dias no deserto.
An’u jogou uns farrapos para mim, pois saí seminu do cárcere que fui mantido, mas aquele amontoado de panos estava longe de serem vestimentas.
— Não temos perspectiva de viajar durante o dia. Ninguém, além do nosso amigo lizard aqui, conseguiria aguentar essas temperaturas — Geir comentou.
— Para ajudar, estou bastante enjoado esta manhã, qual será o motivo? Também tive um sonho estranho… — Comentei com Jouci.
Antes que ela pudesse responder o que falei, vimos uma sombra passar por cima de nós. Era difícil olhar para cima, devido a claridade do deserto, mas conseguimos vislumbrar o que estava acontecendo.
Três pássaros gigantescos se aproximavam pelo alto. Seus bicos eram imensos, e suas penugens eram acinzentadas.
Todos ficamos em alerta, prontos para retaliar qualquer possível ataque, mas Jouci falou, quase gritando:
— Pessoal, não ataquem! Acho que sei “quem” é.
Mesmo receosos, não fizemos nada contra os animais. Ainda nos mantivemos em alerta.
— Krane, é você? — Jouci se aproximou devagar, com as mãos para o alto, mostrando que não era uma ameaça.
O maior dos pássaros deu um passo à frente, e grasnou animadamente.
— É você mesmo! Geir, Tala, lembram quando falei sobre o pássaro gigante, que me entendia? Bem, conheçam a Krane. Krane, esses são meus amigos.
Com isso o animal fez um movimento, que lembrava muito uma reverência.
— Uau… Como isso é possível? — Maso, o elfo adolescente, estava abismado. — Mesmo entre os elfos, nunca ouvi histórias de um animal tão inteligente.
O elfo se aproximou, querendo fazer carinho na ave, que não protestou.
— Eu disse, Geir. Ela não é só uma “empatucano”, ela me entende!
— Bem, devo admitir, estou sem palavras — Geir não se moveu desde a aterrissagem dos animais.
— O que estão fazendo aqui, amigos? — Maso perguntou a Krane.
Ela deu alguns grasnados, e moveu o bico para trás, como se apontasse em direção ao sul.
— Entendi, entendi… Ela quer nos ajudar, digo, te ajudar, Jouci. A Krane, e seus dois irmãos ali, querem nos dar uma carona até sairmos do deserto.
— Elfos conseguem falar com animais? — Jouci perguntou, abismada.
— Nem todos, é uma habilidade muito rara — Maso respondeu.
— Sorte a nossa — Elear, o garoto humano, comentou.
— Krane, como sabia que precisávamos de ajuda? — Jouci perguntou diretamente ao pássaro.
A ave bateu levemente as asas e grasnou, Maso traduziu:
— Ela disse que apenas estava seguindo ordens, só não sabia de quem.
— Bem, isso é meio suspeito, mas não temos muita escolha. Vamos nos apressar. A prioridade é voltarmos ao Polo Sul, o quanto antes! — Geir falou.
Me virei para meu companheiro escolhido e disse:
— Fenda, nos encontre assim que puder, tudo bem? Estarei esperando você com um ensopado de leão-marinho, que te prometi, quando estávamos presos — dei um abraço no Lizard, que retribuiu o aperto. Nos tornamos bastante próximos, devido ao nosso cárcere compartilhado.
— Fiquem bem, meus novos amigos (Um estalar de língua, e dois chiados). Vamos acabar com Vanir, garanto! — O Lizard deu meia-volta, e começou a correr sob suas quatro patas. Sua velocidade era espantosamente alta. O vimos sumir por entre as dunas.
— Tudo bem pessoal, vamos nos dividir — falou Jouci. — Maso e Anu’u, subam no pássaro à esquerda. Elear e Talamaris, subam no da direita. Eu, Thermon e Geir vamos seguir com Krane.
Neste momento percebi algo, devido ao modo como Jouci vem agindo nesses últimos dois dias. Sempre que ela podia, queria deixar Geir e eu mais próximos. Até aquele momento não entendia o motivo disso.
Bem, teríamos algum tempo para conversar, enquanto voamos nos pássaros.
Quando todos subimos nas costas dos animais, e nos ajeitamos o mais confortavelmente que conseguimos, os três animais deram uma curta corrida, e alçaram voo.
A sensação de frio na barriga era enorme no começo. O vento, que deveria ser forte e incômodo naquela velocidade, não parecia nos afetar, como se os animais conseguissem produzir um pequeno refúgio com mana elemental, para nos proteger durante a viagem.
Jouci estava sentada mais a frente, comigo logo atrás dela. Geir estava a um palmo de distância de minhas costas, e parecia bem mais quieto que o normal.
Não importa como eu via toda a situação, sem sua ajuda eu ainda seria refém de Vanir. Pensando nisso, tentei puxar assunto com ele.
— Então, Geir. Como conheceu a Jouci e a Talamaris?
Um instante de silêncio depois, ele respondeu:
— As encontrei na base das vespas-da-noite. Ambas estavam em péssimas condições de saúde. Elas conheciam você, e eu queria acabar com a Rosa-dos-ventos por dentro. Uni o útil ao agradável, e as ajudei…
— Geir… — Jouci o chamou, com um peso estranho na voz.
— Ainda não, garota. Tudo ao seu tempo…
— O que significa isso? O que estão escondendo de mim? — Perguntei, ficando cada vez mais impaciente.
— No momento certo te contaremos. Por agora, poupe suas energias. Não nos alimentamos bem a muito tempo.
Não protestei. Estava mesmo com bastante fome, e não era um bom momento para gastar energia à toa.
Depois teríamos tempo de passar essa conversa a limpo.
A viagem seguiu agradável, de certa forma. Os pássaros eram muito rápidos, e voavam muito alto. A visão dali de cima era magnífica.
Sempre quis voar, então, de certa forma, era um sonho virando realidade.
No começo da tarde vimos ao longe uma área bastante arborizada. E continuamos seguindo
nesta direção.
— Mais ou menos ali embaixo, conheci Krane, não é mesmo, garota? — Jouci comentou.
A ave deu um breve grasnado, possivelmente de felicidade.
Passados vários ciclos, perto do final da tarde, vimos no horizonte o que parecia uma cidade.
— Aquela é Solgos, a cidade que salvamos das vespas aquela vez? — Apontei a frente, perguntando a Jouci.
— Ao que tudo indica, sim. É incrível como voar é prático. Mais de um mês de viagem, resumidos em menos de um dia de voo — Jouci olhou para o lado direito, onde, logo atrás, vinham Talamaris e Elear. Como se tivesse lembrado de algo. — Geir, você deve uma conversa a Talamaris, lembra?
— Sim. Jamais esqueceria de Penur, e o que aconteceu com ele… — Geir parecia se sentir culpado de algo, pelo o tom que empregou em sua fala.
— Temos muito o que te contar, Thermon. Quando descermos, faremos isso, todos juntos, tudo bem? — Jouci me pediu.
— Tudo bem. Espero até lá.
Achei que as aves iriam nos deixar perto de Solgos, mas elas continuaram a viagem. Após mais alguns ciclos, Lires estava à vista, instantes antes de anoitecer definitivamente.
Devo admitir que as aves tinham uma resistência incomparável. Voar um dia inteiro, dessa forma, era algo incrível.
Perto de Lires, elas começaram a inclinar para baixo, se preparando para aterrissar.
As aves nos deixaram a menos de um quilômetro da cidade.
Após descermos de Krane, percebi como minhas pernas estavam doloridas, pela “posição de montaria” a qual fiquei o dia todo.
As outras duas aves, atrás de nós, também desceram.
— Se eu tivesse alguma coisa no estômago, vomitaria tudo! — Falou An’u, ao se aproximar de nós. — Anões não foram feitos para o céu!
— Eu adorei a viagem, a paisagem estava incrível! — Falou Maso.
— Só queria um guisado de pato, gelo para colocar nas minhas coxas, e uma cama quente… — Choramingou Elear.
Todos nos viramos para as aves, que juntas fizeram uma breve reverência.
— Espero encontrá-la novamente, e em melhores circunstâncias, Krane! — Jouci se aproximou da Empatucano pela frente, e lhe deu um forte abraço na altura do pescoço. A ave a envolveu com suas asas, retribuindo o carinho.
Sem qualquer aviso, os animais deram meia volta, e alçaram voo em direção ao céu noturno.
— Enquanto te abraçava, ela disse que espera te reencontrar também, Jouci. Animal bastante simpático, a Krane — Maso disse para minha amiga.
Jouci deu uma fungada, e limpou a umidade dos olhos.
— Vou sentir saudades dela…
— Agora é minha deixa. Todos aqui sabem que sou a prefeita de Lires, certo? Estejam avisados: se arrumarem confusão aqui, estarão arrumando confusão comigo! — Talamaris falou, indo em direção a cidade. — Venham, vou arrumar um banquete para a gente!
Talamaris conseguiu reservar uma estalagem inteira para nós, com quartos suficientes, e muita comida sendo preparada.
Todos os sete integrantes restantes de nosso grupo não fizeram cerimônia. Comemos e bebemos como nunca antes. Evitamos falar sobre tudo o que ocorreu nesta viagem, pois queríamos relaxar, e aproveitar a companhia uns dos outros.
Talamaris contou histórias sobre a época que era mais jovem, e lutava para proteger Lires de ataques de mercenários.
Maso brincava com a cara de Elear, sobre ele ser muito imaturo. An’u e Geir conversavam sobre culturas diferentes, comentando como cada parte do continente era única.
Eu fiquei bastante quieto, apreciando a presença de todos ali.
Consegui uma muda de roupas no nosso barco, então estava bem mais confortável depois de me limpar e me trocar. O senhor Kurisupi, o velhinho, que vendia vinhos e outros tipos de bebidas, cuidou da nossa embarcação todo esse tempo.
Jouci ficou o tempo todo ao meu lado, também quieta, porém parecia impaciente, como se quisesse falar algo importante. Depois de bastante comilança, e bagunça, por parte do nosso grupo, falei com ela:
— E agora, pode me falar o que era todo aquele segredo entre você e Geir? Por acaso estão namorando? — A fala saiu mais amarga do que tinha a intenção de dizer.
A pergunta pegou ela de surpresa, mas, ao invés de ficar na defensiva, ou me responder, ela apenas gargalhou.
— Eu, e Geir? Nem em outra vida! Thermon, você e ele precisam conversar, em particular. Pessoal! — Nesse momento ela levantou a voz. — Vamos nos retirar, por agora. Vamos todos para nossos quartos. Geir, e Thermon precisam ter uma longa conversa.
Sem nenhum tipo de reclamação, todos pareciam entender o que estava acontecendo. Se levantaram e saíram do recinto, quase marchando. Se não me engano vi um breve sorriso no rosto de An’u.
Ficamos apenas eu e Geir no recinto. Mesmo todo enfaixado, dava para perceber como ele estava nervoso, nem olhando em minha direção.
— Bem, pode me explicar, o que tudo isso significa? Estou bem confuso, Geir.
Ele começou a desenrolar as faixas escuras de sua cabeça, enquanto dizia:
— Temos muito o que conversar, filho!
“Trabalhar a minha vida toda na rosa me fez ser cego para questões exteriores à organização. Eu só queria subir na hierarquia e me tornar importante, para que Vanir gostasse de mim. Se não fosse por Geir, estaria alienado com esse sentimento até hoje!”
An’u
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