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    RUFO SOTE TERCEIRO

    As batidas na porta da minha mansão, seguidas por um grito, me pegaram de surpresa.

    Thermon, que estava perto da porta, se assustou tanto quanto eu. Ele avançou antes das minhas serviçais e abriu a porta.

    — Alvo? — Thermon, se espantou. 

    Alvo Primeiro, meu sumido amigo, e Escolhido dos humanos, estava plantado no sopé da porta de entrada.

    — Thermon??? 

    Nosso Escolhido estava meio maltrapilho e com barba por fazer. Seus cabelos estavam um pouco maiores. Olheiras grandes e escuras emolduravam seus olhos.

    — Alvo, que bom revê-lo! Por onde esteve todo esse tempo? — Me adiantei, para tentar tirar os dois Escolhidos de seu estupor.

    — Rufo, o que significa isso? Por quê ele está aqui? Está sendo feito de refém? — Alvo deu um passo para trás, e começou a acender sua aura.

    Thermon fez uma expressão de descrença, então me adiantei.

    — Não precisa disso, Alvo. Ele e seus amigos são meus convidados — Apontei para os companheiros de Thermon, que estavam ao meu lado.

    Alvo olhou para Thermon, e depois para os outros elfos-de-gelo, e desativou sua aura.

    — Entendo… De certa forma isso foi bastante conveniente. Estava a sua procura, Thermon. Preciso perguntar algumas coisas a você.

    Thermon respirou fundo.

    — O que seria?

    — Você foi marcado por um deus?

    — Marcado..? Oh, Jouci. Então não fomos apenas nós. Alvo também foi marcado — Thermon olhou para trás, buscando apoio de sua amiga.

    — Sim, de fato… Senhor Alvo. Prazer. Me chamo Jouci — a jovem fez uma breve reverência. — Sou companheira de viagem de Thermon e também fui marcada pelos deuses. Estamos aqui justamente para pedir ajuda ao senhor.

    — Isso não pode ser coincidência… Certo, vou precisar conversar vocês estando na presença dos meus amigos. Podem aguardar aqui, enquanto aviso eles? — Alvo me olhou, bastante sério. — Vou precisar que venham comigo. Trazê-los aqui pode ser perigoso. Sua casa é muito chamativa, Rufo.

    — Vamos esperar o senhor — A elfo-de-gelo, de nome Jouci, falou por todos.


    Aguardamos metade de um ciclo quando Alvo retornou.

    — Rufo, e os três elfos-de-gelo, me sigam, por favor. Se puderem usar capuzes, principalmente você, Rufo, agradeço!

    — Por quê me quer nesta reunião, Alvo? Não acho que tenho nada a acrescentar… — Perguntei.

    — Tenho uma surpresa para você… Não posso comentar mais nada. Se cubram antes de sair, por favor.

    Coloquei um sobretudo com capuz. Os elfos-de-gelo usavam panos escuros em suas cabeças.

    Alvo seguiu em silêncio e o seguimos pelas ruas vazias de Porto-Norte.

    Desde a saída de Alvo, em suas “férias”, o clima na cidade era de medo e preocupação. O toque de recolher, imposto pelo rei, tornava as ruas quase desertas.

    — Evitem conversar antes de chegarmos. Não queremos que ninguém saiba de nossa reunião… — Alvo cochichou para nós.

    Andamos pelo o que pareceu um ciclo, seguindo em direção à área periférica da cidade.

    Ocasionalmente curiosos apareciam em janelas de casas, tentando entender quem estava andando na rua durante o toque de recolher.

    Alvo parou na frente de uma casa simples, porém espaçosa. Deu três batidas na porta e disse:

    — Sou eu, abram logo.

    A porta se escancarou. Uma mulher bastante bonita, com poucos cabelos grisalhos atendeu. Ela devia ser dez anos mais nova que eu.

    — Entrem logo! — Ela sussurrou.

    Alvo esperou que entrássemos, cuidando dos arredores. Assim que estávamos lá dentro, ele fechou a porta atrás de si.

    O recinto estava apinhado de pessoas. Comigo contei dez ao todo. Ao que parece tinha um anão entre eles.

    — Que inusitado, um anão em Porto-Norte… Prazer, sou Rufo Sote Terceiro, ao seu dispor — removi meu capuz.

    — Depois faço as apresentações, Rufo. Tem algo mais importante antes disso… — Alvo me olhou, ainda mais sério que antes.

    — E o que seria? — Fiquei bastante intrigado com aquilo.

    Alvo andou até o meio da sala espaçosa e disse:

    — Ele está aqui, pode vir, amigo.

    A tensão estava pesando o clima do recinto, todos olhavam em direção ao corredor, para onde Alvo havia direcionado o olhar.

    De lá saiu um homem parrudo, um pouco mais alto que eu. Seu cabelo desgrenhado e sua barba por fazer fizeram eu esfregar meus olhos, para confirmar se o que eu via era um fantasma ou se minha mente pregava uma peça em mim.

    Não era nenhuma das duas coisas.

    — Olá, tio. Há quanto tempo…

    — Pírio?

    A voz era inconfundível. O sorriso sem graça, o jeito que ele curvou os ombros quando falei seu nome… Não tinha como aquilo ser uma ilusão.

    Pírio estava vivo!

    Corri em sua direção. Envolvi meus braços em volta dos dele, prendendo-o em meu aperto.

    — Garoto, como senti sua falta…

    As lágrimas escorriam de meus olhos como um rio em época de cheia. Não me contive e deixei o choro tomar conta de mim.

    Ele fungou um pouco e logo também começou a chorar.

    — Desculpe por te causar tanto sofrimento, tio. Tenho muita coisa para te contar…

    Me afastei dele, ainda mantendo a mão direita em seu ombro.

    — Depois me conte tudo, o que importa é que está vivo… Não faz idéia como estou aliviado, garoto…

    Ouvi algumas das pessoas ao redor fungarem e limparem lágrimas dos olhos.

    — Um juramento do deus Azul o fez forjar sua morte, Rufo. O encontrei em minhas viagens. Então o trouxe aqui à força — Alvo brincou.

    — Depois quero saber dos detalhes… Mas agora foque no assunto principal. Estou feliz só dele estar vivo…

    Me sentei ao lado de um Pírio envergonhado.

    — Fico feliz pelo senhor, Rufo. O senhor merece coisas boas… — Jouci, a jovem elfa-de-gelo me parabenizou. Ela estava em pé, ao lado da porta, do outro lado do recinto.

    As luzes das velas, que mantinham o ambiente claro, bruxuleavam nas paredes.

    Alvo, ainda no meio da sala, pediu: 

    — Sentem-se, todos. Por favor.

    Os azulados e a moça bonita que abriu a porta ainda estavam de pé, e sentaram em bancos perto das paredes.

    O Escolhido humano olhou para os elfos-de-gelo e depois para o anão.

    — Thermon, não foi só eu quem foi marcado. Ven’e, o Escolhido dos Anões e meus amigos também.

    A informação causou um choque em minha espinha. “Mais um escolhido, aqui em Porto-Norte? Coisa boa não deve ser…”, pensei.

    Thermon se ajeitou no banco e limpou a garganta com três tosses forçadas.

    — Prazer, senhor Ven’e. Me chamo Thermon Agouro… — Ele apontou para seus companheiros. — Esta é Jouci, minha futura esposa, e este é Regi, meu pai. Viemos do sul do planeta, solicitar apoio de pessoas poderosas para derrotar um oponente nefasto, mas parece que também estavam à nossa procura, pelo o que entendi… — ele olhou para Alvo, um pouco confuso.

    — Prazer, senhor Thermon. Me chamo Ven’e Ametis. Ao seu dispor — O anão se levantou, fez uma reverência e voltou a se sentar.

    Alvo voltou a falar:

    — Desculpe a confusão inicial, precisava conversar com todos juntos. Sim, Thermon, também estamos atrás de você. Não sabíamos que era um marcado pelos deuses, mas havia algo que nos dizia que também fazia parte dessa bagunça. O que sabem sobre isso?

    Thermon olhou para Jouci, encorajando que ela falasse por eles.

    Ela se levantou e começou um discurso:

    — Alvo, pessoal, serei direta. O deus Verde entrou em contato comigo, e me falou sobre o que esperam de nós todos… Os deuses precisam de ajuda para lidarmos com um inimigo maior do que tudo que já viram. 

    Ela fez uma pausa, olhou em volta e continuou:

    — Seu nome é Vanir, e ele encabeça a organização mercenária chamada “Rosa-dos-ventos”.

    Todos se entreolharam.

    — Sabemos quem é… Cheguei a enfrentá-lo, há cerca de um mês atrás — Alvo acrescentou. — Quase fui derrotado. Se não fosse por Tobin, não teriam um Escolhido humano para pedir ajuda.

    Thermon parecia incrédulo.

    — Impossível. Um mês atrás eu estava do outro lado do planeta, sendo torturado diariamente por Vanir. Como poderia ter lutado com ele aqui, em Aurora?

    — Um mês antes disso Vanir entrou na montanha dos anões e roubou um artefato divino dos anões… Claramente isso não é coincidência — Ven’e comentou.

    — Para evitarmos ficarmos no escuro, que tal todos falarmos tudo o que sabemos sobre Vanir? Assim reunimos todas as informações sobre ele.


    Não foi rápido. 

    Histórias e mais histórias sobre Vanir e sua organização foram contadas. Quebra-cabeças foram montados e chegaram em uma conclusão: Vanir, estava tramando para tomar o polo-sul, e roubar a fonte de mana natural que os elfos-de-gelo descobriram.

    Assim que Regi, o pai de Thermon, contou sobre Faísca, o mercenário que matou centenas de soldados humanos, levantei e falei.

    — Vanir nos enganou direitinho… Libertamos o “Príncipe” dos Lizards, esperando mil escravos humanos em troca… Obviamente nenhum escravo foi devolvido… Aquele desgraçado!

    Um silêncio perturbador tomou conta do recinto.

    Listro, a amiga de Alvo, puxou um assunto:

    — Vamos relembrar, quais de nós fomos marcados pelos deuses?

    Alvo começou a contar nos dedos.

    — Eu, Listro, Mendir, Tobin, Ven’e, Thermon e Jouci. Sete até o momento.

    — Menina, você falou que o deus Verde deu um prazo dezoito meses para que eles parem de ver o futuro e Vanir ataque o polo-sul… Quanto tempo se passou desde seu sonho? — Ven’e perguntou a Jouci.

    — Há cerca de um mês. Temos mais dezessete meses

    Passaram o restante da noite ligando fatos, batendo datas e se conhecendo. Ninguém conseguiu dormir naquela noite.

    Aproveitei para conversar com Pírio e ele me contou tudo o que podia, sem que o juramento que ele fez o matasse.

    Queria poder ajudá-lo, mas não tínhamos como saber qual juramento ele fez.

    — Não se preocupe, garoto. Vamos te tirar dessa enrascada.

    Ele deu um sorriso fraco e continuou a auxiliar Alvo a lembrar de informações que fossem pertinentes.

    Para mim bastava que ele estivesse vivo e bem. Decidi não perguntar mais nada para ele.


    “…corri durante a madrugada fria do polo sul, sendo caçado por Tomoga e seus comparsas. O frio naquela noite estava mais intenso que o normal, me deixando mais lento. Fui encurralado perto do amanhecer, prestes a cair de um abismo de gelo.”

    Regi Escudo

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