Capítulo 61 - Reunião profética
ALVO PRIMEIRO
A noite de revelações entre meu grupo e o grupo dos elfos-de-gelo foi cansativa, mas necessária. Agora sabíamos mais sobre nosso inimigo em comum: a Rosa-dos-ventos.
Thermon foi sequestrado e, em meio à constante tortura, contou sobre as descobertas de seu povo. Isso tirou a atenção de Vanir sobre os Escolhidos e direcionou suas atenções contra o polo sul.
Prestes a amanhecer, todos ainda estavam despertos. Distribuímo-nos em bancos espalhados na casa de Rubía. A cada dois ciclos nossa anfitriã nos trazia chá e biscoitos recém assados.
O Escolhido anão acariciou sua longa barba desgrenhada antes de perguntar:
— Além dessa possível extinção de sua raça, Thermon, o que acha que Vanir vai conquistar ao tomar posse da fonte de mana infinita?
— É provável que envolva os deuses. Não foi à toa que o deus Verde entrou em contato direto com Jouci — Thermon olhou para sua companheira. — Vanir fará algo que afetará os deuses diretamente se não o detivermos.
— Essa é nossa missão, senhor Alvo. Não apenas proteger minha terra, mas proteger os deuses e o que eles representam! — Jouci, a bela elfa-de-gelo, se dirigiu a mim, com determinação em seu olhar.
Levando em conta tudo o que foi dito nesta noite, lembrei um uma informação muito importante, nos dada pela Tartaruga-Anciã, então falei a todos:
— Jouci, em nossa viagem às montanhas dos anões, a calamidade da montanha nos informou que todos os grupos de marcados pelos deuses precisam de um Líder. Este é sempre aquele que os deuses contactam diretamente! — Respirei fundo e sustentei o olhar em direção a ela.
A garota, que não devia ter chegado ao seu vigésimo aniversário, demonstrava respeito por mim e determinação para salvar seu povo. Essa determinação é o que a tornava a pessoa certa para a posição de líder. Isso ficou claro para mim.
Ela piscou várias vezes, como se tentasse espantar devaneios.
— Eu? Líder? Não faz sentido.
Ela franziu o cenho e focou seu olhar em uma parede à sua esquerda. Balançou sua cabeça em negação antes de me encarar novamente.
— Como eu seria líder de “algo” tão grande e importante? Por que não você, Thermon ou Ven’e? Eu nem sou uma Escolhida…
— Jou, acho que essa posição de liderança não depende de força. Talvez, para nos guiar, precisamos de alguém exatamente como você. Firme, obstinada, focada… — Thermon disse isso enquanto segurava as mãos de sua companheira.
— Eles tem razão, Jouci. Ninguém aqui está mais qualificado. Pense bem… Você parece ser o elo que nos une. Não é tão velha, nem tão nova. É residente do polo sul, mas sua vida foi quase toda fora de lá. Você representa “equilíbrio” em nosso grupo — Regi usou metáforas que, aparentemente, surtiram efeito na garota.
Esse empurrão pareceu ajudar na aceitação de Jouci, mas ela ainda não estava satisfeita. Era muito para ela.
— Preciso de ar. Vou dar uma volta — Ela levantou abruptamente.
— Vou com voc-
— Não, Thermon. Preciso ficar um pouco sozinha. Vou ficar bem.
Decidimos dar espaço a ela.
Jouci abriu a porta e vimos o sol nascendo ao longe.
Um período de silêncio ocorreu antes de Rufo dizer:
— Está muito tarde… Ou muito cedo… De toda forma, preciso me retirar. Pírio, promete que não vai mais dar sustos como aquele?
— Sim, tio. Novamente, desculpe por isso.
Ele puxou seu sobrinho para um outro abraço. Rufo se despedia informalmente de todos até que se aproximou de Rubía.
Ele limpou a garganta, ajeitou suas vestes, fez uma reverência e falou:
— Muito obrigado pela generosa estadia, senhorita Rubía — ele segurou a mão da mãe de Listro e deu um breve beijo no local. — Espero poder vê-la novamente.
Ela pareceu encantada.
— Ora, não precisa de formalidade. Apareça sempre que quiser tomar um chá ou jogar conversa fora.
Se o recinto não estivesse tão pouco iluminado pelas velas, eu diria que Rubía estava com as bochechas coradas… Deve ter sido impressão minha.
Antes de Rufo sair, levantei e dei um aperto de mão nele.
— Desculpe não ter falado sobre Pírio antes, Rufo. Eu só não queria estragar a surpresa, ou botar a vida dele em risco.
— Eu agradeço, Alvo. Só não o meta em mais enrascadas, tudo bem? Esse lance de deuses, guerras entre raças… Parece demais para vocês todos terem que lidar sozinhos.
— Mas não precisamos lidar com tudo sozinhos.
— O que quer dizer com isso? — Rufo me olhou, com uma das sobrancelhas levantada.
— É o conselheiro interino do rei, correto? Acha que consegue uma audiência com ele para nós?
— Depois de como você deu às costas para ele da última vez? Claro… — O sarcasmo quase pingava de seus lábios.
— Todos precisamos de você, meu amigo. Milhares de pessoas pelo mundo dependem de nossa ajuda. Pelo menos tente.
Ele suspirou, apertou minha mão, que ainda segurava, e disse:
— Certo. Farei tudo ao meu alcance para que nosso rei te ouça.
— Fico extremamente grato! — Apertei com firmeza a mão de Rufo.
Com este assunto posto de lado, lembrei de outra figura importante: Henco Pleno.
— Rufo, o que aconteceu com Henco após minha partida?
— Oh, bem… Ela e nosso rei estão “brigados”, se é que posso colocar dessa maneira.
Listro, que estava em silêncio há quase um ciclo, pareceu despertar com a menção de Henco. Ela prestou ainda mais atenção na conversa.
— Sabe por qual motivo? — Indaguei.
— Envolve a futura coroação dela. Não sei dos detalhes. Nem mesmo o senhor Grenford me contou, mas parece que estão bravos um com o outro.
— Acha que consegue descobrir para nós o motivo dessa rusga?
Rufo me lançou um olhar de irritação, mas logo cedeu.
— Tá bom… Verei o que consigo. Aqui será nosso ponto de encontro então? — Rufo olhou para Rubía e lhe lançou um sorriso travesso.
— Claro, fiquem todos à vontade — ela respondeu com um largo sorriso no rosto.
— Perfeito. Assim que eu descobrir algo, mando alguém trazer as informações até vocês.
Rufo fez uma breve reverência a todos e saiu pela porta da frente.
Listro olhou para mim e depois para sua mãe, Rubía.
— O que eram aquelas risadinhas com o tio de Pírio, mãe?
— Que risadinhas, garota? Me respeite…
Me segurei para não rir.
Thermon quebrou o silêncio.
— Estou preocupado com Jouci. Será que ela está bem?
— Não se preocupe. Ela está a cerca de cinquenta metros de distância daqui, se movendo de um lado para o outro. Deve estar no balanço de uma árvore que fica perto daqui.
— Ah, é mesmo, você consegue sentir mana… Que habilidade desleal — Thermon soou como se estivesse com inveja. O ignorei.
Ele se levantou.
— Vou ver como ela está.
Assim que ele saiu, Rubía falou com todos no recinto:
— Temos dois quartos e esta sala. Se quiserem descansar, podem ficar à vontade. Vou me retirar para meu quarto… Essa noite foi muito cansativa. Listro, minha querida, se quiser, pode dormir comigo.
— Agradeço, mãe, mas acho que tem coisas demais na minha cabeça agora. Não vou conseguir dormir tão cedo.
Era bom ver as duas interagindo. E pensar que Listro já foi refém do falecido rei elfo…
Altimanus… Ainda não entendemos como ele estava inserido nisso tudo, além do ataque à cidade de Arcos.
Quanto mais penso nessa batalha, mais estranha ela se torna.
Nenhum dos magos que lutou comigo fez menção em desviar do campo de batalha e avançar contra a cidade. Na verdade, todos aqueles elfos vieram em minha direção.
“Por que Altimanus faria uma coisa dessas?”, pensei, enquanto andava de um lado para o outro.
Parte do motivo eu sabia. Os elfos queriam descobrir alguma abertura em minhas habilidades. Eles até usaram isso contra mim na batalha que tive com sua guarda real, na floresta élfica. Mas não parecia ser só isso. Matar mais de mil elfos por uma flechada em minha panturrilha era um preço muito caro a se pagar.
Faltavam fragmentos de informação para entendermos o papel do falecido rei dos elfos nessa bagunça toda. Talvez seja apenas uma coincidência ele ter cruzado meu caminho e de Thermon, mas nada que aconteceu em minha vida nos últimos três meses parece ser obra do acaso.
Tentando espremer o máximo de informações sobre Altimanus, voltei-me para Listro, e perguntei:
— Li, o que aconteceu antes de ser capturada pelos elfos mesmo? Consegue repassar este momento para mim?
Ela estava sentada no banco, com as costas na parede e braços cruzados. Respirou fundo e fechou os olhos, tentando vasculhar sua mente.
— Estava na porta dos aposentos de Altimanus, disfarçada de empregada da realeza. Olhei pela fresta da porta e vi Altimanus falar com um espelho de mão. Mas ele não falava nada útil, eram mais respostas prontas, como : “Sim, eu vou fazer isso.”, ou “Sim, senhor”.
— Como? Ele disse “Sim, senhor” para um espelho? — Mendir acordou de um cochilo que tirava ali mesmo, sentado. — Um rei, orgulhoso como todos mencionaram, diria “Sim, senhor” para alguém através de um espelho?
O último elfo-de-gelo do recinto, Regi, levantou abruptamente de seu banco e disse:
— Primeiro… O Primeiro Arauto de Vanir foi a floresta Galho-Perpétuo, dez anos atrás, perto da data em que os elfos começaram a reunir magos para enfrentar Alvo… Vanir pode estar envolvido nisso também!
Todos nos entreolhamos.
— Não bastava o ataque à capital feito por Faísca, o ataque a Arcos também foi arquitetado por Vanir… Não é à toa que os deuses escolheram vocês. Todos têm algum envolvimento com este maluco — Pírio comentou.
— Assim que Jouci e Thermon voltarem, continuaremos essa conversa. Por agora, tratem de descansar — pedi a todos.
Todos estavam cansados demais para sequer responder. Sem qualquer protesto, todos procuraram um lugar para deitar e descansar na casa de Listro e Rubía.
Me acomodei em um dos cantos da sala, usando minha mochila como travesseiro.
Mesmo com dezenas de coisas para me preocupar, o cansaço me acertou como um soco reforçado com mana, e caí no sono antes de dar meu terceiro suspiro.
“O que fará agora, Ancião? Precisam mais de mim do que respeitam você… Mesmo que seja o atual Líder dos elfos-de-gelo, isso não se manterá por muito tempo. Logo tomarei seu lugar!”
Tomoga Prudente
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