Autor: Jhonata J. D. Reis

     “Como você tem estado?” perguntou o doutor.

     “O mesmo de sempre.” respondeu Lara sem muita empolgação.

     “Ainda com pensamentos negativos?” questionou o doutor conforme anotava algo em sua prancheta.

     “O que dizer? Eu tenho mais pensamentos suicidas do que sonhos”, respondeu Lara como se falasse sobre o tempo, ou times de futebol. “No fim, não tenho coragem para realizar nenhum, sejam os sonhos, ou o suicídio.” declarou por fim com ainda mais indiferença.

     “Vejo que o sintoma de indiferença está mais acentuado, você pulou o dia dos medicamentos novamente?” Indagou o doutor com não mais que uma pitada de preocupação na voz.

     “Com todo respeito, doutor, aquela merda só serve pra me transformar em um vegetal que fala, qual é a diferença disso para a indiferença?” Perguntou Lara levantando ambos os braços para cima, fazendo com que sua camisa descesse, revelando cortes em seus pulsos e ao notar o olhar sutil do doutor para eles, ela logo os cobriu.

     Ficaram ali a olhar um para o outro por um tempo, o doutor era psicólogo/psiquiatra da família e tratava de Lara desde criança, no início era apenas bipolaridade… Mas quando a fase adulta começou, a mesma acabou por desenvolver esquizofrenia, uma doença cruel e mesquinha, que afeta os sentidos. 

     “Essa ‘doença’. ” disse Lara e o doutor notou a ironia em suas palavras, os sintomas pareciam estar mais fortes hoje. Esquizofrênicos tendem a acreditar que seus delírios são reais por muito tempo, ou até para sempre e Lara não seria diferente, porém, se tratados adequadamente, os pacientes conseguiam viver em um meio termo, entre momentos de delírios e momentos de clareza. “É bem cruel, o senhor não acha?”.

     “O que quer dizer com cruel?” perguntou o doutor, já sabia a resposta, já a ouviu antes, mas a doença tirou de Lara a atenção para alguns detalhes e muitas vezes divagava sobre a mesma coisa sem notar.

     “Fazer-me crer que sou normal por dezessete anos, me fazer sentir orgulhosa pelo meu intelecto, eu… Eu costumava me gabar de ter terminado a escola por prova, enquanto os outros precisavam ir a aula, costumava me gabar por ser analítica. E para que? Para ser incapaz de confiar na minha própria mente agora como adulta.” Disse Lara com desânimo na voz.

     “Você ainda é muito inteligente e capaz Lara, basta ter fé em si e se medicar como eu disse”, respondeu o doutor.

     “A doença é tão sádica que são delírios e não alucinações”, continuou Lara ignorando o comentário do médico. “Se fosse alucinações seria ótimo doutor, se eu visse monstros e demônios pelo menos sabedoria que não são reais, saberia a diferença…” Suspirou. “Mas os delírios? São sutis e insidiosos, principalmente os auditivos e sempre, não importa o que, negativos, se alguém me diz “pula” eu posso ouvir “puta” e ficar magoada, chateada, ou com raiva de algo que está na minha cabeça, para piorar, alguns até usam disso para me manipular”. Suspirou. “Sinceramente, doutor, tem sido um inferno saber quando alguém me ofende, ou me desfaz e quando só é coisa minha, filtrar o que é delírio e o que é real, por isso eu não tenho mais amigos e dispenso os garotos bonitos, nem mesmo minha faculdade eu terminei, isso não é vida doutor, não é certo”. 

     “Você ainda crê estar sendo observada por câmeras?” Perguntou o doutor outra coisa, tentando tirar algo de positivo nessa conversa toda.

     “Não mais, não esse ano, não ainda pelo menos”, mentiu Lara, dizer a verdade nunca a levava a lugar algum, logo, passou a mentir.

     “Isso é bom, ainda acredita que tem alguém te perseguindo?” Perguntou o doutor.

     “Um pouco, mas só vem às vezes, o remédio ajuda quando e assim”, mentiu novamente.

     “Bom, muito bom lara”, respondeu o doutor, se fosse qualquer outro paciente, talvez, ele notasse as mentiras, mas seu carinho e esperança para com Lara estava nublando o seu julgamento.

     “É as vozes ao longe?” Indagou o doutor.

     “Elas pararam, essa última semana ao menos”, mentiu novamente. 

     “Isso é bom… E promissor”, respondeu o doutor.

     Conversaram mais algumas coisas, receitas foram preenchidas e Lara saiu do escritório após mais algumas questões. Sua mãe estava na sala de espera aguardando-a, era a única pessoa com qual Lara ainda mantinha um vínculo, a única que ela ainda se importa, assim como a única que ainda a aturava.

     “Como foi querida?” Perguntou Amara sua mãe.

     “Foi normal”, respondeu Lara.

     Sua mãe não perguntou muito mais, sabia que insistir em respostas apenas irritaria sua filha, desejava que o dia seguisse bem, então, foram para o carro em silêncio.

     “Tenho uma surpresa pra você em casa”, declarou Amara com ternura na voz.

     “Bom”, respondeu Lara.

     “É um-” 

     Tentou dizer Amara, mas tudo que se seguiu foi o som ensurdecedor de aço se chocando contra aço a altas velocidades, pois um motorista embriagado havia os acertado em cheio.

    Capítulo 2 – Morte.

    “Lara! Lara querida! Não feche os olhos, não durma”, pediu Amara conforme a ambulância levava Lara ao hospital.

     “Senhora, a senhora precisa sair”, informou uma enfermeira conforme empurrava Amara que pedia desesperadamente que salvassem sua filha.

     A batida tinha pego a parte de trás do carro, onde Lara estava largada de forma confortável, livrando Amara do maior choque mas focalizando tudo em sua filha.

     “Múltiplas hemorragias internas e fraturas, precisamos operala”, soou uma voz séria.

     Lara não era capaz de ouvir muito, seu corpo não estava doendo, mas se sentia mais fraca a cada momento, um sono aterrador estava tomando toda sua consciência, mas ainda era capaz de ouvir como vozes distantes os médicos conversarem sobre seu grau de risco, que estava longe de ser positivo.

    Estou morrendo? Pensou Lara conforme o sono se tornava cada vez maior.

     Apesar de estar, de fato, claramente morrendo, Lara não sentia medo, fora uma pequena ansiedade, todo o resto era cansaço e… Alívio.

     Desculpa mãe. Pensou enquanto fechava os olhos em rendimento. 

     Conforme sua mente ia nublando, Lara finalmente pôde parar de ouvir os tão frequentes e atormentadores delírios com os quais vivia, os quais a perturbavam.

     O tempo então passou, com sua mente nublada na escuridão, com apenas alguns resquícios de consciência aqui, ou ali de vez em quando.

     Pobre criança… Soou uma voz suave no vazio, despertando a mente de Lara. 

     “Mãe?” Indagou a jovem para o escuro que a cercava.

     Sim criança, sou uma mãe… De certa forma. Respondeu a voz com ternura.

     “O que?”, disse Lara não entendendo o contexto. “Por que sua voz está assim? Porque não consigo ver?” Indagou de forma preocupada, ser esquizofrênica já era mal o bastante, ser uma cega só tornaria seu tormento ainda pior.

     Que pensamentos sombrios para uma criança tão jovem… Soou a voz no vazio.

     “Pensamentos?” Indagou Lara. “Porque não consigo ver?” Insistiu no que a afligia.

     Os mortos não podem ver minha criança. Respondeu a voz. 

     “Mortos?”, disse. “Que quer dizer com Mortos?” Indagou conforme mexia os braços na fútil tentativa de apalpar algo para se orientar. 

     Está morta minha criança. Declarou a voz com calma. Mas a morte não é o fim… Muitas vezes… Pode ser um recomeço. Salientou.

     “Recomeço? Que recomeço?” Indagou Lara ainda tentando se orientar com os membros mas não sentindo nada, era como estar na água, apesar de não sentir que estava se afogando.

     Há um… Se você desejar. Respondeu a voz.

     Após isso Lara não disse mais nada, estava confusa demais, abalada demais. O tempo então passou novamente, às vezes parecia ter se passado uma eternidade e às vezes parecia que eram apenas momentos.

     “Eu desejo”, disse Lara, não sabia o que exatamente um recomeço poderia significar, mas a sensação do vazio a atormentava, queria estar fora dali.

     Pois bem, minha criança, um recomeço você terá. Soou a voz no vazio.

     


     

     A princípio tudo que Lara era capaz de ver era luz, uma luz cegante que provinha de todas as direções não deixando sombra, ou forma para ser identificada e, após a luz, veio o som.

     “Que coisinha adoravel”, anunciou uma voz velha em um idioma que Lara não conhecia e não entendia, mas estranhamente sabia o significado.

     “De para mim, deixe-me vê-la melhor”, disse outra voz.

     Conforme a luz ia diminuindo, Lara foi capaz de ver os arredores melhor, estava em uma casa rústica de madeira, haviam três pessoas junto a ela, um homem e duas mulheres, cujo qual uma a estava olhando nos olhos com ternura, mas Lara apenas conseguia pensar uma coisa.

     Grande! É tudo tão grande! Avaliou conforme olhava ao redor, tudo parecia-lhe enorme.

     Não é grande, eu que sou pequena! Concluiu Lara enquanto olhava para suas pequenas mãos e contemplava as infinitas possibilidades do que estava acontecendo.

     Ela é pequena, tão pequena, tão fofinha. Soou várias vozes ao redor, despertando o interesse de Lara. Mas no fim, não foi capaz de ver nada além das três pessoas na sala.

     Ela está olhando pela sala, pela sala! 

     Ela nos ouve? 

     Ela nos vê?

     Que gracinha.

     Tão fofa.

     Ela  nos ouve, veja.

     Nos ouve mesmo vejam.

     Mesmo agora eu ouço coisas, que piada. Pensou Lara com indignação.

     “Qual será o nome?” Disse o Homem na sala enquanto segurava a mão da mulher com Lara no colo. “Escolha querida”, salientou com um beijo de teruna em sua testa.

     “Ela se chamará Luna”. Disse Lisa enquanto embalava e balançava Lara, ou agora, Luna, em seus braços. 

     “Luna é um belo nome Lisa, eu gostei”, declarou a parteira.

     “Sim, um belo nome querida.” comentou o Homem.

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