26 - O Relógio de bolso
Autor: Sr.Stuart
Começo esta cata com a seguinte indagação: O que levaria um ser humano tão doce a matar toda sua família a sangue-frio? Sinceramente, não faço ideia, ou pelo menos não fazia.
Minhas investigações não me levaram a lugar algum.
Me sentia como se caminhasse em círculos.
Um investigador tão bom quanto eu, respeitado no condado por resolver diversos casos, preso a um caso sem sentido que aponta para um culpado quase impossível, um relógio de bolso.
Hilário, não?
É, eu sei, mas após ficar tanto tempo com este relógio, começo a achar que meus delírios excessivos me conduziram a certos episódios que eu jamais gostaria de vivenciar novamente.
Aqueles episódios foram a principal razão da deterioração da minha sanidade. Devido a eles eu me redescobri e consegui sentir um prazer que nem dez putas poderiam me proporcionar.
É algo tão complexo que, ao mesmo tempo que me faltam palavras, me veem a mente palavras em excesso para descrevê-los.
O começo das sensações veio de atos desumanos, atos que o meu antigo “eu”, sentiria vergonha de dizer, mas agora que está feito, não há razão para o alarde nem o medo do julgamento.
Aquele maldito relógio, tudo começou quando o encontrei. Após alguns dias em sua posse, minha mente começou a ser rodeada de pensamentos macabros, pensamentos vis que para mim acabaram se tornado uma inesgotável fonte de prazer.
Torturei alguns animais que encontrei abandonados no logradouro, próximo de minha casa e, talvez, eu tenha matado algo mais.
De qualquer modo, esclarecerei tudo nas próximas linhas desta carta.
Minha primeira “vítima”, fora um gatinho preto. O encontrei com a patinha machucada e decidi cuidar dele. O levei para casa e como um rompante agressivo, me floresceu um ódio das entranhas da minha alma. Foi como se uma represa tivesse rompido a barreira e engolisse tudo pelo caminho com aquela força descomunal.
Degolei o gato com o cutelo e enterrei suas partes no jardim, bem nos fundos de casa. Por incrível que pareça, não senti nenhum tipo de remorso, tudo parecia tão natural quanto ler o jornal matinal.
Depois, foi um pássaro que encontrei debaixo de uma árvore com uma das asas quebradas. Fervi a água até que borbulhasse e o joguei dentro d’água. O observei se debater até a morte e assim que acabou, o enterrei no jardim.
O último animal que cuidei foi um vira-lata. Era tão magricela que mal conseguia caminhar direito. O matei com diversos pontapés na costela e na cabeça. Ele já estava fraco demais, então foi bem fácil. O animal não lutou muito para sobreviver.
Para entender como um relógio pode ser culpado de tudo isso e como acabei me apossando dele, voltemos um ano atrás, em 1948, no condado de Notris Ville, Inglaterra.
O xerife pegou um caso um tanto quanto bizarro que abalou a comunidade inteira, e em um condado pequeno como o nosso, qualquer coisa além do normal se tornava um caso alarmante.
Recebemos o chamado que dizia ter acontecido na casa do fazendeiro John. Um fazendeiro de porte robusto com uma personalidade agradável que habitava as redondezas a mais tempo do que posso me recordar.
Fora um vizinho que veio até nós com a notícia, disse que na noite passada ouviu projéteis sendo disparados e berros absurdamente altos.
O vizinho é Billy Tom, um homem gentil.
Ele disse que ficou com medo de ascender seu lampião no meio da noite e ir checar se o velho John e sua família estavam bem. Quando adentrou a casa logo na alvorada, encontrou tudo revirado. Moveis derrubados, estantes quebradas e as duas filhas de John estavam mortas bem na sala de estar. Sem coragem para continuar, ele foi até o xerife e explicou toda situação. Apanhamos nossos mais velozes cavalos e chegamos até lá as pressas.
A cena era impactante demais para se apreciar por muito tempo. Tão brutal que se assemelhava a um abatedouro de animais. A filha mais velha, que tinha por volta de seus dezesseis anos, estava com um imenso rombo no crânio, jogada na poltrona. A mais nova de doze, estava com as duas pernas quebradas e seu rosto estava desfigurado. Foi como se a pobre garotinha tivesse recebido golpes brutais até falecer.
Caminhamos mais adentro, apenas eu e o Xerife. Encontramos a esposa de John acorrentada pelos pés, sangrando como um porco ao pé da cama do casal, com um garfão de apanhar feno atravessando seu abdômen.
No quarto em frente, as coisas estavam um pouco mais feias. Era o quarto do filho mais velho e, pelo estado caótico do quarto, uma briga aconteceu ali. Havia bastante sangue na cama, e o garoto estava todo retalhado, com um cutelo cravado no crânio.
Foi uma cena de embrulhar o estômago.
Mosquitos varejeira andavam sobre suas feridas, e o cheiro de sangue era forte demais para qualquer um suportar.
Admito que golfei em seguida, mas tínhamos que continuar, tínhamos que descobrir o que aconteceu com o velho John.
Seguimos o rastro de sangue que ia ao encontro do sótão. Pelo visto, a luta com o filho mais velho foi bem mais difícil do que o velho John achou que seria.
Ao entrarmos no sótão, vimos o cachorro da família com um corte profundo na garganta. Era um imenso São Bernardo. Às vezes eu o via acompanhar o filho mais velho para as compras no mercado local. Deve ter o seguido até aqui após ver que dono estava morto, animais sentem essas coisas.
Seguimos pelo cômodo escuro e logo a frente estava o velho John, com a espingarda apoiada em seu tórax. Havia sangue na janela, como se tivesse sido esguichado debaixo para cima.
John havia cometido suicídio.
No corpo dele havia marcas de unhas, provavelmente das filhas ou da esposa. Estava com diversos hematomas no corpo, e em seu braço direito tinha algumas marcas de mordida de animal, provavelmente do cachorro. Havia uma faca bem ao seu lado e em seu bolso da calça, estava dependurado um relógio.
Por incrível que possa parecer, o relógio estava lampejante, como se tivesse sido recém comprado. Porém, já vi John exibir este mesmo relógio por aí. Sempre quando o encontrava na catedral ou nas tabernas, ele sempre o segurava com tanto afinco que parecia ser a joia mais preciosa da qual ele tinha posse.
Pela minha dedução de investigador, tudo começou na sala de estar. Provavelmente com a filha mais velha e depois a mais nova, que deve ter tentado fugir das garras do pai o arranhando com as unhas. O velho nada gostou disso e espancou a coitada até a morte.
Logo depois deve ter seguido para o quarto, mas não encontrou sua esposa. Ela provavelmente ouviu o tiro e os gritos, pegando, assim, o garfão para se defender. Viu as filhas mortas e ficou desesperada. Subiu as escadas chamando o nome do marido com o garfão em mãos, surpreendida por ele, que se recusou a matar a própria esposa em um primeiro momento. Se dando conta da histeria da mulher, ele a acorrentou, mas eventualmente mudou de ideia sobre a manter viva e a apunhalou no abdômen.
O filho mais velho deve ter chegado bem neste momento, com o cutelo em mãos para se defender, a única arma que encontrou em casa. Furioso com a morte das irmãs e observando o próprio pai matar a mãe, ele partiu para cima sem pensar duas vezes. A luta provavelmente iniciou-se no quarto do casal e seguiu para o quarto do filho, uma luta bastante intensa. Só de analisar o corpo do pai dá para perceber isso. Ainda mais furioso que o filho, o velho John conseguiu tomar o cutelo do garoto e o cortou diversas vezes, terminando o serviço cravando o cutelo em seu crânio.
Então, o velho John apanhou a espingarda que havia deixado no quarto de casal e seguiu para o sótão. O cachorro deve ter encontrado John e talvez tivesse sentido que ele era um estranho. O mordeu, e John provavelmente o matou com uma das facas que já estava no sótão.
Se dando conta da tamanha desgraça que havia feito, ele se sentou bem aqui e tirou a própria vida.
Isso foi tudo que consegui reunir baseado no cenário. Mas, o que levou o velho John a cometer um ato tão terrível?
O xerife permitiu que levassem os corpos e a notícia se espalhou por todo condado. Coisas assim não eram nada normais em Notris Ville.
Mal consegui pregar o olho naquela noite, porém, o xerife permitiu que eu ficasse com o relógio de bolso, para uma possível análise e investigação, ele confiava em mim, confiava na minha dedução.
No dia seguinte teve o enterro.
Toda cidade compareceu. A maioria por curiosidade. Alguns estavam chocados demais para acreditar no que havia acontecido. A filha mais velha estava prestes a ingressar em uma universidade, e o filho mais velho estava assumindo com maestria os negócios do pai. A causa teria sido a inveja e o medo de perder a família? Acho pouco provável, já que John vivia se gabando de como seus filhos eram inteligentes e altruístas. No fundo, eu sei o que o levou a isso, o motivo é o mesmo que me obriga a escrever esta carta.
Mais tarde, naquele mesmo dia, me encontrei com Billy Tom, para dar início as investigações. Nos encontramos em um bom pub, no qual sempre estivera cheio. Conversamos sobre o comportamento de John. Billy disse que o velho andava meio distante de uns tempos para cá, chegando tarde da noite em casa e deixando o gado passar fome. Foi quando seu filho mais velho começou a cuidar do gado sozinho.
John havia se tornado um bêbado mau cheiroso, que vivia andando trôpego pelas ruas, importunando algumas pessoas e se torando cada vez mais uma pessoa desagradável, coisas que nem mesmo eu fazia ideia.
Perguntei se ele sabia do relógio que o velho John carregava consigo. Ele disse que sim, que o velho John comprou o relógio em uma casa de antiguidades que infelizmente não existe mais. O dono acabou morrendo de velhice e desde então tudo lá permanece fechado. O prefeito cogita doar as antiguidades para o museu e se desfazer do lugar para construir uma praça ou algo assim.
Perguntei há quanto tempo o velho John havia comprado o relógio, e a quanto tempo ele andava estranho. Billy me respondeu que as duas coisas aconteceram quase no mesmo período, cerca de meio ano atrás. John era um homem discreto quando queria, mas era estranho que em um condado tão pequeno, eu não ouvi falar de algo assim vindo de alguém que sempre foi pacífico com John.
No dia seguinte decidi pedir permissão do xerife para invadir a loja de antiguidades sem que ninguém soubesse.
Adentrei o local tarde da noite, e caso fosse pego ali, nem o xerife poderia me ajudar, mas estava tudo bem, eu sabia como agir, afinal, não era a primeira vez que invadi algum lugar dessa maneira.
Tive que manter meu lampião a fogo baixo no meio de toda aquela antiguidade. O que eu estava procurando era uma espécie de catálogo que falasse sobre o maldito relógio. Procurei por um período extenso em meio a poeira e teias de aranha, porém, o encontrei numa gaveta misturado aos jornais. O foliei até encontrar o relógio, e lá estava ele. Seus registros eram assombrosos, o relógio teve mais donos do que imaginei. Por que um relógio como esse passaria de mão em mão tão rapidamente?
Transcrevi os nomes para minha pesquisa e parti com eles em mãos.
Na manhã seguinte decidi procurar pelo primeiro nome do registro, o dono anterior a John. Me dirigi até o cartório da cidade para procurar sobre Stuart Martim. Procurei sobre notas de jornais de cidades vizinhas ou algo que o mencionasse. Após horas procurando, enfim, encontrei.
Stuart Martim suicidou-se dois anos atrás. Não tinha família, amigos e vivia bêbedo. Não matou ninguém, somente tirou a própria vida.
O outro dono era Turner Dom.
Este matou a esposa a facadas e suicidou-se em seguida. O caso ocorreu em 1939.
Jimmy Jaymes; matou a própria mãe com um tiro de espingarda na nuca e esquartejou seu avô. Tendo sua cabeça esmagada por um trem em 1935, tudo indica suicido.
Billy Tom Barker; assassinou o filho a facadas e cortou a própria garganta em 1929.
Rose Parker; envenenou o marido e os filho e se enforcou em seguida em 1922.
E por fim, Garner Boys; entrou em um pub armado e matou doze pessoas. As pessoas diziam que ele estava possuído pelo diabo. Sua boca espumava e seus olhos ardiam em ódio. Matou primeiro os melhores amigos covardemente com tiros nas costas, em seguida a namorada, o dono do Pub e algumas outras pessoas. E por fim, tirou a própria vida em 1900.
Não faço ideia de como o catálogo detêm todos esses nomes, e nem como o relógio passou de mão em mão sem mais, nem menos. Devia ser ao menos considerado prova plausível para as investigações.
O mais importante era que agora o relógio estava comigo, e no caso de John e sua família, não havia nada mais a ser feito.
Se passaram alguns meses e comecei a me sentir estranho. Não tinha mais vontade de comer direito, muito menos de ler os jornais matinais ou ir trabalhar. O que mais me surpreendeu era o apreço que desenvolvi para com o relógio. Era como se ele fosse um tipo de joia preciosa ou algo assim.
O caso ainda não havia sido resolvido, e sem mais provas, acabamos o arquivando. Neste meio tempo, a tranquilidade voltou a reinar em Notris Ville e comecei a passar meu tempo livre em pubs e tavernas.
Conheci uma moça chamada Elizabeth. Uma linda latina de olhos esverdeados. Me apaixonei por ela, e ela por mim.
Se passaram mais alguns meses e minha vontade de ler e trabalhar pareciam ter retornado, como se eu tivesse renascido das cinzas.
Pouco tempo depois tivemos nosso primeiro filho. Decidi nomeá-lo de Thomas Thompson, o mesmo nome do meu falecido pai. Tanto Elizabeth quanto a mim estávamos pulando de alegria, nosso primeiro filho, lá estava eu, construindo uma família com a mulher que eu amava.
Porém, minha mente começou a martelar pensamentos macabros em meu subconsciente.
Depois que meu filho nasceu, o xerife permitiu que eu trabalhasse com uma carga horária reduzida, para cuidar da minha família recém-formada.
Elaborei um pequeno jardim na casa que compramos juntos, nele, havia rosas, orquídeas e margaridas. Elizabeth adora as margaridas. Todas as tardes, mesmo com um pouco de dificuldade para se mover, ela ainda as regava com afinco.
Mais alguns meses se passaram, e minha cabeça estava enlouquecendo. Noite após noite tive pesadelos no qual eu mesmo matava minha esposa e meu filho que tinha apenas dois meses de vida.
Foi quando resolvi ceder há uma mísera parcela dos meus desejos sombrios. Matei o gato, depois o pássaro e depois o cachorrinho magricela.
Eu estava enlouquecendo, que tipo de homem eu estava me tornando? Chegaria a hora em que eu faria como o velho John e mataria minha própria família?
Não, eu não poderia deixar isso acontecer. De alguma forma, eu sabia que era culpa do relógio, porém, me recusei a destruí-lo, algo dentro de mim não permitiu isso.
Tornei a acompanhar Elizabeth na igreja, mas isso não funcionou. Então chegou à noite que mudou tudo.
Estava caindo um dilúvio lá fora, e Elizabeth estava tentando acalmar nosso filho que chorava como nunca. Aquele choro estava me incomodando mais que o normal.
Gritei mais alto que o barulho da chuva, mandando Elizabeth o fazer calar a porcaria da boca. Ela gritou comigo de volta e aquilo me irritou, aproximei-me dela e por um momento ponderei golpeá-la com toda minha força em seu belo rosto.
Thomas se calou e eu recobrei da consciência de minhas ações. Elizabeth estava assustada em um canto, com os olhos cheios d’água enquanto segurava nosso filho.
Nunca levantei a mão para ela antes, muito menos gritei com ela, aquilo não era eu, disso tenho certeza.
Depois deste episódio, Elizabeth passou a me evitar. Eu não a culpo, o culpado era somente eu… não, a culpa é do maldito relógio, esta praga demoníaca que me atenta a fazer coisas desse tipo. Decidido, enterrei o relógio no jardim, mas meus pensamentos malignos não cessaram, ao contrário, ficaram cada vez mais recorrentes. Algumas vezes fui grosso o bastante com Elizabeth, meus gritos eram poderosos e assustadores.
Sou um homem alto, e sei ser bastante intimidador quando me convém. Elizabeth passou a ter um medo desmedido de mim, ao menor sinal de que teríamos uma discussão, ela se tremia toda, e nosso filho passou a chorar mais e mais alto.
Aquilo estava insuportável.
Minha esposa havia se tornado submissa o bastante para fazer tudo que eu pedisse, e eu não desejava isso. Então houve uma vez enquanto transávamos que a fiz sentir dor, e aquilo me excitou de uma forma que nunca senti antes. Passei a ser mais violento, e encontrei tamanha volúpia à vela sofrer.
Era nítido que ela não estava feliz, só vivia com medo debaixo do teto de um homem que tinha se transformado em um monstro.
Eu não poderia deixar isso acontecer, se não, eu machucaria minha família de uma forma na qual me faria arrepender e remoer aquela dor como o velho John.
Depois de toda informação obtida sobre o relógio, era inegável que cedo ou tarde eu desejaria os matar, mas que tipo de homem em sã consciência mataria sua família?
Escrevi para minha irmã e convenci Elizabeth a visitá-la, ela estava com tanto medo de mim que aceitou de imediato. Ela e Thomas iriam passar ao menos o fim de semana fora.
Enfim, estavam a salvo de mim, mas meus desejos sórdidos não cessaram. Não me entenda errado, amo minha esposa e filho, mas meus desejos estavam além do meu controle. Fiquei sozinho em casa e acabei contratando os serviços de uma meretriz de um condado mais populoso.
Ninguém poderia suspeitar de mim.
O prazer de vê-la sofrer e implorar pela vida enquanto mantínhamos uma troca de prazer, eu queria sentir isso.
A levei para a sala e foi lá que comecei.
Primeiro, a estrangulei com minhas próprias mãos durante o ato. Tive que agredi-la para que ela não gritasse. Estrangular uma pessoa não é tão fácil, elas demoram a morrer, e a meretriz não parava de se mexer, quase desisti, mas enfim ela ficou quieta e senti uma volúpia indescritível.
Por sorte, ela não sangrou muito. Estendi um pouco de feno no soalho e a esquartejei. No meio da noite, coloquei suas partes em diversos panos que usava para realizar compras na feira e os enterrei no jardim.
Nunca me senti tão bem em toda minha vida.
Como cristão, eu estava ciente do meu pecado, mas isso não importava mais, naquele momento eu já estava condenado ao inferno.
Minha esposa voltou para casa e eu a tratei como uma verdadeira rainha, nossa relação estava melhorando.
Os dias passaram, e quase todos os fins de semana Elizabeth visitava minha irmã, elas estavam se tornando melhores amigas, e todo fim de semana eu fazia a mesma coisa. Chegou ao ponto em que eu não me importava mais se eram meretrizes, ou até mesmo animais. Comecei a me descontrolar e as notícias circularam pela cidade e um pouco mais além. Estavam procurando o responsável por isso. Algumas pessoas acusavam os satanistas, outros, os indigentes que viviam em condições precárias. Iniciaram uma verdadeira caçada ao procurado, em suma, estavam procurando a mim, e pro azar deles, eu fazia parte do grupo de investigação.
Elizabeth ficou com medo de sair de casa, e deu um tempo com a minha irmã, e isso afetou a minha mente. De alguma forma, eu tinha que me controlar, mas não consegui.
Enquanto Elizabeth dormia, cogitei a possibilidade de estrangulá-la, me segurei ao máximo, mas quando me dei conta, lá estava eu, com as mãos em seu pescoço.
Ela estava se debatendo como nunca, e quando perdeu a consciência, eu a soltei. Sai de cima dela e me afastei apavorado. O que eu havia feito!? O que eu havia me tornado?!
Elizabeth puxou todo ar que cabia em seus pulmões e recobrou a consciência. No momento em que colocou os olhos em mim, ela entrou em desespero. Tentei acalmá-la, mas ela não deixou eu me aproximar, ficamos nos encarando por alguns minutos enquanto ela segurava um pedaço de madeira para se defender.
Um desejo dentro de mim ansiava por uma confissão.
Disse a ela tudo que eu havia feito, foi de cortar o coração, vê-la chorar daquela maneira. Thomas, também começou a chorar, me afastei enquanto Elizabeth o pegava no colo. Eu disse para ela pegar nosso filho e dar o fora daquela casa o mais rápido possível, ir direto para a casa da minha irmã, que lá ela estaria segura.
Não havia outra maneira, eu tinha que me entregar, mas de todo modo, eu seria morto, condenado ao enforcamento, morreria como as mulheres que matei.
Decidi que faria isso do meu jeito.
Se você lê esta carta, provavelmente a encontrou ao lado do meu corpo. Saiba que o culpado não sou eu, existe algo naquele relógio que instiga as pessoas a serem perversas, ou talvez, o relógio apenas faça seu verdadeiro eu vir à tona.
Neste exato momento, enquanto escrevo, estou preparando uma cova para mim em meu jardim, irei me deitar com todos aqueles seres que matei, e espero do fundo de minha alma que eu seja punido.
Se existir algum ser divino, ele fará o que é certo.
Já preparei minha espingarda e não estou com medo da morte. Querida Elizabeth, eu a amarei para sempre, e espero que nosso filho cresça e se case com uma bela mulher. Não precisa falar sobre mim para Thomas, é melhor que ele não saiba sobre o pai demente. Ao meu amigo xerife, obrigado por confiar em mim. O que transcrevi não passa da mais absoluta verdade, quer queiram, quer não.
Já fui um bom homem, mas me reduzi a isso, um assassino que mata a sangue-frio. Não tenho orgulho do que fiz, mas não me arrependo.
Graças aos assassinatos consegui sentir sensações tão maravilhosas que é impossível transcrevê-las em uma carta de suicídio.
Eu simplesmente renasci.
Sobre o relógio, não se preocupem, o desenterrei e o escondi em um lugar que jamais irão encontrar. Talvez o encontrem daqui a alguns anos, e talvez existam pessoas tão perversas quanto eu, que matam sem remorso e gostam disso. Talvez seja culpa do relógio, ou talvez não seja, no fim, eu nunca descobri verdade.
Está na minha hora de ir.
A última mensagem que deixo, é para não sucumbir aos vossos desejos, porque se assim o fizerem, vocês podem acabar gostando do que é repugnante, é um caminho sem volta.
Logo começará a chover e estou ansioso para saber qual é a sensação de morrer. Talvez não seja nada de mais, ou talvez seja. Afinal, você nunca vai saber até que tenha cruzado esta linha tênue da pós-vida.
Adeus e fique bem, querida Elizabeth…
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.