Capítulo 19 - Caçadores
*Essa é uma prévia da reescrita! Ainda está crua, sem o polimento final, mas logo ganha forma. Se notar algo fora do lugar, toda ajuda é bem-vinda!
O cheiro de fumaça foi a primeira coisa que sentiu. Não era denso o suficiente para indicar um incêndio, então presumiu que fosse apenas a fogueira. Perto, o crepitar da madeira queimando soava quase reconfortante. Ao fundo, vozes. Movimentos discretos. O farfalhar de alguém revirando bolsas e equipamentos.
Depois do cheiro, veio a dor.
Uma dor surda, espalhada por cada fibra de seu corpo, como se tivesse sido colocada para rodar em um moedor de carne. Claro, não era exatamente um problema.
A dor era uma velha amiga, e essa não estava nem perto da pior dor que já experimentara, mas ainda assim… era incômoda. Latejava em ondas ritmadas, um lembrete irritante de que ainda estava viva.
Seus olhos demoraram a se ajustar à luz trêmula. A noite já havia caído. Piscou, devagar, sentindo os sentidos se encaixarem no presente com a mesma lentidão de uma engrenagem enferrujada tentando girar. Seu corpo estava coberto por um pano grosseiro, jogado por cima com uma tentativa óbvia de mantê-la aquecida.
“Que comovente.”
Tentou se mover, mas uma pontada aguda na perna a fez travar no meio do movimento. Levou os dedos até o local da dor e encontrou a textura áspera de um curativo improvisado. Não era uma obra-prima da medicina, mas estava longe de ser um trabalho amador.
— Tá viva?
A voz veio da esquerda. Ana virou o rosto e encontrou a ruiva sentada sobre um tronco, afiando uma adaga curta com movimentos lentos e precisos. O tom seco não carregava hostilidade, apenas um cansaço sem nome.
A garota parecia ter aquele tipo de personalidade direto e sem rodeios que alguns podiam desgostar, mas para Ana conversas ficavam mais agradáveis quando seguiam assim. Com uma olhada, notou que a atenção dela não estava realmente na arma que segurava.
“Ela está avaliando a situação.”
Era um hábito bom. Um instinto de sobrevivente.
Parecia ser a líder ali, mas não do tipo que gostava de ser. Pelo modo como bufava entre uma frase e outra, devia estar segurando muito mais peso do que queria admitir.
— Ainda não sei dizer… — murmurou por fim em uma semi-brincadeira, sua garganta arranhada, cada palavra um arrasto áspero na boca.
A jovem ergueu uma sobrancelha, como se ponderasse se aquilo era uma piada ou um sintoma de confusão mental.
— Que bom. Seria um saco arrastar o corpo da nossa salvadora até a cidade.
Finalmente, a jovem arqueira a encarou. O brilho juvenil de antes parecia ter se apagado. O que restou foi um olhar exausto, o cansaço cravado fundo em seus ossos. Mas ela tentou sorrir, por pura educação ou gratidão, Ana não sabia dizer. Bom, a realidade sempre foi uma professora cruel.
Ana riu. Um som curto, áspero, mas genuíno.
O silêncio se acomodou entre as duas, um intervalo frágil, carregado por pensamentos não ditos.
Voltando a repousar a cabeça, Ana aproveitou esse tempo para processar. A cena ao redor parecia pacífica, mas havia certo tipo de tensão invisível pairando no ar, uma presença fantasma do que aconteceu horas atrás.
Quando se sentiu pronta, se espreguiçou com um suspiro e tentou levantar, apertando os dentes no instante em que o movimento puxou os músculos machucados, mas ignorando a rigidez de cada movimento.
— Ei, ei, calma, você tá machucada, não devia sair por aí! — A ruiva parou de afiar a lâmina e se levantou de imediato, tropeçando no próprio cansaço enquanto erguia as mãos como se estivesse prestes a derrubá-la de volta à lona à força.
Ana a ignorou, testando o peso do próprio corpo sobre a perna ferida. Não era tão ruim. Dava para lidar. A arqueira olhou para ela como se estivesse lidando com uma maldita lunática e, de repente, bateu na própria testa com a palma da mão.
— Ah, eu tava distraída, nem me apresentei! Meu nome é Júlia.
— Me chamo Ana.
A resposta saiu mais áspera do que pretendia, como se a voz ainda não estivesse totalmente ajustada ao ambiente. Júlia não pareceu se importar.
— É um prazer, Ana. Ei, Alex, a moça acordou!
Uma voz distante respondeu, carregada de um estranho bom humor.
— Tem certeza? Ela não tá só murmurando de novo?
Não demorou para a estudiosa milenar conseguir localizar a origem do som. O jovem da lança — agora sem a lança, aparentemente — estava sentado perto do fogo, com um pano enrolado na cabeça.
No entanto, a falta de pesar no tom do garoto pegou Ana de surpresa.
Durante a batalha, ele gritou, chorou, atacou o monstro com uma fúria que parecia maior do que ele. Agora, sua voz carregava um tom quase… animado.
Estranho.
— Sim, ela tá me encarando, olhos bem abertos! — Júlia gritou de volta, cruzando os braços com um ar satisfeito.
Com uma respiração alta, ele se levantou, aproximando-se rapidamente.
Vendo-o mais de perto, o rapaz era alto, mas não imponente. Ombros largos, feições amigáveis. Parecia confiável, alguém para se manter ao seu lado em momentos difíceis. As olheiras escuras marcavam sua pele como hematomas, mas seu sorriso crescia cada vez mais, gigantesco.
— Fico feliz que tenha acordado, eu sou o Alex. — Sua voz saiu firme, mas os olhos repentinamente brilharam, úmidos. — Devo minha vida a você, assim como a vida do meu irmão, Felipe.
Quase se curvando, o jovem caçador levou uma das mãos ao peito, como se isso fosse selar sua promessa. As lágrimas brotaram sem que ele tentasse contê-las.
— Seja lá o que você precisar, saiba que pode contar com a gente. Juro por Deus que vamos compensar isso.
Ana ergueu uma sobrancelha. O juramento a pegou de surpresa. Não conseguiu evitar o impulso de rir, mas conteve o som na garganta.
— Não foi nada, eu também não teria durado muito sem vocês. — Chacoalhou uma das mãos, dispensando a oferta como se estivesse espantando um mosquito inconveniente. Mas então, piscou, franzindo o cenho. — Pera… do seu irmão também?
— Sim, o desgraçado também tá vivo. — Júlia interrompeu antes que Alex pudesse responder, tomando a frente da conversa com a naturalidade de quem não sabia lidar com emoções sérias. Depois bocejou, como se a informação não fosse algo tão impressionante assim. — Por um fio, mas tá.
Ana piscou de novo, dessa vez sem esconder a surpresa.
Lembrou-se do sangue jorrando do garoto sem braço, do rosto dele ficando pálido, dos olhos se desfocando até não verem mais nada.
“Não tem como esse cara estar vivo…”
Seu olhar varreu o ambiente. Não demorou a localizar a garota loira desmaiada e, ao lado dela, o jovem caído. Ambos estavam tão próximos que pareciam ter sido arrastados para aquele ponto com um propósito específico. Seus corpos quase se fundiam à carcaça de um dos lobos mortos, encostados na pele seca como se fosse um travesseiro improvisado.
Com um estalo e uma esquisita suposição se formando, virou a cabeça devagar, analisando o próprio entorno com novos olhos. Notou então que ali também jazia um cadáver.
A floresta era vasta, centenas de árvores rodeavam o local, o chão de terra era duro e seco, a madeira firme. Mas, por algum motivo, todos foram encostados nas criaturas mortas.
Por quê?
Suspirou, e balançando a cabeça, seus olhos deslizaram de volta para os jovens desacordados. Os dois foram enfaixados da mesma forma que ela. Seus rostos estavam pálidos, exaustos, mas bem. Bem demais. Aquilo era impossível.
Sabia como ferimentos funcionavam. Sabia que um simples curativo não era suficiente para manter alguém vivo após perder um membro inteiro. Mas ela também sabia que já tinha perguntas demais.
Guardaria essa para depois.
Ou não… a curiosidade venceu. A pergunta se apoderou de sua língua sem que conseguisse impedir.
— Por que estamos encostados nesses bichos?
Alex e Júlia se entreolharam. Um olhar rápido, sutil, mas carregado de algo que Ana não conseguiu decifrar.
— Você tá realmente bem? — questionou a ruiva, os olhos levemente estreitados.
— Tô sim… não pareço?
Júlia abriu a boca para responder, mas Alex ergueu a mão, pedindo silenciosamente para que ela o deixasse lidar com aquilo.
— Ana, só queríamos te ajudar na absorção. A ideia foi minha, espero que não fique irritada com os outros.
— Não, não… — murmurou Ana, piscando enquanto a mente latejava de confusão. — Eu só… devo estar um pouco zonza ainda.
Absorção? Mas que merda é essa de absorção?
Soava como algum ritual místico de cultista barato. Talvez uma superstição bizarra. Coloque um moribundo em contato com a criatura e ele se curará através de alguma energia oculta do universo. Hah! Ridículo.
Mas ainda assim, o garoto estava vivo.
Aquilo a incomodou mais do que estava disposta a admitir.
Respirou fundo. Ok, guardar essa questão para depois também. Por enquanto, precisava de respostas mais concretas.
Apontou o queixo para a garota loira desmaiada.
— E ela? Não lembro de ter se machucado.
Dessa vez, Alex e Júlia não hesitaram em trocar mais olhares confusos.
— A Marina? Ué, desmaiou por falta de mana — respondeu a arqueira, sem saber se tinha entendido de verdade a pergunta.
Ana franziu a testa. Mana?
A palavra reverberou dentro dela como um eco deslocado. Uma lembrança nostálgica de livros, jogos, histórias de fantasia que jamais haviam pertencido ao borrão chamado de mundo que estava em sua mente.
Ah, claro. Mana. Por que não?
Se havia magia, então fazia sentido existir um custo. Pelo menos explicava um pouco sobre essa tal absorção. Ou ela achava que explicava… não muito, mas o suficiente para que seu cérebro começasse a traçar hipóteses.
O uso excessivo drenava a vitalidade do usuário até o colapso? Ou havia algo mais? A mana se regenerava sozinha? Dependia da condição física? Do ambiente?
E se esgotasse completamente… o que acontecia?
Virou-se para Alex, forçando sua mente a seguir em frente.
— Bom, que seja. Fico feliz que seu irmão esteja vivo, mas… — sua voz saiu controlada, mas carregava um peso que ele não parecia pronto para ouvir — não acho que ele vá poder lutar de novo. Pelo menos, não com uma espada.
Uma pena. Ele parecia gostar disso.
Alex sorriu sem graça, coçando a nuca.
— Não tem o que fazer. É a vida de um caçador de rank F. — Deu de ombros. Sua voz carregava um tom estranho, um tipo de resignação que vinha do coração.
Ana não prestou atenção nessa parte, mas sim na palavra dita tão casualmente que não deveria ter se destacado: caçador.
Os olhos da jovem eterna voltaram a brilhar.
Ainda era a quinquagésima segunda hora do dia, mas, para ela, o mundo parecia se expandir a cada segundo.
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