Capítulo 11: Castelo de Hengracia
Meredith me arrastava pelo quintal da mansão do Faisal. Nossos passos ressoavam pelo gramado e nossas mãos direitas entrelaçadas criavam calor. O meu coração começou a acelerar subitamente, enquanto corríamos ao som daquele vento sibilante.
Depois de tanta correria, muito suspiro, finalmente chegamos ao estábulo onde ficavam os cavalos e as carruagens daquela mansão. Chegando lá, encontramos um capataz, que tinha a função de guarnecer e alimentar os cavalos.
Meredith usou de sua autoridade como noiva, ou melhor (ex-noiva) do Faisal para ordenar que ele nos levasse ao distrito de Garcia onde ficava o castelo do rei.
Sem mais tardar, subimos a carruagem e o capataz tomou as rédeas dos cavalos, começando a balançá-las. Os cavalos se moveram rapidamente em direção a um portão enorme usado para a saída de veículos grandes como carruagens.
— Tudo bem deixá-los lá?
— O que tem? Que apodreçam juntinhos!
Meredith respondeu de forma tão fria que me causou um arrepio na espinha. Normalmente, quem contaria o ocorrido era a mesma empregada que levou a Meredith ao ninho do amor. Contudo, agora que eu intervi, não sabia quem contaria. E como Faisal decidiu que a área era restrita, provavelmente os encontrariam já em estado de composição.
“A única que eu acho que pode encontrá-los é a mulher dos venenos, a tal da Sherine.”
Ela era a serva mais chegada ao Faisal e talvez fosse a designada por cuidar daquele quatro.
“Mas bem, por que estou pensando nisso mesmo?”
“Não é da minha conta mesmo. Faisal e Graziela colheram o que plantaram. Do pó vieram e ao pó voltaram, só que carregando consigo os seus pecados.”
— Jarves…
Direcionei os meus olhos a Meredith que abria um sorriso no seu rosto.
— Muito obrigada! De verdade!
— Não precisa, Meredith.
— É sério! — Ela cerrou os dois punhos, com os olhos brilhantes. — Você é uma benção na minha vida! E — Seus traços deixaram escapar um pouco de tristeza — sinto que se você não estivesse aqui, tudo seria ainda mais pior e doloroso do que já é.
“Nisso eu lhe dou razão, Meredith.”
Soltei um leve sorriso.
— A partir de agora pode contar comigo!
— Certo. — Ela sorriu. A carruagem passava voando pelas ruas daquele distrito, rumo ao distrito de Garcia.
Se bem me lembrava, o rei e a família real não eram umas mil maravilhas. Tinha minhas dúvidas se iriam receber bem essa notícia, ou melhor, se iriam ao menos nos receber.
“Que sono.”
Levantei as mãos enquanto bocejava. Os meus olhos foram se fechando, enquanto a minha cabeça caia contra uma superfície tão macia quanto um algodão-doce.
— Jarves!
No meio daquele breu, uma silhueta masculina se aproximou de mim. Seu rosto se tornava mais nítido à medida que se aproximava.
— Faisal?!
— Devolve o meu dinheiro agora! — Faisal fazia uma cara assustadora, parecia até um zumbi.
“Essa cara não tinha morrido?”
— Você disse que iria guardar o meu segredo em troca de uma renda mensal, mas não o fez.
— Sabe como é, né? O mundo é dos espertos!
— Você se aproveitou de mim!
Ele continuava rosnando sem parar o quanto eu havia me aproveitado dele. Ao passo que quanto mais eu retardava, mais ele se aproximava com aquela cara monstruosa.
— Para onde pensa que vai?
“Essa voz dócil… “, olhei para trás, contemplando uma mulher vestindo um cobertor branco. Seus olhos violetas eram tão semelhante às de uma serpente, enquanto balançava sua língua fina.
Tinha que ser a Graziela.
As correntes que saíram das palmas das suas mãos me prenderam, juntando meus dois braços contra a cintura. Eu lutava para me soltar, mas eram grossas e duras demais.
Subitamente, ela desapareceu em uma névoa e reapareceu rente aos meus ouvidos. Sua língua fazia cócegas nas minhas orelhas.
“Ok, isso ficou bizarro.”
“Socorro! Socorro! Alguém me tira daqui!”
” Meredith, me ajuda!”, Comecei a suspirar ofegante, enquanto me debatia naquelas correntes.
— Devolve o meu dinheiro! Devolve!
Faisal também estava mais perto do que nunca. Sua pele apodrecia ainda mais enquanto ele abria aquela boca enorme com dentões que deixavam escapar muita saliva.
— O meu dinheiro!
— Foi tudo culpa sua! — A língua dela não parava de balançar, encharcando a minha face direita de saliva.
— O meu dinheiro!
— Agora eu vou te devorar!
A boca de ambos se abriu enquanto eu gritava incessante: NÃO!!!
Abri os meus olhos bruscamente, suspirando ofegante. O meu coração palpitava como nunca.
“Que pesadelo mais bizzaro!”
Fiquei traumatizado.
— Acordou?
Só agora é que me dei conta de que minha cabeça repousava sobre as coxas da Meredith. Seus olhos azuis pousavam sobre mim.
— Hein? Mas o que eu estou fazendo aqui?!
Me levantei subitamente, encostando o meu corpo retilineamente contra aquele sofá da carruagem.
— Desculpa. É que o banco dessa carruagem não é tão confortável assim, então eu tomei a liberdade de encostá-lo nas minhas coxas. Elas são duras por acaso?
— Não! Eu é que tive um pesadelo —suspirei, pressionando a minha mão contra o peito.
— Ah! Então é por isso que você fazia aquelas caretas estranhas!
— Hã!? Você viu? Que vergonha! — Cobri o meu rosto com as minhas duas mãos.
— Eu achei fofo demais. — Ela sorriu. Fui descendo as mãos. — Me lembrou bastante o meu irmão.
— É mesmo, é? — Soltei um leve sorriso. Ela balançou a cabeça positivamente.
Olhei pela janela e já havia amanhecido. Os passarinhos entoavam o seu cântico do novo dia enquanto as ruas, de pouco a pouco, eram movimentadas de pessoas que saiam para as suas rotinas diárias. Uns para a escola, outros para trabalhar, etc.
— Já entramos no distrito de Garcia. Em breve chegaremos ao castelo.
Espreitei a minha cabeça na janela da carruagem, sendo alvo de uma brisa sibilante que batia contra o meu rosto.
— Wow! Consigo ver o castelo! Lá mais para frente, no topo da colina! — sorri, com os olhos fitos naquela construção no planalto.
— Você nunca tinha vindo aqui antes, não é?
— Também, eu era um mendigo sem ter onde cair morto. Como eu teria condições para vir aqui?
— Família…
Removi minha cabeça da janela, olhando para ela.
— Você não tem uma família?
— A minha não faz parte desse mundo.
“Literalmente falando.”
— Entendo. Então eles…
— É — cortei, elevando a minha mão direta à testa enquanto fazia uma expressão dramática. — E eu acabei como um mendigo; sem teto e sem comida para sobreviver.
— Eu sinto muito. — Ela mordeu os lábios. — Isso só me faz sentir ainda mais culpada por tê-lo desprezado sem antes conhecê-lo de verdade. Ainda há muito que tenho que aprender como ser humano.
— Você já deu um grande passo então.
— É… Acho que isso é verdade.
Ela sorriu de leve enquanto inclinava um pouco a cabeça, suas madeixas acompanhando o movimento enquanto ela entrelaçava suas mãos. E eu coloquei a minha cabeça para fora da janela novamente, falando para o vento palavras aleatórias enquanto aproveitava aquela brisa batendo contra o meu rosto.
“Sempre quis fazer esse tipo de coisa, sem levar nenhum tipo de repreensão ou surra da minha mãe!”
“E agora posso fazer a vontade! E sem me preocupar com algum tipo de acidente!”
— Acelera mais!
— Você vai se machucar, Jarves.
— Vou nad— — A carruagem balançou e eu mordi a minha língua.
“Aí, que dor!”
— Eu não falei? Machucou a língua, né?
— Bla murmu bla hmmmm…
— Hã? — Ela ergueu uma das suas sobrancelhas. E eu retirei uma das poucas poções de cura que eu havia guardado no meu bolso, despejando todo aquele líquido verde na minha boca.
— Caramba! Essa poção de cura é mesmo eficaz! Consertou a minha língua! — suspirei de alívio.
Ela começou a rir do nada enquanto colocava o punho entre os seus lábios.
— Você é engraçado! Já pensou em virar bobo da corte?
— Dispenso. No dia em que eu deixar de fazer o rei e a rainha rirem, minha cabeça vai parar na guilhotina.
— Vai nada! Tenta aí, eu te apoio!
— Financeiramente? — sorri, com os olhos brilhantes.
— Emocionalmente.
Meu sorriso foi abaixo.
— A propósito, se não estou em engano, um certo senhor usou minhas economias sem permissão.
— Esse cara deve ser muito cruel. Quem faria uma barbaridade dessas?
— Quer que eu mostre?
— Claro. Gostaria de conhecê-lo.
Ela retirou um espelho do bolso da porta, direcionando-o a mim. Ele refletiu o meu rosto.
Vendo bem, eu não mudei nada desde que renasci nesse mundo. Contínuo tendo o mesmo cabelo preto e os mesmos olhos azul-escuro.
— Consegue vê-lo?
— Até que ele é bonitão! — Soltei um sorriso colgate para o espelho e ela começou a rir.
— O que foi?
Ela guardou o espelho.
— Você deveria virar um bobo da corte mesmo! Não consigo resistir às suas caretas!
— Então olha essa aqui!
Continuei a fazer mais caretas, roubando mais risadas dos seus lábios. Essa era a minha maneira de ajudá-la a superar mais rápido aquela cena horrenda.
Depois daquela sessão de risadas, finalmente adentramos os domínios do castelo. Não tivemos quaisquer problemas para passar pelo portão principal, pois, além dos soldados reconhecem Meredith, ela também possuía um colar real dado apenas aos membros da realeza.
Isso porque para ter acesso ao castelo real era necessário marcar um horário, salvo exceção dos que tinham aquele colar real, no caso, os da realeza.
“Que castelo!”
Os meus olhos passeavam pela área ao redor, contemplando arbustos bem podados ao lado de fontes que deixavam jorrar água.
Não posso negar que bateu uma vontade de morar nessa fortaleza que só via na série.
“Quem sabe se eu der sorte, não acabo casando com uma das princesas desse reino.”
Passei o dedo indicador sobre o nariz enquanto sorria.
“Isso seria perfeito!”
“Meredith e o herói. Eu e uma das suas primas, seríamos uma família perfeita!”
As minhas bochechas ficaram vermelhas só de pensar nisso.
Descemos da carruagem. Meredith pediu que um dos soldados solicitasse uma audiência urgente com o rei.
” Sabe como é, né? Essas burocracias.”
Enquanto isso, esperávamos naquele lindo jardim. O cheiro agradável das flores atraiu as minhas narinas. Deixei o banco em que sentava e comecei a caminhar um pouco por aquele gramado, apreciando aquelas flores coloridas perfeitamente perfiladas.
Logo mais adiante, havia uma fonte que ilustrava a estátua de mulher vestida de lençóis, carregando um pote ligeiramente inclinado na sua cabeça, que deixava escapar água para a fonte. Do lado dela, estavam as estátuas de duas crianças, que puxavam seus lençóis.
— Sempre que vejo essa estátua, me lembro do papel que a mulher possuí na sociedade, e da sua luta contínua para alcançar a independência nesse reino.
— Como assim, Meredith?
— Falo que nós mulheres desse reino somos bastante limitadas. Que história é essa de quando casarmos devemos deixar de fazer nossos trabalhos para nos dedicarmos inteiramente ao lar? No mínimo, inadmissível!
Meredith começou a falar sobre a emancipação das mulheres, assunto ao qual eu queria ficar bem distante.
Sinto que não sou a pessoa mais apta para discutir esse assunto, afinal de contas, sou um homem.
— Ei, Meredith, calma, sim? — Estiquei os meus braços com a cara tensa. — Você não acha que eu sou a pessoa menos indicada para isso?
— O quê? Tá me dizendo que concorda com essa palhaçada?!
— Eu, não…
“Ferrou…”
Tive que ouvir o discurso da Meredith sobre a emancipação da mulher por longos minutos, até que o meu salvador, o soldado, chegasse com a feliz notícia de que o rei havia aceitado nos receber.
Balancei a mão do soldado várias vezes, enquanto Meredith caminhava de braços cruzados e com a expressão emburrada, em direção a sala do trono.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.