Capítulo 42 - Missão
*Essa é uma prévia da reescrita! Ainda está crua, sem o polimento final, mas logo ganha forma. Se notar algo fora do lugar, toda ajuda é bem-vinda!
Dez tentativas. Dez fracassos gloriosos, cada um deles digno de um registro no diário pessoal de Ana sob o título “Desastres Técnicos Memoráveis”.
Havia algo especialmente humilhante em ver um braço de metal agir por conta própria, seja dobrando-se em direções inesperadas ou recusando-se solenemente a mexer um único dedo. A explosão foi particularmente desconcertante, e particularmente dramática. Cada nova falha rendia aperfeiçoamentos minúsculos — pouco úteis, claro, considerando que o aço, após algumas idas e vindas pela fornalha, demonstrava uma compreensível tendência à greve permanente.
Inevitavelmente, o estoque acabou antes do entusiasmo da ferreira. Ana estava prestes a correr até o fornecedor mais próximo — ou, na ausência dele, qualquer um que tivesse aço sobrando — mas havia dois motivos bastante convincentes para interromper sua obsessão.
Primeiro, e mais evidente, Felipe já não parecia exatamente saudável. Após uma quantidade não recomendável de horas em tentativas frustradas e escasso descanso, ele exibia a aparência típica de alguém que passou uma semana discutindo política com uma parede. Seu corpo mal recuperado apresentava olheiras fundas, típicas de quem havia esquecido que humanos geralmente precisam dormir, comer e, ocasionalmente, respirar.
Já o segundo motivo era menos prático, porém mais urgente: uma chamada antecipada que infelizmente não podia ser simplesmente ignorada.
— Cheguei! — anunciou Ana ao entrar na sala reservada da taverna, com uma animação visivelmente ensaiada.
A sala particular ficava longe do barulho usual da clientela, protegida por paredes suficientemente espessas para silenciar até mesmo as discussões mais exaltadas. A Madame estava sentada entre almofadas coloridas e tapeçarias que exibiam cenas de batalhas heroicas demais para serem reais, bebendo tranquilamente um whisky antigo cujo valor Ana preferia não estimar.
— Vá chegando e se acomode, querida. — O sotaque nordestino dela parecia tornar tudo mais leve e, ao mesmo tempo, mais sério. Uma combinação estranha, mas funcional. Madame serviu dois copos com uma elegância prática, empurrando suavemente o líquido âmbar na direção da convidada que se acomodava a sua frente. — Vamo logo ao que interessa, visse?
Ana levantou levemente uma sobrancelha, divertida.
— Hoje você parece menos… mágica, Madame.
A mulher suspirou, lançando-lhe um olhar irônico que dizia claramente o quanto apreciava aquela observação.
— Pois recebi uma notícia meio atravessada, sabe? Uma velha amiga minha parece que não volta inteira da última missão que pegou.
— Ah… sinto muito.
— Que é isso, mulher, calma! Ainda não é definitivo, não. E mesmo que seja, essa é a vida que ela escolheu. Tenho certeza que vai embora satisfeita com as histórias que vai contar no além. — A Madame sorriu, mas havia um leve peso escondido sob o humor. — Além do mais, sempre pode acontecer um milagre, né não? E hoje, minha filha, esse milagre quem pode trazer é tu!
— Eu tenho a opção de recusar esse convite tão generoso? — Ana perguntou, sorrindo educadamente. Seu instinto estava lhe dizendo claramente que não havia nada bom por trás daquelas palavras.
— Pode, claro! É só me devolver o pagamento todinho.
— Já gastei tudo.
— Então não tem, não.
Madame riu de maneira leve, desenrolando um mapa sobre a mesa. Era um belo pedaço de papel, de linhas elegantes, mas com um nível frustrante de imprecisão que poderia indicar tanto mistério proposital quanto mera preguiça cartográfica. Apontando para pontos cuidadosamente marcados com pequenos riscos, ela começou sua explicação, o tom firme, porém carregado daquela informalidade.
— Ó aqui. Esse rascunho cobre tudinho das áreas aqui por perto — anunciou Madame, batendo levemente no mapa, como quem tenta acordá-lo. — Sendo sincera contigo, já tinha planejado toda uma seriezinha bem ajeitada de missão pra tu. Cada ponto desses aqui, ó, é um pedaço dum quebra-cabeça maior. Missão pesada, complicada, feita especialmente pra testar teu juízo e te preparar direitinho pra virar alguém que preste.
Ana ergueu os olhos lentamente do mapa, captando uma nuance curiosa na fala da mulher. Seu cérebro demorou apenas um segundo para processar o problema, enquanto memorizava distraidamente as poucas referências geográficas fornecidas pelo cartógrafo.
— Como assim “pra virar”? No passado mesmo, já mudou de ideia?
— Pois é, mulher. “Pra virar”, no passado mesmo, porque a conversa mudou. Como eu disse antes, apareceu aqui uma chance maravilhosa pra tu tentar produzir um milagre — Madame explicou, balançando levemente o copo e deixando a bebida dourada girar em círculos preguiçosos. — Recebi notícia recente da minha agente lá em Kurt, aquele fim de mundo cheio de cânion seco, e tu agora…
— Kurt? — interrompeu Ana, franzindo o cenho como se tentasse encaixar esse nome tão prosaico em um lugar claramente exótico.
Madame deu um estalo irritado com a língua e abriu um sorriso conformado.
— Ôxe, já tentou dar nome pra lugar que ninguém nunca viu, criatura? Somos pioneiros, entende? Quem descobre a desgraceira, ganha o direito de batizar do jeito que quiser. Culpa do cartógrafo que achou bonito chamar assim, reclama com ele.
— Vou lembrar disso — murmurou Ana, com um sorriso irônico que retirou imediatamente o ar sério da conversa.
Madame jogou-se de volta às almofadas, encarando Ana com um misto de reprovação e simpatia genuína.
— Tu tirou toda a seriedade que eu tinha juntado com tanto carinho pra explicar esse rolo. Ave Maria… — resmungou, suspirando fundo antes de beber um gole generoso. — Pois bem, no último contato, a minha agente pulou do alto dum desfiladeiro tentando escapar de uns problemas muito sérios. Conseguiu se esconder, pelo que eu entendi, mas ficou toda quebrada. Como não tive mais notícia nenhuma, tô supondo o pior.
Ana franziu os lábios, digerindo o desfecho triste da história e tentando adivinhar em que parte da conversa entraria sua participação.
— Entendi. E o que exatamente eu tenho a ver com isso tudo?
— O negócio é o seguinte: atualmente, não tô podendo chamar minhas rainhas, nem meus reis. São poucos e andam ocupados demais. Quero que tu vá lá encontrar essa agente. Sendo mais específica, preciso que recupere a bolsa que tava com ela.
— Certo. E, considerando que provavelmente ela tá morta… é só chegar lá, pegar a bolsa do cadáver e voltar pra casa tranquilamente?
Madame suspirou alto, encarando Ana com paciência infinita.
— Vixe, criatura, nada na vida é fácil desse jeito, não. Ela tava sendo perseguida por umas Sombras. Provavelmente ainda tão querendo muito aquele negócio. O item tá lacrado por uma marca de mana, sei que não abriram ainda, mas também não consigo saber exatamente onde ele tá.
Ana suspirou mentalmente, concluindo que havia entrado oficialmente na categoria dos recursos descartáveis.
— Tá — disse ela, se levantando com uma calma teatral, ajeitando a roupa com um cuidado excessivo, como se estivesse prestes a sair para um agradável passeio no parque. — Então, se ver essas tais Sombras pelo caminho, minha expectativa de vida cairá drasticamente, certo?
— Depende da sua competência, mas provavelmente sim — respondeu Madame, sem qualquer esforço em suavizar a realidade.
Ana não pôde deixar de admirar a honestidade crua daquela mulher. Pelo menos, não havia fingimentos entre elas sobre as chances de sucesso. A nordestina estendeu para ela um relatório básico, e, com um olhar um pouco mais sério e preocupado, continuou:
— Toma aqui os detalhes importantes: informações da mercenária, descrição do local e uma noção dos inimigos. Ó, deixa eu falar sério contigo: ela é uma das minhas melhores rainhas, uma agente Classe Ouro. E também é uma amiga minha das antigas, sabe como é. Se por algum milagre aquela abençoada ainda tiver respirando, traz ela viva de volta pra mim, tá?
Ana conseguia sentir sinceridade absoluta nas palavras da Madame, mas isso não significava muita coisa no momento. Estava bem pouco interessada em qualquer sentimento genuíno, precisava apenas do patrocínio daquela companhia duvidosa para garantir uma vida minimamente digna.
Ainda assim, estava repensando sua decisão de tornar-se uma rainha mercenária.
Fugir da cidade ao invés de ir para Kurt era, tecnicamente, uma alternativa válida. Claro, significava jogar no lixo todo o esforço dedicado até agora, perder contatos valiosos, decepcionar pessoas que ela acreditava gostar. Ainda assim, parecia melhor do que uma missão suicida, e com certeza muito melhor do que ser presa por não pagar o ouro que inocentemente aceitou com antecedência.
Cabisbaixa, Ana despediu-se da Madame com um gesto mudo, sem energia para produzir uma despedida mais convincente. Planejava pensar melhor sobre a fuga enquanto caminhava de volta para casa quando, por capricho, folheou distraidamente as páginas amareladas do relatório.
Foi então que uma linha discreta capturou sua atenção, tirando-a de seus devaneios com a sutileza de um choque elétrico.
Aquilo não podia ser mais que uma coincidência irritante, não é? Ah sim, não podia ser real. Afinal, o que o mundo tinha contra ela para continuar com essas brincadeiras de mau gosto?
Se ela já tinha dúvidas antes, agora não havia mais espaço para nenhuma ilusão otimista: ele claramente a odiava.
Com um suspiro longo e levemente dramático, a garota releu a frase que parecia zombar dela diretamente do papel.
“Rainha mercenária desaparecida: Margareth – Ouro Aficionado – Leitora.”
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