Capítulo 49 - Força
*Essa é uma prévia da reescrita! Ainda está crua, sem o polimento final, mas logo ganha forma. Se notar algo fora do lugar, toda ajuda é bem-vinda!
Ana congelou por um instante quando seus olhos reconheceram Margareth, sua mãe, encostada na parede da caverna como se fosse apenas mais uma decoração inadequada naquele ambiente sinistro. Inconsciente, talvez. Só podia esperar que fosse isso, mas a pouca iluminação impossibilitava confirmar. Como sempre, a vida parecia querer dificultar até as mais simples gentilezas.
Surpreendentemente, a caverna era menor do que imaginara; menos de dois minutos após entrar, estava diante de uma câmara espaçosa, mas curta demais para permitir alguma esperança de fuga ou de uma estratégia minimamente decente. No fundo, ao lado da mulher desacordada, repousava a bolsa, o objetivo oficial da sua missão.
Era quase divertido constatar que a tal Sombra havia decidido priorizar sua sobrevivência, ao invés de simplesmente pegar a tal bolsa. Bom senso parecia uma característica improvável para aquele ser.
“Ao menos”, Ana pensou com um sarcasmo silencioso, “Isso tornava tudo mais interessante.”
Era dali que os ruídos vinham. Da dança mortal que a havia atraído com tanta intensidade.
Desta vez, contudo, não havia nada da casualidade desconcertante que a Sombra demonstrara ao enfrentar seu pequeno grupo. A expressão da mulher era tensa, carregada por uma seriedade avassaladora.
Veias negras serpenteavam visivelmente sob a pele pálida, pulsando com uma irregularidade perturbadora, como se estivesse prestes a explodir em pura energia caótica. Cada corte da grande espada parecia uma afronta pessoal a algo invisível.
Se o oxigênio pudesse reclamar, teria feito isso algumas dezenas de golpes atrás.
Curiosamente, a Sombra estava sangrando, e não era pouco. Ao ver aquelas gotas vermelhas, Ana sentiu um alívio irônico por não ser a única pessoa a ter um dia ruim.
As lâminas se encontravam com tanta velocidade que o som se transformava numa melodia estranha, brutalmente hipnotizante. Aquela batalha não era só diferente em escala — era um verdadeiro tapa na cara do orgulho que Ana havia cultivado por anos.
A realidade zombava de sua suposta grandeza com a crueldade de quem conhece todos os seus defeitos, e, com amargura crescente, a rainha mercenária percebeu que sua habilidade, aquela que durante anos considerou acima de qualquer um, era o equivalente a um truque de feira diante de tal coreografia sangrenta. Gabriel provavelmente riria da sua cara agora, e por um breve instante, desejou intensamente que ele estivesse ali só para que pudesse lhe dar um belo soco por isso.
Dito isto, deveria ela arrancar os próprios braços também?
A ideia parecia tentadora demais, e não tinha como largar o pensamento, pois logo à sua frente, enfrentando a guerreira de armadura negra, estava sua nova concepção de ápice da humanidade — Natalya, se sua memória não falhava.
Um desconforto frio deslizou por sua nuca enquanto admirava, com olhos brilhantes e uma ponta incômoda de inveja, o corpo metálico da mulher que conhecera brevemente na taverna.
Havia algo perversamente elegante na maneira como se movia, um equilíbrio estranho entre beleza e ameaça que Ana só vira antes em armas muito bem-feitas. Natalya também estava ferida, é verdade, mas não seria uma aposta muito ousada dizer que ela ainda estava ganhando.
— Extraordinário… — murmurou sem querer, escapando com uma intensidade que até a própria Ana achou excessiva.
Agradeceu silenciosamente ao além por não ter sido ouvida. Por uma sorte improvável — talvez Deus estivesse de folga —, ela pronunciara a palavra exatamente no momento em que as duas adversárias decidiram se afastar, ofegantes, cada uma avaliando cautelosamente a condição da outra.
— Não viu que eu cheguei primeiro? — Natalya perguntou, com aquela calma que soa mais como provocação do que paz de espírito. — Essa briga nem faz sentido.
A Sombra, ainda recuperando o fôlego, respondeu com uma simplicidade desconcertante.
— Não posso deixar um item da Mãe nas mãos de uma… Humana? Ou seja lá o que você for. Aliás, seu corpo é ótimo.
Natalya arqueou levemente a sobrancelha, permitindo-se um sorriso enviesado ao ouvir o elogio inesperado.
— Que coisa estranha para dizer a alguém que acabou de tentar matar.
— Um bom corpo é um bom corpo.
A aparente trégua durou menos que uma batida do coração. Sem mais formalidades, a Sombra avançou novamente, executando um giro de braço tão distorcido e fluido que Ana teve certeza que não deveria ser possível. Mas lá estava a realidade, uma linha vertical cortante que se dirigiu diretamente ao peito metálico da colecionadora.
— Um pouco mal-educado atacar assim no meio de uma conversa civilizada — reclamou Natalya, com um tom de voz que indicava mais desgosto pelo cigarro amassado que retirava do bolso do que pela ameaça que se aproximava em alta velocidade.
Faíscas iluminaram brevemente a caverna ao chocar-se com os braços cruzados da mulher robótica, revelando uma resistência ao impacto que deixou a rainha mercenária escondida com um sorriso quase involuntário no rosto. Era impressionante como alguém podia enfrentar aquela monstruosidade e ainda parecer tão entediada quanto um funcionário público numa terça-feira.
Ao invés de contra-atacar imediatamente, Natalya deu dois passos calculados para trás, ajustou os ombros com indiferença e levou o cigarro torto até uma das ombreiras metálicas, acendendo-o no calor residual do próprio corpo. Ana sentiu uma pontada de irritação ao perceber que aquela mulher, além de extraordinariamente habilidosa, ainda fazia questão de parecer cinematográfica.
Não havia reparado antes, mas agora, com as faíscas ainda frescas na retina, notou que a pele metálica de Natalya brilhava com o tom intenso e quente do ferro recém-forjado. Não era exatamente a luz de esperança que esperava, mas ainda assim era agradável.
Com um movimento abrupto, como quem decide de repente que a conversa já se prolongou demais, as lâminas acopladas aos braços de Natalya deslizaram para baixo, alongando-se até formarem algo perigosamente próximo de duas espadas curtas. Ou garras grandes, se você fosse criativo o suficiente para imaginar dessa forma.
Tragou profundamente, e enquanto uma grossa nuvem de fumaça escapava lentamente de seus lábios, misturando-se preguiçosamente às sombras da caverna, seus olhos permaneciam fixos na adversária, uma expressão gélida e impiedosa estampada em seu rosto.
Avançou.
Ana não fazia ideia de quanto tempo tinha permanecido desacordada, mas, pela intensidade com que a batalha se desenrolava, desconfiava que tinha chegado para o final da festa. Uma pena, já que aquela era exatamente a parte da narrativa em que as explicações já tinham terminado e tudo que restava eram golpes desesperados. E uma pena ainda maior não poder participar diretamente.
Talvez pudesse desafiar aquela mulher metálica algum dia. Preferencialmente em um treino amigável, é claro, já que assim, possivelmente, levaria uma surra mais gentil — não era burra o suficiente para acreditar que sairia inteira, então aceitaria uma humilhação educativa, por assim dizer.
Natalya avançou como um raio prateado atravessando uma tempestade de fumaça, deixando atrás de si um rastro cinzento e amargo. A Sombra, pega de surpresa pela velocidade absurda da adversária, não demorou mais que um instante para reagir. Agarrando sua enorme espada diretamente pela abertura em forma de losango no centro da lâmina, a mulher de olhos vazios girou o corpo em um movimento violento, em uma valsa extremamente perigosa. O metal pesado descreveu um arco quase impossível, zumbindo pelo ar com um rugido ameaçador, até encontrar as garras metálicas que visavam seu pescoço.
O impacto foi ensurdecedor, e logo o duelo transformou-se em uma coreografia frenética, golpes rápidos demais para serem acompanhados por alguém com olhos comuns — o que, felizmente, não incluía Ana, ainda que desejasse poder desacelerar o tempo apenas para entender melhor o que diabos estava acontecendo ali.
Era estranho notar como o corpo da Colecionadora se dobrava e se torcia em ângulos antinaturais, as articulações deslizando de forma quase líquida, permitindo movimentos que desafiavam não só a lógica, mas também qualquer manual de anatomia minimamente sério. Ana imaginava se aquilo era algo realmente recomendável, ou se simplesmente Natalya havia decidido, em algum momento, ignorar as recomendações do fabricante e reescrever as regras da própria estrutura óssea.
Ainda assim, a Sombra respondia a cada golpe com uma fluidez que não devia pertencer a alguém feito de carne, osso e um ego tão inflado quanto parecia ter. As veias negras pulsavam com intensidade cada vez mais crescente, e Ana se perguntou brevemente se aquela mulher não iria simplesmente explodir em algum momento. Talvez fosse até melhor assim.
Natalya girou o torso em um ângulo que certamente destruiria a coluna de qualquer humano comum, e tentou acertar a garganta da adversária com a ponta aguçada da lâmina. A Sombra recuou meio passo, exatamente o necessário, e com um sorriso ácido voltou ao ataque num corte baixo, tentando inutilmente atingir as pernas de sua oponente, que saltou com a leveza de uma bailarina de algumas centenas de quilos.
Foi quando, em meio a esquiva, Natalya permitiu-se um sorriso de canto e soprou o que restava do cigarro diretamente nos olhos da adversária. Um golpe baixo, talvez, mas ninguém disse que aquilo era uma luta justa.
A Sombra piscou, surpresa pela ousadia desleal, e nesse instante foi punida pela falta de atenção. A Colecionadora, com uma velocidade explosiva, disparou um soco feroz na região do estômago. Mesmo defendido, o impacto lançou a adversária com violência contra a parede rochosa, levantando poeira e pequenos fragmentos de pedra.
Não satisfeita, Natalya investiu em direção à parede com uma estocada que claramente pretendia encerrar aquele espetáculo de uma vez. A lâmina, no entanto, encontrou apenas o vazio, enterrando-se profundamente na pedra. Uma situação constrangedora, ainda mais para alguém que parecia ter sempre tudo sob controle.
Foi exatamente nessa pequena janela de vulnerabilidade que a Sombra reagiu, largando rapidamente sua longa espada e elevando a perna esquerda em um arco fluido e assustadoramente veloz. Seu calcanhar desceu com uma precisão quase cirúrgica, atingindo exatamente o ponto frágil entre as juntas metálicas do braço preso de Natalya. Um som desagradável — semelhante a engrenagens emperrando — ecoou pela caverna quando o braço se partiu em pedaços.
— Idiota.
A Sombra ouviu o riso, mas antes que pudesse entender o motivo da provocação, uma forte labareda escapou violentamente do braço rompido, expandindo-se num lampejo brilhante. Instintivamente, tentou proteger o rosto com as mãos, mas a manobra tardia não foi suficiente. O fogo engolfou-a por um breve momento, fazendo-a cambalear para trás com dor evidente.
Natalya não desperdiçou a oportunidade. Descartando os fragmentos inúteis do braço destruído, assim como a lâmina restante — que mais atrapalharia do que ajudaria de frente para a parede rochosa — assumiu imediatamente uma estranha postura de luta. Ana arregalou os olhos ao reconhecer imediatamente aquele posicionamento: punho elevado na altura do queixo, cotovelo próximo ao corpo, postura lateralizada — movimentos típicos de boxe.
Ou não tão típicos, já que eram feitos apenas por sua mão restante.
Um jab rápido acertou o rosto da Sombra, abrindo espaço para um direto mais violento que fez a cabeça dela balançar para trás. Um passo curto à frente e um gancho baixo acertou-lhe a lateral do corpo, fazendo-a dobrar-se por um instante, antes que um uppercut impiedoso encerrasse a combinação.
Sem permitir que reajustasse sua postura, a mulher robótica entrelaçou os dedos nas aberturas da armadura e, com um movimento abrupto dos quadris, girou o corpo inteiro da Sombra em pleno ar. Um arremesso perfeito — e desastroso.
Não para a boxeadora, mas sim desastroso para Ana, que percebeu com horror crescente que a trajetória daquela figura estava perigosamente alinhada com a sua posição atual.
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