Índice de Capítulo

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    O garoto não conseguiu esconder o semblante de confusão no rosto, após escutar aquele comentário de Matsuno, que parecia sempre fazer aquele tipo de coisa. 

    — Por quê? Você poderia simplesmente matá-lo, então… pra que estender o seu sofrimento? Cara… isso é tão maldoso.

    Dito isso, Tyrant balançou a cabeça e concordou parcialmente com o comentário, sem entender ao certo o comportamento de Matsuno.

    Na visão de Rei, mesmo que os demônios e monstros fossem inimigos e estivessem atacando o reino, eles ainda eram seres vivos. Deveriam sentir dor e sofrer pelos seus ferimentos. Então, a melhor forma seria matá-los de forma rápida, caso possível. Não estender o período do seu sofrimento. 

    Entretanto, notando a hesitação no questionamento do estudante e vendo que ele não estava acostumado com aquele tipo de situação, Matsuno soltou um pequeno suspiro e começou  a explicar. 

    — É assim que pensam? Talvez vocês estranhem esse método, mas eu não o acertei nesta região propositalmente. Acabei mirando nesse local por hábito, por causa da experiência das minhas batalhas anteriores.

    — Logo, eu pergunto a vocês: Em guerras e expedições, sabem o que os soldados devem priorizar em primeiro lugar?

    — A sobrevivência e buscou de recursos? — respondeu Rei depois de um tempo pensando, ainda em dúvida sobre o contexto da pergunta de Matsuno. 

    — Tanto os civis, quanto os soldados precisam priorizar a eficácia. A sobrevivência e a busca por recursos é algo realmente importante, mas nada disso adiantaria em uma batalha em que os soldados não buscam a eficácia.

    — Não é possível matar todos os monstros imediatamente, então logicamente falando é necessário focar em outras regiões além da cabeça ou coração do monstro, que são áreas de defesa. Deixar um monstro morrer por hemorragia ou até mesmo por sufocamento às vezes é a melhor solução, mirar na cabeça ou coração que são locais protegidos só iria diminuir a pouca stamina de um indivíduo, o que eventualmente afetaria o seu desempenho. 

    Matsuno explicou com seriedade o assunto e suas palavras pareciam carregadas de uma experiência dolorosa, até mesmo os seus olhos estavam perdidos no tópico — como se estivesse revivendo alguma memória antiga.

    Somente ele sabia como a realidade era dura. Desde cedo, tivera de experimentar situações em que dezenas de cadáveres foram espalhados ao acaso por todo o campo de batalha. Onde o cheiro de carne humana podre parecia misturar-se com o resto dos demônios remanescentes. 

    — Além do mais, a mesma consideração que você está tendo pelos monstros, você acha que eles teriam por você? Certamente não. Eles até ririam da sua cara enquanto te comem vivo — comentou com um sorriso frio, limpando com as mãos nuas a sua espada encharcada de sangue.

    — É, você está certo — respondeu curtamente o estudante, com a atenção voltada para o pensamento, após notar que o ponto de vista do homem faz sentido. 

    Deixar os monstros morrerem lentamente não afetaria em nada, eles apenas iriam sentir dor no processo. Entretanto, comparado com a vida de inúmeros inocentes que perderam a vida por tais criaturas desprezíveis, esse pensamento era o de menos. Chegando até mesmo a ser ultrajante sentir empatia por esse tipo de ser vivo, que sequer possuem  inteligência e agem meramente por instintos. Até mesmo quando o vilarejo de Kazuki foi atacado, esses mesmos demônios não pararam por um segundo de matar as pessoas.

    A única coisa que Rei pensou era que a situação atual é diferente do seu antigo mundo, onde toda a sociedade vivia em paz, embora houvesse países em guerra. Nesse mundo, as coisas eram resumidas em matar ou morrer, pensar na questão moral não levaria a lugar algum, a sobrevivência em primeiro lugar.

    Esse tipo de mentalidade era algo normal, até mesmo pessoas que não estavam envolvidas na guerra. Os quais faziam parte da nobreza e questões políticas, e usavam seus trabalhos ou posições sociais como uma forma de sobrevivência.

    Nesse momento, Tyrant interrompeu a discussão entre os dois e seu olhar foi voltado para longe. 

    — Pelas estrelas! Ei, vocês dois. Sim, vocês jovens! Agora não é hora de vocês ficarem discutindo, não percebem a situação em que estamos?! Essa não é a hora nem o lugar. 

    — Não queria acreditar nisso e ser pessimista, mas acredito que talvez algo esteja acontecendo. Quero disseer, os monstros normalmente não aparecem nessa região, se eles apareceram aqui isso não significa que algo esteja errado? Céus…

    O comentário da vidente faz os dois retornarem a realidade. Rei e Matsuno então percebem que depois que os demônios foram mortos, houve um silêncio perturbador na região. 

    Mesmo com a brisa forte da noite batendo nas folhas, o som não saía. O frio não chegava e a escuridão parecia não cessar mesmo com o brilho das duas luas no céu noturno. 

    — Sim, você tem razão, pirralha. Antes de patrulhar, notei que a região estava silenciosa demais. Bom, de qualquer forma é melhor nos apressarmos. Vocês precisam de ajuda para chegar no refúgio? — perguntou Matsuno.

    “Pi-piralha??! Co-como? Como ele pode me chamar de pirralha, eu tenho três vezes mais idade que você. Ah, não pode ser. Por favor, deusa Vênus, me tira esse sentimento de raiva…” pensou Tyrant, após arregalar os olhos enquanto fazia uma expressão de insatisfação na direção do homem. 

    — Não, está de boa, pode ficar tranquilo. A gente consegue se virar de agora em diante, além do mais você ainda precisa voltar para o acampamento, não é? Você é o capitão dos soldados pelo que nos disse, então tem obrigações em primeiro lugar… — respondeu Rei. 

    — … Não precisa se preocupar conosco. Sabemos nos defender, vai fazer o que você precisa fazer primeiro, cara.

    Assim que recebeu a resposta, Matsuno começou a correr na direção do acampamento. 

    — Certo, estou indo primeiro então, só tomem cuidado com os demônios. Não tenho certeza se você é forte o suficiente, mas a minha intuição disse que sim e ela nunca está errada. Espero que a gente possa se encontrar de novo. 

    Dito isso, o cavalheiro sumiu rapidamente na escuridão da noite enquanto correu até a direção do seu acampamento. 

    — Eu realmente me pareço uma pirralha, Rei? — A vidente calmamente perguntou, com um pouco de hesitação na voz. 

    Mesmo com aquela situação atípica acontecendo, o único questionamento da vidente é em torno do último comentário de Matsuno. Deixando-a desconfortável com aquele tipo de afirmação do jovem, e na mente dela, tudo parecia reverberar sobre uma única palavra ‘’pirralha’’. 

    Naquele instante, o estudante apenas olhou para Tyrant e soltou um pequeno suspiro, olhando para os arredores e voltando sua visão para respondê-la. 

    — Na boa, quer que eu fale mesmo? Sim, você parece uma fedelha agora, mas não leva isso para o pessoal. Qualquer coisa eu posso mudar sua aparência depois, saca? Além disso, você tá parecendo muito mais ingênua para a idade que tem. 

    Em seguida complementou: — Vamos voltar logo, precisamos chegar no refúgio o quanto antes, não temos tempo para ficar batendo boca aqui…  

    Após ouvir o comando de Rei, a menina assentiu com a cabeça e concordou com a sentença do companheiro — mesmo com uma expressão de raiva e um leve desconforto, ela deixou isso de lado e decidiu que aquele não era o momento certo para conversar sobre aparência. 

    — Certo…

    ❖ ❖ ❖


    Depois de um tempo após voltar para o refúgio, Rei ficou confuso ao notar inúmeras pessoas correndo de um lado para o outro, com pressa certa urgência. Pessoas essas que ainda estavam na entrada de Svishtar, mal conseguindo adentrar os portões devido aos seus hematomas e ferimentos. 

    E, naquele momento, tanto o estudante, quanto Tyrant permaneceram parados no fundo da floresta em silêncio, enquanto testemunhavam uma cena lamentável nos arredores do portão do refúgio. 

    Aquela situação estava uma confusão. Talvez tenha acontecido um ataque surpresa, ou muitos indivíduos foram pegos em uma emboscada, por isso todos estão nessas condições. 

    Entretanto, havia pessoas feridas em todos os lugares naquele local, e como se as circunstâncias do início da guerra não fossem ruins o bastante, não existia elfos o suficiente para ajudar a todos os debilitados.

    “O que aconteceu aqui? Isso… o qu…e está… rolando?”

    À medida que o estudante aproximou-se da região com Tyrant ao lado, que cobriu o rosto com uma mão em reação de descrença, os comentários de alguns elfos são ouvidos por ambos. 

    —  Esse garoto ainda é menor de idade, certo? Ser atacado até seu rosto ficar irreconhecível, e tendo seu corpo dilacerado até que se torne isso… meu deus — comentou um dos elfos de guarda com o outro elfo. 

    └ Oh, meu deus…

    — Precisamos de ajuda aqui! A perna esquerda e a mão direita dessa senhora estão quebradas, ela não consegue nem ficar em pé… 

    └ Como ele ainda pode estar viva? — disse incrédula uma elfa, com os braços e pernas tremendo. 

    Além de vários homens-feras em estado grave, o corpo de muitos outros eram basicamente pele e osso. Com feridas provenientes de garras, se espalhando por todas as suas costas e a parte do peito, deixando-as inchadas e purulentas, atraindo insetos, que deixavam vermes que andavam por suas feridas. 

    Mesmo feridas antigas que visivelmente não receberam tratamento algum, e novas que sangravam por suas peles, tudo aquilo parecia sair diretamente de um filme de tragédia. 

    “Ah de novo isso… estou me sentindo da mesma forma quando aconteceu o ataque no vilarejo do Kazuki.”

    Declarou em pensamento Rei, momentos depois de sair do fundo da floresta e chegar perto de uma mulher ferida. Ele então franziu a testa e apertou a mão com força. 

    O estudante não conseguiu ficar por muito tempo parado, sem fazer absolutamente nada em relação aquelas pessoas — a princípio, ele nunca teve a intenção de ajudar as vítimas. No máximo, ele criaria algum tipo de alimento com a sua habilidade de『Criação』, auxiliando assim da sua própria maneira, assim como fizera antes. 

    Todavia, após deparar-se com aquela realidade cruel e perceber que possivelmente muitos iriam morrer naquele local, por conta de seus ferimentos e hemorragias internas, ele decidiu finalmente tomar coragem para usar sua habilidade de『Super Cura』.

    Na frente de uma jovem homem-fera, que estava com uma expressão horrível no rosto enquanto cerrava os dentes com força, para aliviar a dor causada por um buraco em sua barriga, o estudante estendeu a sua mão.

    E, em um instante, deixando a energia do éter fluir através de seus braços e mãos, um imenso brilho inundou a visão de muitos que estavam próximos daquela jovem. 

    Quando o estudante tocou o enorme ferimento em sua barriga, o espaço da pele da mulher foi revestido por essa luz e desapareceu como se nunca estivesse estado lá — a região inteira havia sido regenerada.

    No momento em que abriu os olhos novamente, a mulher não pôde acreditar em seus olhos. Ela moveu seu corpo para um lado, em seguida para o outro. Levantou de onde estava e olhou para frente, colocando as mãos em sua barriga. 

    Assim que se deu conta do que realmente aconteceu, algumas lágrimas começaram a escorrer por seu rosto, pouco depois de ter forças o suficiente para agradecer com a voz ainda muito debilitada: — Obrigada, muito obrigada. 

    O olhar das pessoas próximas fixaram-se sob o estudante, que apenas respondeu o agradecimento da jovem com um aceno com a cabeça, levemente envergonhado por receber aquele tipo de gratidão.

    Logo em seguida, ele virou-se para outros feridos na região e repetiu o mesmo passo diversas vezes. Conseguindo restaurar por completo os membros perdidos, curar a cegueira de muitos e até mesmo melhorar as áreas afetadas, criando algum tipo de resistência física — como se fosse uma barreira, apesar do efeito ser algo mínimo. 

    Diferente da última ocasião em que teve que ajudar Círdan a retirar o miasma no corpo de Terqueo, dessa vez o garoto demorou somente alguns segundos para curar várias pessoas de uma única vez. Mesmo as pessoas com os ferimentos profundos e graves, eles foram curados com um simples toque. 

    Quando terminou de tratar o máximo de pessoas possíveis, o estudante olhou à sua volta e nota que não há mais nenhum ferido naquele local. Até mesmo os elfos parecem encará-lo de longe, alguns com expressões confusas no rosto enquanto o encaram, e outros com um sorriso. 

    Continua… 

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