Índice de Capítulo

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    O salão de banquetes se revelava atrás de uma porta de madeira polida que parecia mais cerimonial do que funcional. Ana esperava pompa, talvez colunas entalhadas com pretensões mitológicas ou tapeçarias que fingissem uma linhagem antiga demais para ser verdadeira. Mas não — o espaço era surpreendentemente discreto, quase elegante de tão contido.

    Lustres pendiam do teto, espalhando uma luz cálida, suave, que se alongava pelas taças e talheres como uma carícia bem calculada. A mesa principal, de madeira escura e longa o suficiente para alimentar um pequeno exército, estava meticulosamente arranjada, como se quisesse equilibrar ordem e caos em forma de faqueiros.

    Ao fundo, uma lira tocava. A melodia era suave, mas não melosa. Um fio de música que se enroscava no ar e nas narinas, junto ao aroma de pratos exóticos que a rainha mercenária sequer fingiu reconhecer. Havia ali especiarias que provavelmente haviam atravessado continentes nas mochilas de andarilhos mais bem pagos que os dela.

    O grupo Ironia Divina, é claro, já se empoleirava nas cadeiras como corvos famintos em volta de um banquete. Riam, falavam alto e empilhavam comida nos pratos como se as leis da física não se aplicassem ao arroz ou ao ensopado. Nenhum deles parecia se importar com cerimônia, nem com o fato de estarem sentados a poucos metros de algumas das pessoas mais importantes que já viram. Mas esse era o charme deles, supunha Ana — uma mistura de ignorância e coragem que às vezes funcionava como estratégia.

    Deixando-os de lado, a líder do grupo seguiu Pedro com passos lentos, céticos. Tinha imaginado algo mais formal. Um almoço reservado, uma conversa sóbria, talvez até um brinde contido entre patronos. Mas não — havia mesas dispersas pelo salão, com pequenos grupos de aventureiros já instalados, conversando em voz baixa e lançando olhares apenas suficientes para reconhecer recém-chegados com acenos curtos.

    Chegaram ao balcão principal sem fanfarra. Pedro não precisou dizer nada. Um barman com uma barba bem cuidada e sorriso ligeiramente torto já se adiantava com três copos. A bebida — algo que se pretendia um gim tônico — trazia um cheiro forte de improviso, como se as bagas de zimbro usadas tivessem sido escolhidas mais pela cor do que pelo sabor. Ana não comentou. Pedro também não.

    O estranho é que haviam três copos ali.

    Felizmente, não precisou questionar a respeito do fato, pois dedos prateados surgiram de lado e tomaram o copo adicional com um movimento rápido. Quando levantou os olhos, a presença já era conhecida — embora ligeiramente mais… montada. Cabelos escuros, traços firmes e um olhar intenso que se escondia atrás de redondos óculos escuros.

    — Você… — murmurou Ana, sem conseguir decidir se estava surpresa, irritada ou só cansada demais para reagir de outra forma. A exclamação se dissolveu na própria garganta antes de ganhar altura. Ao mesmo tempo, a mão agia sozinha, mastigando um dos petiscos deixados ao lado do copo, como se quisesse reforçar que, apesar de tudo, prioridades eram prioridades.

    Atrás dela, Pedro agradeceu o atendimento com um aceno breve, mas Ana nem notou.

    — E com os dois braços… — continuou. — Próteses são realmente convenientes.

    — Eu — respondeu a mulher, soltando uma risada breve. Deu um gole longo e prendeu a bebida na boca como quem pondera o gosto, antes de engolir de uma vez, como se estivesse decidindo o veredito ali mesmo. — Coincidência bonita, não é? — encostou-se no balcão com a familiaridade de quem já havia feito aquilo muitas vezes, erguendo o braço reconstruído como uma medalha não solicitada. — Sobre isso, acabei dando um jeito. Como vê, ainda funcional. É bom saber que seu pequeno grupo também tenha se recuperado bem. 

     — É, na medida do possível… de qualquer forma, fui um pouco rude em nosso último encontro. A verdade é que estamos vivos por sua causa. Então… obrigado.

    — Oh, então vocês já se conheciam? — Antes que a Colecionadora tivesse a chance de responder ao gesto, Pedro se dirigiu às mulheres com um largo sorriso, embora seus olhos não escondessem o brilho frio ao analisar a cena. 

    — Passamos por alguns momentos… “difíceis” juntas, mas coisa pequena — murmurou Ana, finalmente dando alguns goles da própria bebida gelada.

    — Entendo. De toda forma, — Pedro fez um gesto expansivo, um tanto teatral — é maravilhoso que duas convidadas de honra tenham chegado juntas. Uma rainha e uma exilada comendo ao nosso lado. Que brindemos à glória passada e ao sucesso futuro! — Sua voz cortou o salão sem esforço, e a saudação foi recebida com um misto de respeito e cautela educada pelos também presentes no salão.

    — Exilada? — perguntou Alex de longe, com a boca meio cheia, mas com curiosidade genuína no olhar.

    Pedro virou-se lentamente para o rapaz, encarando-o por um momento, mas, apesar do sorriso torto, não o deixou sem uma resposta.

    — Não se prenda ao título, jovem. “Exilado” é só um apelido poético que usamos para os reis e rainhas que, digamos, deixaram o ninho antes da hora — explicou com uma entonação quase paternal. — Como pode ver, mantemos boas relações. Natalya aqui, por exemplo, ainda aparece sempre que o mundo fica… interessante.

    A mulher metálica ergueu a sobrancelha por trás dos óculos escuros, mas não comentou. Ana, por sua vez, cruzou os braços.

    — Uma ex rainha, então.

    Não era motivo para espanto, na verdade, fazia muito sentido. Até onde sabia, Natalya era provavelmente a criatura mais perigosa que já havia encontrado e, com sua grande presença, não ser uma mercenária seria uma ofensa para a classe inteira.

    — Não apenas uma rainha! — Pedro, com uma empolgação acentuada até demais, abriu um pouco os braços. — Uma das poucas a alcançar o título de Visionária de Diamante. Claro, também um pouco gananciosa demais para respeitar nossas regras. Mas quem sou eu pra julgar? Visionários nunca foram conhecidos pela modéstia.

    A Colecionadora revirou os olhos em um tédio elegante, voltando à sua bebida. Já o grupo do Ironia Divina? Estava encantado. Aquele tipo de encanto que mistura reverência com o leve pânico de perceber que a figura misteriosa do Madame Eclipse era, na verdade, uma celebridade disfarçada. Ou um monstro aposentado. Ana lançou um olhar discreto a seus subordinados. Vê-los tão boquiabertos era fofo, mas de um jeito inconveniente.

    Pedro, percebendo que o momento estava maduro para uma guinada, retomou a fala com um meio sorriso.

    — Bom, vamos ao que interessa…

    Pedro mal terminou a frase, pois, para o universo, ainda não era hora do “interessa”.

    Uma sirene soou — não exatamente alta, mas com uma vibração tão densa que parecia querer reorganizar os ossos de quem estivesse distraído. Um zumbido grave, que misturava solenidade e entusiasmo com a sutileza de um despertador jogado contra a parede. Em seguida, uma voz surgiu pelos alto-falantes. A entonação era firme, quase profissional… mas com um entusiasmo mal colocado.

    — Senhoras e senhores, estamos sob ataque!

    Foi uma frase curta, objetiva. Seca, até.

    E antes de terem tempo de processarem a mensagem ou qualquer explicação adicional, a música começou.

    Quando eu caí e beijei o chão 🎶

    (falta trocar por letra original na reescrita, então ignorem a música nesse e no próximo, não vai bater com o cap)

    Um rock ritmado, quase dançante, mas que soava melhor como um hino decadente.

    — Isso é… normal? — Júlia piscou.

    A Colecionadora, por outro lado, não parecia surpresa. Saltou o balcão, pegou mais duas garrafas de bebidas quaisquer, e seguiu para uma das mesas mais afastadas.

    — Ah, sempre a mesma merda… tinha esquecido porque parei de vir aqui — Ignorando os olhares inocentemente curiosos, sentou-se e encheu seu copo enquanto apoiava a cabeça em um braço. Um sorriso irônico adornava seus lábios, e então, lentamente, tapou os ouvidos.

    Do lado de fora, o céu começou a pulsar. 

    Explosões dispersaram a névoa da altitude extrema, e todos se abaixaram por reflexo condicionado. As mais diversas cores passavam através das janelas, e não demorou para Ana notar a estranheza de tudo aquilo.

    Erguendo os olhos, notou que ali, do lado de fora da taverna, fogos de artifício preenchiam cada canto da cidade.

    Vi em seus olhos algum brilho de prazer 🎶.

    — Parece que o festival começou mais cedo este ano… — suspirando, Pedro também se serviu de mais uma taça.


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