Capítulo 2 - Cicatrizes forjadas
Sentado de pernas cruzadas no corredor onde as ferramentas foram derrubadas, Akemi iniciou sua tarefa inacabada.
Perto da caixa de papelão estava uma variedade de objetos espalhados: martelos, sacos de parafusos, chaves de fenda, trenas e coisas que o jovem não sabia identificar.
Porém repentinamente, enquanto estava no chão, ele escutou passos pesados se aproximando, e ao olhar para trás…
— Samir?!
— Olá, menino! Como está? — A voz grave que chegou era de um operário conhecido, Omar Samir, um homem de quarenta anos, alto e musculoso, que para exibir sua reluzente pele morena, não possuía um mísero pelo no corpo, inclusive na cabeça.
Sendo estrangeiro, Samir conquistou um lugar na usina devido a sua aura rochosa, capaz de substituir temporariamente alguns de seus músculos por material rochoso, o que ajudava no aumento de sua força e no transporte de equipamentos pesados.
Ainda sentado, Akemi compartilhou seus eventos recentes, inclusive o que resultou em um corte na bochecha.
O relato arrancou boas risadas de Samir. — Ha ha ha! Sério? Mas com esses braços de minhoca, essas coisas acontecem.
— Bom, acho que preciso treinar mais, hehe — brincou Akemi, massageando o seu… “bíceps”.
— Não se preocupe! Um dia você ficará forte como o Samir aqui! — garantiu o operário áurico, estufando o peito e exibindo seus músculos petrificados, enormes como se fossem esculpidos direto de uma montanha.
Reflexivo, Akemi voltou o olhar para as ferramentas no chão. — É, quem sabe um dia… — Assim, ele continua os serviços.
Entretanto, Samir ficou quieto por alguns instantes, coçando a careca com ar de desconforto. Então, ele respirou fundo, e meio hesitante, quebrou o silêncio. — Olha… posso te pedir um favor?
— Claro! — respondeu Akemi, focado no trabalho.
— Então, garoto, o chefe do meu setor me encarregou de pegar um capacitor vermelho na sala 114, e como um bom homem, aceitei de prontidão! — começava Samir, sua voz inicialmente era firme, mas aos poucos, a confiança sumia; seus olhos desviaram, e um rubor sutil tomou conta de seu rosto ao massagear a nuca — mas… no meio do caminho, lembrei de um problema.
— E o que seria este problema?
— Eu sou daltônico.
Akemi imediatamente parou o que fazia e olhou confuso para Samir. — Dal… tônico?
— Sim, não consigo discernir algumas cores direito… principalmente o vermelho…
O clima ficou estranho, mas o garoto compreendeu. — Entendo… Então gostaria que eu o pegasse para você?
— Sim, é um serviço mais tranquilo. Cuidarei dessas suas ferramentas, onde devo deixá-las?
Após informar o destino da caixa para Samir, Akemi avançou pelo corredor até chegar na área central da usina, uma redoma acinzentada repleta de máquinas barulhentas, tubulações e vapor no ar. Funcionários com capacetes amarelos e volumosos uniformes brancos trabalhavam em meio àquela paisagem industrial, mas alguns se destacavam.
À esquerda, um funcionário levitava peças de metal com um controle aparentemente magnético. Ele as movimentava no ar com gestos leves, encaixando-as em uma grande máquina, sem esforço físico.
Caminhando, Akemi observava tudo. “Impressionante, manipular metal deve ser incrível! Mas… Imagina um shihai com uma aura metálica! Ele deve desarmar inimigos em segundos, arrancando espadas e armas das mãos deles… Ah! Talvez ele até consiga manipular veículos inimigos!”
Mais à frente, uma funcionária de luvas reluzentes manipulava o vapor que escapava de uma tubulação conectada a uma máquina quadrada. Seus dedos direcionavam o fluxo para frascos alinhados em uma mesa próxima, embora o propósito deles permanecesse em mistério.
“Controlar vapor ou calor assim em um campo de batalha poderia criar distrações, ou pior! Queimaduras diretas em oponentes… Seria uma arma invisível e letal.”
Outro operário, cercado por uma névoa fina, estava focado em resfriar uma máquina superaquecida. Com sua mão estendida, ele liberava brisas geladas que envolviam a estrutura metálica.
“Ter a temperatura do ambiente ao seu favor… Pode ser que essa habilidade treinada para lutar consiga congelar tropas inimigas ou até impedir explosões de bombas… Quantas vidas são salvas por um shihai assim?”
Dentre eles, outros áuricos usavam seus poderes para operar as complexas máquinas da usina de forma eficiente. Pareciam conectados à tecnologia.
“Esses poderes, tão comuns aqui, seriam devastadores na guerra. Mas… será que nenhum desses operários já pensou em ser um shihai? Será que eles realmente preferem trabalhar nesta usina barulhenta?”
Ao atravessar a redoma, encontrava-se uma entrada para outro corredor, onde a sala 114 situava-se na quinta porta à esquerda.
Conforme se aproximava, o rapaz via que a porta de aço entreaberta e com o interior da sala sem sinais de luz indicava que alguém pudesse ter a deixado a pouco tempo.
Diante da porta e com a respiração suspensa no breve clima pesado de mistério, Akemi pausou por um momento. “Sala 114… se bem me lembro, esta é uma das que o vovô me proibiu de entrar… Mas, afinal, o que pode haver de tão perigoso aqui dentro?”
Decidido, o garoto empurrou a porta suavemente; adentrando no escuro espaço desconhecido, ele tateou as paredes à esquerda em busca de um interruptor.
Quando a luz amarelada foi acionada, o ambiente se transformou instantaneamente. O que antes era escuro, revelou um verdadeiro laboratório de inovações.
Máquinas e dispositivos peculiares se espalhavam pelo espaço, cada um em um estágio diferente de desenvolvimento, à espera de dar vida a novas ideias.
“Wow! Então esta é a tão falada sala de protótipos!”
Bancadas estavam cobertas por ferramentas e componentes eletrônicos, enquanto esboços e diagramas revelavam vislumbres de processos criativos.
À medida que Akemi caminhava entre as mesas de trabalho, ele sentia uma admiração com uma pitada de receio.
Tudo ao redor revelava mais da genialidade e obsessão humana pela ciência, um santuário de invenções que talvez fosse demais para um curioso desavisado.
Apesar de ter tantas novidades em volta, no meio da sala, uma grande máquina semelhante a um motor tomou o foco.
“É uma turbina a gás? Mas… isso deve ter quase dez vezes o meu tamanho!”
Feita de um metal brilhante que captava a luz dourada das lâmpadas no teto, a turbina era rodeada por uma série de tubos e canos que serviam para transportar combustível e ar até dentro da máquina. Uma grande ventoinha na retaguarda girava incessantemente, porém, sem barulhos. Na lateral, havia um painel ativo, cheio de botões e pequenas telas com gráficos e números.
“Isso deve ser o que indicará os detalhes do funcionamento da turbina ligada. Provavelmente alguém estava mexendo nela a pouco tempo… Aliás, vim aqui fazer o quê mesmo? Ah, lembrei!”
Algo brilhante em uma mesa circular próxima chamou a atenção. Ali estava o capacitor vermelho, misturado entre outros capacitores verdes.
“É, realmente Samir poderia ter problemas…” Akemi não conteve o sorriso e avançou com o objetivo claro em mente. “Enfim, até que não foi tão difícil te achar.”
Ele estendeu a mão para agarrar o capacitor específico, seus dedos já quase tocavam a superfície metálica do componente.
No entanto…
CABRUUUUM!
Um estridente trovão retumbou! E um possível curto-circuito provocado por um raio nas proximidades fez a sala piscar em vermelho intenso.
Os sons ensurdecedores fizeram o coração de Akemi saltar.
“E-essa não! Eu deveria chamar alguém! M-mas eu nem deveria estar nesta sala, se o meu avô descobrir estarei morto!”
Os alarmes soavam tão alto que quase se tornavam físicos, uma onda de som que tanto advertia quanto desafiava.
Porém, de repente, o foco foi desviado para a grande turbina a gás emitindo um chiado estranhamente agudo e com os medidores elétricos oscilando de forma descontrolada, aumentando o caos que se instaurava.
Os alarmes eram amedrontadores, mas, entre o desastre… “Argh! Que coisa! Não posso fugir disso agora, tenho que fazer algo!” Akemi encontrou uma oportunidade, enquanto as palavras ásperas e desencorajadoras da recente discussão com seu avô perturbavam sua mente, impulsionando-o e fortalecendo sua determinação. “Cansei de ser tratado como um nada! Preciso provar que sou capaz de me virar sozinho! Vou mostrar que ele está errado!”
Mesmo contra as ordens de seu avô, o garoto tomou a coragem e a adrenalina como guias para ir até a máquina afetada. Pequenas faíscas foram enfrentadas no percurso.
Usando de base o que aprendeu durante o estágio, ele tentava identificar as possíveis falhas. “Resolver esse problema… sim, isso deveria ser simples. Eu observei e aprendi. Tenho que aproveitar! É a minha primeira chance de ser minimamente heroico!” Seu primeiro passo era tentar decifrar os dados caóticos diante de seus olhos. “Vamos! Eu consigo! Vejamos, esses indicadores de temperatura… a velocidade do rotor… hmmm… está tudo girando! Nada faz sentido! E esse chiado? É algo com a pressão?”
A confusão se transformou em nervosismo.
“Ah, realmente preciso de ajuda para entender isso? Que coisa!”
Entretanto, ele não permitiu que aquilo o detesse.
O tempo passava rapidamente ao passo que a situação era analisada, cada segundo sincronizado com o som do alarme.
No fim, não sobrou mais alternativa, somente o plano B restou como opção.
“É arriscado, mas se eu não fizer nada, as coisas só devem piorar. Vamos lá!”
Apesar do medo, Akemi puxou a alavanca mestra no lado direito do painel, na esperança de que aquilo desligasse tudo e evitasse um desastre maior.
Todavia, no ativar da alavanca…
Fzzzt-BUUUUM!
Após um clarão amarelado, uma poderosa descarga elétrica irrompeu da turbina danificada, causando uma explosão. A força da descarga era tão avassaladora que o rapaz foi lançado para trás com uma brutalidade que ele jamais poderia ter previsto.
Peças se dispersaram em estilhaços e o cenário tornou-se ainda mais caótico.
Zonzo, Akemi escutava um zumbido constante em seus ouvidos; embora seus olhos estivessem fechados, sua mente permanecia alerta, mas seu corpo já estava cedido a um estado choque.
No chão, o rapaz era incapaz de reagir. Dores lancinantes e agudas se alastravam pelos seus músculos, uma tortura silenciosa que se intensificava a cada segundo.
Pequenos focos de chamas consumiam as suas roupas, reduzindo o tecido a cinzas ardentes que tocavam sua pele, intensificando a agonia. Durante a dor, algo percorria rapidamente as veias do jovem, uma corrente estranha que o consumia a cada segundo.
Repentinamente, a corrente alcançou um pico crítico ao desencadear ondas de eletricidade vindas de Akemi.
Uma “chama amarela” cobriu Akemi, que ao ficar de olhos entreabertos, conseguiu observar as correntes elétricas surgindo de si.
O tinido da eletricidade se entrelaçou ao crepitar das faíscas, e naquele instante, sons de vários passos se aproximavam.
— Tem alguém caído nesta sala!
— Argh! Não consigo chegar perto!
— Se afastem! Eu sei o que fazer.
Após ruídos de movimentos, as ondas de eletricidade e as chamas se desvaneceram, deixando a sala de protótipos mergulhada na escuridão.
Ofegante e imóvel, Akemi permanecia deitado ao lado da agonia e da incerteza, à beira do colapso.
A ideia de não sobreviver passou pela sua mente, levando-o a ansiar desesperadamente por ajuda.
Aos poucos, outras conversas abafadas denunciaram a presença de mais pessoas.
— Nossa, está um breu por aqui!
— Precisamos ajudá-lo! Venham!
Entre as falas, destacava-se uma voz familiar. — A-Akemi?! Pelos deuses! O que ele estava fazendo aqui!?
Os olhos semiabertos do jovem encontraram Isao agachado, cercado por operários, todos com expressão de preocupação.
Akemi começou a sentir uma pressão gentil na lateral do tórax; eram as mãos do avô, seguras e familiares, tocando-o.
Um arrepio de alívio passava pela espinha do garoto, fazendo-o sentir-se minimamente menos quente; mas o toque não era suficiente para silenciar toda a dor, calor e angústia.
— Ó deuses… snif… não conseguirei dessa vez.
No final, as mãos de Isao apenas serviram para mostrar que o neto não estava sozinho.
— Diretor, ele deve ser levado ao hospital imediatamente! — declarou um dos operários.
Mas antes que houvesse qualquer reação, Akemi teve a visão escurecida novamente, sua consciência se esvaiu…
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